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Programas desenvolvidos, pelos instrutores, nos Parques Infantis: Compreendendo o significado de recreação construído pela experiência institucional paulistana

SIGNIFICADOS DE RECREAÇÃO E DE LAZER CONSTRUÍDOS PELA EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL PAULISTANA

2.3. Programas desenvolvidos, pelos instrutores, nos Parques Infantis: Compreendendo o significado de recreação construído pela experiência institucional paulistana

Com a criação oficial do Departamento de Cultura e Recreação, os Parques receberam considerável impulso com os recursos técnicos concedidos pelo novo órgão, o que possibilitou a realização de vários estudos “com valor científico”, principalmente sobre problemas típicos dos Parques Infantis (MIRANDA, 1938).89

Em 1936 os Parques Infantis D. Pedro II, Lapa e Ipiranga já estavam em pleno funcionamento na cidade de São Paulo; o de Santo Amaro e o Bom Retiro se encontravam em

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Com a organização do Departamento de Cultura, através do Ato 861, de 30 de maio de 1935, o Serviço Municipal de Jogos e Recreio para crianças passa a integrar a sua estrutura administrativa, sendo denominado

Serviço de Parques Infantis. Mantendo a estrutura proposta no Ato 767, este Serviço ficou subordinado à Divisão de Educação e Recreio, ainda sob orientação técnica e administrativa de Nicanor Miranda. Foram

fase de construção, sendo que o primeiro chegou a ser inaugurado no início de 1938, ainda na gestão Fábio Prado. De acordo com o projeto original, elaborado a partir da iniciativa de Paulo Duarte, mais de 40 Parques Infantis estavam projetados para ser implantados na cidade. Com este encaminhamento, as crianças paulistanas da classe operária poderiam contar com logradouros públicos nos quais, “pelos mais modernos princípios da recreação”, seria formada a sociedade do futuro, baseada no fortalecimento constante da consciência nacional e dos ideais da solidariedade humana (SÃO PAULO..., 1937).

Os Parques Infantis de São Paulo, em número de três, estão localizados em bairros operários, beneficiando, portanto, crianças cujos pais, premiados por uma constante e premiada ausência, devido a natureza do seu trabalho, não lhes podem dedicar os cuidados que merecem. A educação física, os jogos, a música, o canto, o bailado, a biblioteca e os festivais resumem as atividades mais comuns no programa da recreação. A assistência médica, a distribuição do copo de leite (140 litros diários) e de frutas têm trazido real proveito aos pequenos anemicos e desnutridos. Os serviços de assistência, educação e recreação veem produzindo, assim, os resultados previstos. A frequência aumenta de ano para ano, sendo que, em 1936, os três Parques acusaram entradas num total de 782.294. (SÃO PAULO..., 1937, p.1).

O teor do documento, acima, indica que os programas de recreação desenvolvidos nos Parques Infantis eram amplos e diversificados. Esta é uma das evidências que me permite assegurar que o entendimento de recreação que norteava o trabalho desenvolvido no contexto da experiência institucional paulistana era abrangente, englobando múltiplas possibilidades além da educação física e possibilitando, à criança, uma ampla liberdade de movimentos. Os jogos, esportes e exercícios ginásticos constituíam apenas uma parte dos programas de recreação ministrados nos Parques Infantis paulistanos.

Palestra realizada por Miranda (1938a) confirma que os significados de recreação e de educação física eram distintos. Segundo o autor, o programa de recreação incluía atividades diversas como festivais, acampamentos, excursões e viagens, e não apenas a educação física e os jogos.

com um médico e, para cada Parque instalado, com tantos instrutores-substitutos e vigilantes quanto fossem necessários.

Outra evidência que auxilia o entendimento do significado de recreação pode ser extraída do artigo de Ribeiro (1943) que tem, como título, Os Parques Infantis como centros de educação extra-escolar.90 Apoiando-se em autores que fundamentam o pensamento escolanovista e valendo-se de estudos e de experiências concretizadas principalmente nos Parques norte-americanos, a autora afirma que um Parque Infantil não deveria ser apenas uma “escola de educação física”; não deveria ser uma espécie de “circo de cavalinhos” com exibições permanentes, e também não deveria ser um simples “depósito de crianças presas”, com ou sem vigilância.

