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Organismos judiciais nas Américas

2 GLOBALIZAÇÃO DO DIREITO E EXPANSÃO JUDICIAL GLOBAL

2.1 Expansão de Cortes e Tribunais Internacionais

2.1.3 Organismos judiciais nas Américas

Na América do Sul, um exemplo de jurisdição internacional atuante vincula- se ao Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Criado a partir do Tratado de Assunção de 1991, por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o MERCOSUL é responsável pelo estabelecimento de uma nova ordem legislativa sulamericana, em que o direito internacional e o direito internacional econômico são de suma importância para o desenvolvimento da legislação aplicável ao bloco, bem como para o fortalecimento do processo de integração (GIUPPONI, 2012). Apresenta-se como objetivo central do bloco, previsto em seu tratado fundacional, a formação de um mercado comum, com livre circulação interna de bens, serviços e fatores produtivos. Além do Tratado de Assunção, destacam-se, também, outros documentos normativos do grupo, como o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, e o Protocolo de Olivos, de 2002. O Protocolo de Ouro Preto reformulou o arranjo institucional e o sistema legal do bloco, enquanto que o Protocolo de Olivos foi responsável pelo aperfeiçoamento dos procedimentos de resolução de conflitos entre membros do bloco, tendo, inclusive, instituído do Tribunal Permanente de Revisão (TPR), principal órgão judicial internacional do MERCOSUL.

O sistema de resolução de conflitos do MERCOSUL é formado, resumidamente, por três etapas: i) negociações diretas entre os países membros conflitantes, com a intervenção opcional do Grupo do Mercado Comum (GMC) – órgão executivo do bloco; ii) se infrutíferas as negociações, remete-se o caso para apreciação por um tribunal de arbitragem ad hoc, normalmente formado por três árbitros selecionados de uma lista do Secretariado do MERCOSUL; e iii) caso a questão não se dê por resolvida por alguma das partes, aquela ainda insatisfeita pode apelar para o Tribunal Permanente de Revisão do bloco, que analisará o caso conforme a legislação do MERCOSUL, com vistas à adoção de uma interpretação uniforme do direito de integração regional. Contudo, assevera-se que a segunda etapa do processo é opcional, podendo o Estado denunciante levar o caso diretamente ao TPR, sem passar pelo crivo do tribunal arbitral (OLIVEIRA, 2007).

A atividade de revisão judicial do TPR, no entanto, é limitada aos questionamentos anteriormente discutidos na controvérsia e às interpretações desenvolvidas pelo tribunal de arbitragem ad hoc precedente. Ou seja, é necessário

o preenchimento do requisito de “pré-questionamento da matéria” para que o Tribunal possa apreciar a controvérsia relativa ao caso (GIUPPONI, 2012).

Além da jurisdição contenciosa, o TPR dispõe também de função consultiva quanto às questões legais envolvendo os regramentos do MERCOSUL (OLIVEIRA, 2007). As opiniões consultivas do Tribunal podem ser solicitadas por Estados- membros do bloco, por órgãos executivos do MERCOSUL e, inclusive, pelas Supremas Cortes de jurisdição nacional dos países membros (GIUPPONI, 2012). Litigantes privados (pessoas e entidades) podem apresentar denúncias contra países membros que estejam adotando medidas com efeitos restritivos, discriminatórios ou injustos com relação à competição mercantil e à livre concorrência, em violação às normas do bloco. Contudo, a denúncia não é submetida diretamente ao órgão judicial do MERCOSUL, devendo, antes, passar pelo crivo da Seção Nacional do GMC no Estado em que o denunciante reside, em seguida, pelo próprio GMC, que formará um grupo de especialistas para analisar a questão, e somente após a emissão de opiniões pelos especialistas com a adoção de medidas corretivas, que o caso poderá ser levado por um Estado-membro do MERCOSUL a um tribunal de arbitragem (GIUPPONI, 2012).

O foco principal do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL é a uniformização das interpretações do direito do bloco, ao passo que suas decisões definem o escopo de uma norma do MERCOSUL e são aptas a solucionar conflitos entre normas domésticas e normas do grupo. Entretanto, as decisões não são vinculante para os órgãos do MERCOSUL, para os Estados-membros e nem para as Supremas Cortes dos países (GIUPPONI, 2012).

Inegável, portanto, reconhecer que a jurisdição internacional do MERCOSUL é destinada à observância das normas previstas no Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto, dentre outros documentos normativos do bloco, cujos os procedimentos jurisdicionais são, em grande medida, previstos pelo Protocolo de Olivos. As eventuais controvérsias emergentes entre países membros são, por sua vez, resolvidas, em última instância, pelo Tribunal Permanente de Revisão, que auxilia na obtenção de interpretações uniformes a respeito das normas do bloco.

Além da jurisdição de caráter mercantilista dos órgãos do MERCOSUL, tem- se também, no âmbito das Américas, a jurisdição de direitos humanos exercida pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Referidos órgãos foram instituídos pela Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, e destinam-se ao cumprimento dos objetivos traçados pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, de 1948, editada juntamente à Carta fundacional da OEA (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2009).

A Comissão Interamericana tem sede em Washington, nos EUA, enquanto que a Corte é sediada em San José, na Costa Rica. Diferentemente da Corte, cuja jurisdição deve ser reconhecida pelos países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Comissão possui competência de atuação frente a todos os Estados signatários da Convenção com relação à observância aos direitos nela previstos, bem como está disponível para acesso direto de indivíduos e instituições não-governamentais através de seu sistema de petições. Contudo, a Comissão é destinada apenas a receber as petições e as denúncias de violações de direitos humanos previstos na Convenção, limitando-se a analisar acerca da admissibilidade da queixa à Corte e emitindo resoluções sem força de sentença (BERNARDES; VENTURA, 2012).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por seu turno, detém a função de julgar os casos remetidos pela Comissão, responsabilizando os Estados processados. A Corte é constituída por sete juízes nacionais de Estados-membros da OEA e possui também competência consultiva, editando pareceres, a requerimento de órgãos e países da OEA, acerca da interpretação de tratados interamericanos e da própria Convenção Americana de Direitos Humanos. Sua jurisdição, contudo, deve ser reconhecida pelos países membros para que seja declarada a responsabilidade do Estado pelo ato denunciado (ALGAYER; NOSCHANG, 2012).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos representa um tipo de corte internacional semelhante ao que era a Corte Europeia de Direitos Humanos antes da edição do Protocolo n. 11, tendo em vista a existência do juízo de admissibilidade por meio da Comissão. No entanto, diferentemente da versão anterior CEDH, a Comissão Interamericana é apta a receber denúncias individuais de litigantes privados (ALTER, 2014).