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CAPÍTULO V – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

1. Validade interna dos resultados

1.1 Desenho, fontes de informação e população em estudo

A presente investigação foi desenvolvida em duas grandes etapas: iniciou-se com a revisão sistemática da literatura universal sobre os factores de risco de insucesso em doentes com TBP, seguindo-se do estudo empírico debruçado na realidade portuguesa com vista à determinação de um modelo de risco de insucesso em doentes com TBP em Portugal Continental.

Na pesquisa inicial da literatura observou-se que os factores de risco de insucesso terapêutico em doentes com TB foram estudados em diversos momentos, por diferentes equipas de investigação e em vários locais, utilizando variadas definições para o outcome de insucesso (ainda que baseadas nas mesmas categorias da WHO), e explorados pelos vários autores de diferente forma, com resultados, por

vezes, conflituantes. Tal facto contribuiu para a decisão de realizar a revisão da literatura de forma sistemática e com recurso a meta-análise, de forma a escolher os factores a estudar nos doentes com TBP “baseados na evidência” pré-existente e com suficiente uniformidade de critérios.

A revisão sistemática, estudo de síntese de evidência, procurou reunir a evidência empírica que cumpriu os critérios pré-definidos de elegibilidade para os estudos, a fim de responder à pergunta de investigação: que factores de risco se associam aos resultados terapêuticos em doentes com TBP? Recorreu-se a uma combinação de termos thesaurus e palavras-chave free text, seguindo as recomendações da The Cochrane Colaboration e as guidelines do MOOSE group com vista a minimizar vieses, usando métodos reprodutíveis, explícitos e sistemáticos, proporcionando assim resultados mais fiáveis a partir dos quais se podem tirar conclusões e tomar decisões (Antman, 1992, Oxman, 1993 citados por Green e Higgins, 2011).

Recorreu-se ainda à meta-análise, utilizando métodos estatísticos de base epidemiológica para avaliar sistematicamente os resultados de estudos independentes (Glass, 1976 citado por Green e Higgins, 2011). Os resultados da meta-análise ao combinar informações de estudos relevantes forneceram estimativas mais precisas dos efeitos (neste caso, da taxa de sucesso terapêutico e do valor de OR para os diferentes factores de risco estudados), do que os derivados de estudos individuais incluídos numa análise conjunta. Uma pesquisa pormenorizada da literatura, a análise da variabilidade ou heterogeneidade dos estudos incluídos, bem como a especificação do resultado e hipóteses que são testadas são fundamentais, podendo a incapacidade de identificar a maioria dos estudos existentes levar a conclusões erróneas. No entanto, e tendo sido salvaguardada a metodologia associada a este método de análise de dados e minimização do potencial para ausência de estudos fulcrais, com a realização de pesquisa adicional, constituiu-se, assim, como uma útil ferramenta com benefícios para a investigação em curso, poupando recursos e tempo (Haidich, 2010; Higgins e Green, 2011).

Acresce que os profissionais de saúde, consumidores, investigadores e decisores políticos são inundados com quantidades massivas de informação na literatura científica, sendo necessárias decisões atempadas e informadas em Saúde Pública, verificando-se que a multiplicidade de informação obriga a que os resultados sejam sintetizados de forma a procurar responder objectivamente às questões que vão sendo colocadas (Greenland, 1987, Chalmers e Lau, 1993, Badgett, O’Keefe, Henderson,

1997, Ohlsson, 1994 citados por Stroup et al., 2000; Mulrow, 1994 citado por Higgins e Green, 2011).

Na presente investigação, além da pesquisa em base de dados recorreu-se ainda a pesquisa manual numa revista de referência na área da TB, tal como recomendado por Armstrong, Waters e Doyle (2008) numa publicação da The Cochrane

Collaboration. Esta publicação, a partir de 2008, e dada a relevância da área, passou a incluir um capítulo destinado a revisões sistemáticas em Saúde Pública e Promoção da Saúde. A revisão da literatura em Saúde Pública representa uma tarefa muito complexa dada a grande variedade de abordagens e desenhos de estudos (incluindo ensaios não aleatorizados e aleatorizados), obrigando os investigadores a recorrer a outros métodos, incluindo o manual, além da pesquisa em bases de dados, de forma a identificar o máximo de estudos elegíveis (Armstrong, Waters, Doyle, 2008).