O Parque Infantil “ideal” deveria, de acordo com a sua visão, ser um lugar agradável, bonito e seguro onde as crianças tivessem bastante espaço para se entregar às suas atividades prediletas, onde pudessem se sentir livres e ser estimuladas por uma educadora. Dessa maneira, o programa do Parque deveria abrir espaço para todas as formas de expressão: habilidades manuais, desenho, modelagem, recorte, dramatização, canto, música instrumental, dança, colecionamento, exercícios ginásticos, jogos, folguedos.

Assim, numa instituição de educação extra-escolar como o Parque Infantil

[...] há sempre alguma coisa interessante a ser feita. Há jogos e ocupações para os dias de chuva ou excessivamente quentes: há jogos de armar, exercícios de paciência, jogos singulares, jogos para dois ou mais companheiros, jogos para muitos. Problemas a resolver, adivinhações, charadas, livros de história par ler ou ver figuras, e alguém, com muita inteligência, muita paciência e muita segurança, para ouvir suas perguntas, conversar com elas e contar-lhes histórias bonitas. (RIBEIRO, 1943, p.240). Esses indícios sugerem que, no percurso seguido pela recreação no contexto da experiência institucional desenvolvida em São Paulo, seu significado foi compreendido como sinônimo de “atividades lúdicas”, de “ocupações prazenteiras”, como os jogos e outros divertimentos. Mas a ênfase não deveria ser dada a qualquer tipo de atividade, apenas

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Esclareço que, neste texto, Ribeiro (1943) não utiliza a expressão “programas de recreação” – como Nicanor Miranda, Aparecida Duarte e outros autores – para designar as brincadeiras, jogos e outras atividades realizadas nos Parques Infantis. Porém, as considerações que tece sobre o brincar nesses espaços nos auxiliam a compreender a concepção de recreação em voga naquele contexto, pois muitas das idéias daquela autora são também salientadas em textos de outros estudiosos da recreação.

naquelas consideradas benéficas para o desenvolvimento físico, para o aprimoramento moral ou intelectual.

Sob este enfoque constatei, em uma série de artigos da época, recomendações de que os jogos e demais atividades recreativas fossem “dirigidos”, “orientados” e “cuidadosamente escolhidos” pelos instrutores e instrutoras (MIRANDA, 1938, 1938a, 1941; DUARTE, 1941; SÃO PAULO, 1949). Entendo que não era qualquer atividade que deveria ser ministrada nos Parques Infantis, eram as atividades lúdicas que servissem de instrumento educativo. De acordo com o meu ponto de vista a construção de significados de recreação foi direcionada, portanto, para as “atividades-meio”.

A fotografia 11 exemplifica a fase de desenvolvimento de um jogo infantil organizado, que na obra de Miranda (1947) é denominado “O esquilo sai da toca” e, segundo o autor, foi inspirado em fontes norte-americanas. A aula é direcionada e, descalças, as crianças seguem uma prescrição higiênica.

A brincadeira retratada nesta imagem está presente em diversas classificações elaboradas por Miranda (1947): “jogos motores para crianças de 4 a 6 anos”, “jogos para aula de ginástica” e “jogos co-educativos”, isto é, possíveis de ser ensinados tanto para meninos, como para meninas dos 3 aos 9 anos de idade. Até esta faixa etária, os jogos poderiam ser desenvolvidos em grupos mistos, dependendo, para isso, apenas o bom senso do instrutor ou instrutora. Porém, o autor adverte que a partir dos 10 anos as atividades educativas deveriam ser diferenciadas para meninos e meninas.

Miranda (1947) aconselha que para trabalhar com as crianças abaixo de 6 anos é recomendável uma instrutora, jamais um instrutor. O autor justifica seu pensamento dizendo que somente a mulher, devido às suas características maternais “inatas”, poderia educar os pequeninos: dosando a correção, os ensinamentos e os conselhos com a devida atitude carinhosa, que é peculiar às mulheres.

