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Reunião mensal desenvolvida nas cinco regiões administrativas de Campinas, tendo a participação de diversos profissionais de diferentes setores, como Educação, Saúde, Assistência Social Nestes encontros discutem-se os

O cuidado de si (inquietar-se de si) como possibilidade

34 Reunião mensal desenvolvida nas cinco regiões administrativas de Campinas, tendo a participação de diversos profissionais de diferentes setores, como Educação, Saúde, Assistência Social Nestes encontros discutem-se os

“casos” graves da região, isto é, situações vividas por crianças e adolescentes da região, em qualquer dos “equipamentos”.

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Se tomarmos, em Epicuro35, todo o começo da Carta a Meneceu, leremos: “Quando se é jovem, não se deve hesitar em filosofar e, quando se é velho, não se deve deixar de filosofar. Nunca é demasiado cedo nem demasiado tarde para ter cuidados com a própria alma. Quem disser que não é ainda ou não é mais tempo de filosofar

assemelha-se a quem diz que não é ainda ou não é mais tempo de alcançar a felicidade. Logo, deve-se filosofar quando se é jovem e quando se é velho, no segundo caso [quando se é velho, portanto;MF] para rejuvenescer no contato com o bem, para as lembranças dos dias passados, e no primeiro caso [quando se é jovem;MF] a fim de ser, embora jovem, tão firme como um idoso diante do futuro” (FOUCAULT, 2006a, p. 108).

Podemos dizer da possibilidade do exercício da filosofia ao longo da vida. Neste momento, a filosofia passa a ser uma possibilidade de preparação, enriquecimento e

possibilidade de armar-se perante as dificuldades da vida e, na velhice, uma possibilidade de rejuvenescimento. Retornando aqui a Deleuze (1992), podemos dizer, então, que a filosofia, ou seja, o exercício da criação de conceitos, deve ser uma prática ao longo da vida.

Também no período heleno-românico encontrava-se a noção de que a prática de si tenha um lado formador, que prepara o indivíduo para suportar os eventuais acidentes e todos os problemas e dificuldades que virão, podendo suportar e passar pelas desgraças, produzindo uma espécie de armadura individual, traduzida por Sêneca como “instructo”.

Nos relatos acima, retratamos um pouco desta noção de instructo. Os jovens e adolescentes foram constituindo mecanismos de proteção/defesa e ataque diante dos desafios concretos de sua vida.

Esta noção de instructo também estava interligada a outra noção, importante para esta minha pesquisa, a noção de tornarmo-nos o que nunca fomos (sem termos a noção da

multiplicidade dessa possibilidade de ser): “mesmo se nos enrijecemos, há meios de nos endireitarmos, de nos corrigirmos, de nos tornarmos o que poderíamos ter sido, e nunca fomos” (FOUCAULT, 2004, p. 116).

Na continuidade dessa perspectiva de atender à pedagogia, Foucault 2006) traz-nos a noção de “desaprendizagem”, essencial nos cínicos e reencontrada nos estóicos. Ao longo de seu texto, pontua algumas possibilidades de exercício dessa “desaprendizagem”. A primeira seria a importância da “imperfeição da alma” como possibilidade da “qualidade da alma”. Isso quer dizer que o não perfeito, os descaminhos, as dúvidas, os caminhos tortos enriquecem a alma, promovem experiências que enriquecem a alma.

35 (341-270 a.C.). Filósofo grego (nascido em Samos), atomista, fundador do epicurismo. Em 306 a.C. fundou uma escola filosófica composta de homens e mulheres, dando origem a anedotas escandalosas. Paralítico, morreu em Atenas. (JAPIASSU; MARCONDES, 1996, p. 84)

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A segunda, o aperfeiçoamento em relação ao ensino recebido, aos hábitos

estabelecidos e ao meio, o aperfeiçoamento de tudo o que ocorreu na primeira infância, dentro da família; dos valores da família, dos ensinamentos, das verdades estabelecidas. Temos aqui uma crítica à família, à “ideologia familiar”, constituída pelos valores que se impõem na formação da primeira infância. Faz-se necessário reverter o sistema de valores veiculados e impostos pela família.

Por fim, no cuidado de si também pode ser proposto um exercício de

“desaprendizagem” em relação à formação pedagógica dos mestres, isto é, dos professores de retórica. O ensino de retórica é um ensino decorativo, da falsa aparência, da sedução, em que importa agradar ao outro, e não ocupar-se consigo.

Esta noção de “desaprendizagem” faz sentido como possibilidade de delimitação de um espaço no qual os indivíduos possam repensar os valores aprendidos na família,

distanciando-se deles e podendo fazer o exercício de reconhecer seus próprios valores. Um espaço que também não é a escola, onde se possa distanciar da retórica, ou seja, do discurso correto, politicamente correto, daquilo que “deve ser dito”, e aproximar-se da “parrhesía”, isto é, da possibilidade da fala franca, honesta, com a qual a pessoa se compromete, ao dizer. Foucault (2006a) revela que, no desenvolvimento da prática de si, pelo cuidado de si, desenvolve-se uma nova ética não tanto da linguagem ou do discurso, mas da relação verbal com o outro. Por fim, um espaço de troca da vivência das “imperfeições da alma”.

Quais seriam esses espaços possíveis, que não a família e a escola? Os e as

adolescentes teriam esse lugar? Seria a rua, muitas vezes apontadas por “adolescentes vivendo em situação de rua” com o lugar de liberdade? Onde se pode falar a verdade? Onde se pode dizer a fala franca? Onde se pode pensar reconhecer valores distintos da família? Os rápidos e curtos intervalos nas escolas seriam, uma possibilidade de pensar novos valores e de poder falar a fala mais honesta? Em espaços denominados como de educação não formal? Existem esses lugares? Esta seria uma nova oportunidade de educação com adolescentes?

Quais seriam outras possibilidades pedagógicas?

Outras indicações são importantes neste sentido: as redes de amizade ou de grupos têm importância nesse exercício do inquietar-se de si (cuidado de si) e da prática de si; nesses grupos não há uma hierarquia: todos têm possibilidade de participação, não há desqualificação por questões econômicas ou sociais, todos são capazes de ter a prática de si, constituída pelos valores que se impõem na formação da primeira infância. Faz-se necessário reverter o sistema de valores veiculados e impostos pela família. Por fim, no cuidado de si também pode ser proposto um exercício de desaprendizagem em relação à formação pedagógica dos mestres, isto

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é, dos professores da retórica. O ensino da retórica é um ensino decorativo, da falsa aparência, da sedução, em que importa, como já aqui referido, agradar ao outro e não ocupar-se consigo mesmo.

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