Importa, ainda acrescentar que o facto de a pesquisa ter sido conduzida de forma a identificar estudos disponíveis de forma gratuita poderá ser entendido como uma limitação de ordem operacional ao vedar o acesso a potenciais artigos não acedidos pelas bases de dados consultadas, podendo o recurso à EMBASE (base de referência para revisões sistemáticas) ser disso exemplo. Não obstante, foram consideradas a B- on “all for all”, PubMed (incluiu MEDLINE), Web of Science e ainda o Google Scholar, bem como uma pesquisa manual na revista científica de referência e em referências bibliográficas de revisões e de relatórios oficiais que reportassem resultados terapêuticos, na expectativa de esta limitação ser ultrapassada.

Os resultados alcançados neste sub-estudo devem ser analisados tendo as limitações mencionadas em conta, não obstante, as mais-valias conhecidas deste tipo de revisão. Foram, assim, seleccionados 41 estudos de determinantes de resultados terapêuticos em doentes com TBP, que permitiram calcular a taxa de sucesso terapêutico em função dos resultados reportados em cada um deles e identificar factores de risco de insucesso, o que possibilitou consolidar o conhecimento nesta área para realização do estudo empírico de forma sustentada com base na “melhor” evidência.

O estudo empírico, segundo sub-estudo desenvolvido, recorreu a um dos dois caminhos possíveis em Epidemiologia, o observacional, em que o investigador descreveu a distribuição dos fenómenos no tempo, no espaço e em relação às características das pessoas, sem interferir nesses fenómenos intencionalmente. Limitou-se, assim, a observar os acontecimentos, podendo simular condições como se a experiência fosse realizada (Rothman e Greenland, 1998), tendo recorrido às duas

abordagens possíveis: o estudo individual e o estudo ecológico. Estes diferem entre si, entre outras inúmeras características, na evidência de suporte que podem proporcionar acerca de uma possível associação causal (Piantadosi, 1994 citado por WHO, 2004).

A abordagem individual possibilitou estudar associações entre o insucesso terapêutico dos doentes com TBP e os factores de risco que o determinam, no sentido, de perspectivar correlações (Turato, 2005).

Recorreu a uma análise retrospectiva dos casos de TBP notificados em Portugal Continental no sistema de vigilância da TB nacional, o SVIG-TB, base de vigilância epidemiológica e de gestão do programa, sem recurso a processo de amostragem. De facto, a Epidemiologia Moderna conta com fontes de dados importantes, havendo inclusive em algumas áreas de estudo populações que são seguidas durante décadas, com dados disponíveis de forma relativamente rápida, ainda que se tenha de ter em conta as limitações inerentes aos dados (Thygesen e Ersbøll, 2014).

Esta investigação epidemiológica, à semelhança de outros estudos apoiados em bases de dados, processos e/ou registos clínicos (usados actualmente de forma extensiva), apresenta um conjunto de pontos fortes mas também limitações que, não tendo impossibilitado o desenvolvimento da presente investigação, nomeadamente, a sua finalidade e o objectivo, devem ser equacionados na interpretação dos resultados. Dos pontos fortes apontam-se: (i) os dados já estarem recolhidos ficando disponíveis no imediato; (ii) possibilidade de análise da população ou de amostras de elevado tamanho; (iii) minimização de vieses decorrentes de processos de amostragem, com possibilidade de estudo de medidas de exposição e desfecho raros, dada a disponibilidade de informação das exposições e os resultados para toda a população (Thygesen e Ersbøll, 2014).

Quanto às limitações, salientam-se: (i) os dados serem pré-recolhidos por outra(s) pessoa(s) do que o investigador, o que pode determinar que a informação necessária esteja indisponível ou classificada erroneamente, com dados limitados aos campos de registo, e possibilidade de variação na codificação entre as pessoas; (ii) dificuldade de tratamento dos valores missing, por indefinição da informação em falta; (iii) em bases de dados de grandes dimensões, as diferenças pouco relevantes poderem tornarem-se estatisticamente significativas; e (iv) a inexistência de informação sobre algumas variáveis pertinentes à investigação, mas não recolhidas no âmbito da vigilância epidemiológica, que poderia identificar outros potenciais factores de risco (Thygesen e Ersbøll, 2014). Tal implicaria uma recolha mais exaustiva e

pormenorizada da informação e poderia potencialmente comprometer a notificação obrigatória realizada pelos profissionais de saúde dos casos de TB em Portugal, dado que envolveria mais tempo e recursos que se apresentam escassos no sistema de saúde Português.

