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Desenho institucional do STF

3 O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO E A POLÍTICA

3.1 A modelagem do STF pela Constituição Federal de 1988

3.1.2 Desenho institucional do STF

Outro fator relacionado à edição da CF/1988 que colaborou para a expansão do STF foi a atribuição de uma série de competências ao Tribunal. De acordo com o texto constitucional, as atividades desse tribunal vão desde o processamento e julgamento originário de relevantes demandas relacionadas ao cenário político nacional – ações de controle de constitucionalidade, infrações penais comuns dos mais altos representantes dos Poderes, litígios entre entes federados, processos de extradição, dentre outros – ao julgamento, em sede de recursos ordinários ou extraordinários, de decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em última instância e de decisões envolvendo matérias constitucional.

Uma das principais mudanças institucionais do STF diz respeito aos canais de acesso ao Tribunal. O I Relatório do Supremo em Números (FALCÃO; CERDEIRA; ARGUELHES, 2011) apurou que, entre 1988 e 2009, houve 52 tipos de processos diferentes para se acessar o Supremo Tribunal Federal, os quais foram utilizados em maior ou menor grau. Tal fato se deve, em grande medida, à hibridez do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade instituído pela CF/1988, que possibilita ao STF declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou de um dispositivo legal tanto em grau recursal (controle difuso) como pela via de ações diretas (controle concentrado). O controle de constitucionalidade brasileiro acumula características ligadas a dois modelos diferentes, o que faz com que o STF exerça, em certas ocasiões, o clássico papel de “corte suprema”, como órgão de cúpula do

Judiciário nacional que é responsável pela interpretação e aplicação da constituição em última instância, enquanto que em outras circunstâncias, o Supremo atua como um “tribunal constitucional”, incumbido de julgar denúncias de inconstitucionalidade de leis específicas (ARGUELHES; RIBEIRO, 2016).

Na concepção de Verissimo (2008, p. 417), ao manter o Supremo como órgão de cúpula do Judiciário brasileiro e ao mesmo tempo ampliar suas competências relacionadas ao controle concentrado de constitucionalidade, a CF/1988 optou por “concentrar a atuação do STF preponderantemente em matéria constitucional, sem ter pretendido, contudo, transformá-lo em uma corte constitucional especializada, de modelo europeu”.

A grande novidade da CF/1988 no que diz respeito ao acesso ao STF foi a ampliação do rol de indivíduos legitimados a propor ações de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos diretamente ao Supremo Tribunal Federal, que antes era permitido apenas ao Procurador Geral da República (VIEIRA, 2008). Com a promulgação do CF/1988, permitiu-se o acesso direto ao Supremo para importantes setores da vida social organizada, como as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional, os partidos políticos com representação do Congresso Nacional e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além dos principais representantes dos Poderes Executivos e Legislativo em âmbito federal e estadual9.

Com o grande número de formas diferentes de se acessar o STF, por meio de diferentes atores, seja pela via direta ou pela recursal, a literatura a respeito do tema percebeu que o Supremo Tribunal Federal acumula funções que poderiam ser dividas em três tribunais diferentes. De acordo com o I Relatório Supremo em Números, a análise dos padrões processuais do STF indica a existência de três comportamentos distintos dentro da mesma instituição, como se fosse “um tribunal com três personas”. Na percepção do Relatório:

Cada uma dessas três personas exibe perfil e comportamento próprios, padrões processuais distintos que se manifestam em diferenças de origem dos processos, quantidade de andamentos até seu arquivamento, duração, classe processual, entre outros aspectos. (FALCÃO; CERDEIRA; ARGUELHES, 2011, p .13).

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A compreensão de Vieira (2008) quanto ao desenho das competências institucionais do STF é no mesmo sentido. O autor divide o Supremo em três categorias: (i) tribunal constitucional, que julga, por meio da via de ações diretas, a constitucionalidade de leis e atos normativos federais e estaduais; (ii) foro especializado, responsável pelo julgamento de autoridades do alto escalão, o que tem grande custo gerencial ao STF ante a necessidade de instrução dos processos; e (iii) tribunal de apelação ou de última instância, que seria o fator responsável pelo envio da grande maioria dos processos remetidos ao STF, assim como o resultado da hibridez do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, sem, todavia, uma cultura jurídica de valorização do caráter vinculante das decisões judiciais.

A separação das classes processuais tramitantes no STF feita pelo Relatório Supremo em Números (FALCÃO; CERDEIRA; ARGUELHES, 2011) se coaduna com a divisão de Vieira (2008). O Relatório dividiu os processos em: (i) processos constitucionais, que envolvem especialmente aqueles de controle abstrato de constitucionalidade como ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), mandado de injunção (MI) e proposta de súmula vinculante; (ii) processo recursais, que englobam principalmente os agravos de instrumento e os recursos extraordinário; e (iii) processos ordinários, que são “todos os demais casos que não se enquadram na classificação acima, ou seja, não são recursais de massa ou não são constitucionais de controle concentrado” (FALCÃO; CERDEIRA; ARGUELHES, 2011, p. 20).

As estatísticas da atividade processual do STF, por sua vez, demonstram que, quantitativamente, a função de tribunal de apelação de última instância exercida pelo Supremo é, sem dúvidas, a maior quando comparada às funções constitucional e de ordinária, ou de foro especializado. A esse respeito, Verissimo (2008) destaca o fato de que a esmagadora maioria dos processos julgados pelo STF são decididos monocraticamente, o que, inclusive, pode ser percebido pelos dados apresentados à tabela 1 no tópico anterior.

Ainda quanto às diferentes dimensões das “personas” formadoras do STF, o I Relatório Supremo em Números apresenta relevante gráfico que destaca a amplitude das funções recursais do STF em comparação com as demais.

branda, com o Tribunal se aproximando mais da experiência das supremas cortes estrangeiras.

O fenômeno de judicialização da vida social brasileira se torna, assim, cada vez mais marcante, principalmente pelo fato da CF/1988 ter conferido arquitetura institucional e funcional sui generis ao Judiciário brasileiro e especialmente ao STF, vértice jurisdicional do ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, após a edição da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, responsável por uma ampla reforma no sistema judiciário do país, a independência e a autonomia do Judiciário foram evidenciadas, sobretudo com a instituição do Conselho Nacional de Justiça, vértice administrativo das atividades do Poder Judiciário e de seus magistrados (BORGES; ROMANELLI, 2016).

Percebe-se, assim, que juntamente com a ampla constitucionalização de temas da vida social, a CF/1988 também atribuiu ao STF uma série de competências que redesenharam o papel institucional do Supremo dentro do cenário político brasileiro, de modo que, desde então, o Judiciário, e sobretudo o STF, passaram a impactar nas decisões políticas mediante ferramentas constitucionais que possibilitam a um juiz exercer um papel cada vez mais político.