As restrições à população em estudo foram fundamentais para uma homogeneização da população estudada, nomeadamente, para casos de tuberculose- doença com localização pulmonar, a mais frequente e preocupante em Saúde Pública, igualmente verificado como opção por diversos outros investigadores (citam-se os últimos cinco anos, a título de exemplo: Akhtar et al., 2011; Awaisu et al., 2011; Nik Nor et al., 2011; Visser et al., 2011; Berhe, Enquselassie e Aseffa, 2012; Bloss et al., 2012; Alobu et al., 2014; Choi et al., 2014; Lackey et al., 2015; Kanungo et al., 2015; Nyasulu et al., 2015).

Quanto à restrição geográfica da área de estudo a Portugal Continental, decorreu das questões operacionais já apresentadas, não permitindo a extrapolação dos resultados à população de casos de TBP em Portugal, tendo havido conhecimento de diferenças que em tempo útil não seriam possíveis de incluir. No entanto, futuramente ultrapassadas essas questões o modelo de análise pode ser igualmente desenvolvido nesse contexto.

Quanto ao critério temporal, a opção de estudar um período de 12 anos, que naturalmente apresenta a vantagem de ser suficientemente abrangente, pode também ser entendido como distante do tempo em que o modelo poderá ser aplicado. No entanto, foram observados valores robustos de sensibilidade, especificidade e área sob a curva ROC na validação dos modelos (que recorreram aos últimos anos disponíveis) o que demonstra a solidez da opção tomada. Acresce o facto de estudos em grande escala e em longo prazo permitirem gerar boa evidência epidemiológica sobre as relações entre exposições e os eventos em estudo (Bonita, Beaglehole, Kjellström, 2006).

O presente estudo recorreu ainda a uma abordagem descritiva com a realização do estudo ecológico para o estudo da relação do insucesso e os factores de risco na população. Ao contrário do estudo anterior, esta abordagem não perspectiva a ligação do insucesso terapêutico com a exposição individual ou características de confundimento. No estudo ecológico, a informação sobre a exposição e o objecto em estudo só está disponível para grupos de pessoas, podendo informações críticas serem perdidas no processo de agregar esses dados (Piantadosi, 1994 citado por WHO, 2004). Acresce que, por vezes, são difíceis de interpretar, podendo determinar

erros graves quando se assumem que as inferências de uma análise ecológica dizem respeito tanto aos indivíduos dentro do grupo como a indivíduos entre os grupos (Connor e Gillings, 1974, Piantadosi et al., 1988 citados por WHO, 2004). Uma outra limitação de ordem metodológica nos estudos ecológicos é o controlo de variáveis de confundimento, pela ausência de informação sobre a distribuição conjunta do factor em estudo e dos co-factores em causa.

Existiram, no entanto, diferentes razões para se ter recorrido a esta abordagem, apesar das suas limitações metodológicas, como: (i) o baixo custo e conveniência, por possível ligação entre as diferentes fontes secundárias de dados, SVIG-TB, INE e INSA (ao nível do município); (ii) a medição rigorosa de determinadas medidas, que, ao apresentarem limitações ao nível individual, podem ser aplicadas à medição da exposição ao nível ecológico; (iii) o interesse no efeito ecológico, por exemplo, medição do efeito de programas de intervenção, políticas ou legislação; (iv) a simplicidade da análise e de apresentação, por exemplo, em estudos complexos ao nível individual, poderá ser mais simples analisar e apresentar os dados ao nível ecológico, por agregação do ano, região e grupo demográfico como a unidade de análise (WHO, 2004).

O clustering espácio-temporal como forma a apurar se o tempo e o espaço explicam o evento em estudo, complementou as duas abordagens. De facto, o estudo da distribuição geográfica e temporal das doenças ou outro resultado em saúde, dos seus determinantes e/ou das características básicas da população tem uma longa tradição em Epidemiologia, apresentando como outros estudos limitações. Contudo, os resultados obtidos, quanto à sua aplicabilidade e interesse neste âmbito, afiguram- se muito promissores o que traduz maior precisão e segurança nas decisões, conduzindo a maior efectividade em Saúde Pública (Nunes et al., 2008). Os resultados obtidos indiciaram a necessidade de um modelo geograficamente referido, com identificação de zonas geográficas críticas de insucesso, a par com as zonas de incidência da TB, identificadas anteriormente, consistentes com zonas urbanas como as regiões de Lisboa e Porto (Nunes, 2007; Areias, Briz e Nunes, 2015). Consistente ainda com resultados de outros estudos de clustering espacial, que associam a TB às grandes cidades, caso do estudo em Hermossillo, México (Álvarez-Hernández et al., 2010) e do estudo de indicadores sócio-demográficos e geográficos da TB em Hong Kong (Chan-Yeung et al., 2005).