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Fotografia 11

Fase de evolução de um jogo infantil organizado, 1937

Para mim, o que fica claro é que esta visão reforça a mulher como um ser frágil e delicado, papel social a ela designado, culturalmente, em nosso meio.91 Além disso, na compreensão do autor está embutida a idéia de sexualidade, mas, como se esta se manifestasse apenas a partir de uma determinada idade.

Esta obra de Nicanor Miranda, publicada pela primeira vez em 1947, foi premiada pelo Ministério de Educação e muito elogiada pela crítica. Neste trabalho o autor esclarece que o livro foi fruto das pesquisas, investigações e trabalhos experimentais realizados durante dois anos nos Parques Infantis de São Paulo.92

Em uma Nota Preliminar, Miranda (1947) esclarece os três objetivos da obra 200 jogos infantis: a) elaborar um manual prático de jogos para as instrutoras e professoras dos Parques Infantis, tendo em vista a escassez de bibliografia em português; b) realizar um estudo experimental sobre o nível de interesse demonstrado pela criança, tanto no jogo livre, como no organizado, e c) orientar a organização e a direção dos jogos infantis, no sentido de contribuírem com a educação do senso social, selecionando e compondo jogos cuja execução dependia, em grande parte, do espírito de cooperação entre os jogadores.

O livro foi elaborado de maneira bastante criteriosa, de acordo com as concepções do autor e com os valores predominantes na época, e conta com três partes inter-relacionadas. A primeira discorre sobre atividade gímnica e atividade lúdica, fazendo um levantamento

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Para o autor aos meninos impressionava a força, a destreza e outras habilidades pessoais dos instrutores, e a disciplina se estabelecia mais facilmente. No caso das meninas, o que encantava eram outras características como delicadeza, graça e meiguice. “Vários outros fatores, como a confiança mútua, a liberdade de entrar em entendimento, de conversar sobre assuntos ou temas que jamais abordariam com um instrutor, tornam a menina amiga de sua instrutora.” (MIRANDA, 1947, p.65). Muitos jogos eram propostos de acordo com o sexo. Para os meninos, o autor indica 48 jogos que exigiam força, persistência, agilidade, destreza, virilidade e combatividade, tais como “Biga humana”; “Briga de galo”; “Carrinho de mão”; “Combate de travesseiros”; “Gangorra humana”; “Levar o porco à feira”; “Luta de tração” e “Rodeio”. Os 8 jogos indicados especificamente para as meninas tinham outras feições, procurando não comprometer a sua “feminilidade” em formação, educando acima de tudo o gesto, a atitude, o andar, com pouco contato corporal. Para elas, os jogos propostos eram os seguintes: “Avance um círculo”; “Barra bola”; “Barra manteiga”; “Beliscador”; “Corrida de lenços”, “Lenço atrás”; “Passagem da pedrinha” e “Samaritanas”.

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Mesmo que a vasta produção de Nicanor Miranda procurasse abranger os diversos elementos que integravam os programas de recreação, no Brasil, sua obra mais conhecida é o livro 200 jogos infantis (MIRANDA, 1947). Ao examinar o conjunto de fotografias publicadas nesta obra, percebe-se uma vez mais que os 200 jogos

histórico do desenvolvimento dos jogos na Inglaterra, Alemanha, França, Itália e Estados Unidos. A segunda parte, por sua vez, trata da técnica do jogo infantil organizado, o que demandou o conhecimento de uma série de princípios técnicos fundamentais, conforme ressalta o autor. Finalmente, a terceira e última parte apresenta um repertório de jogos, que poderiam ser categorizados pela idade, sexo, para festas, demonstrações e aulas de ginástica, entre outras possibilidades.

A terceira parte do livro representa a essência da obra, pois constitui a efetiva concretização dos princípios postulados nos dois primeiros Títulos. Além disso, engloba o acervo que permitiu, ao autor, elaborar um manual prático de jogos que pudesse orientar a organização e direção dos jogos infantis, meta do livro. A importância desta última parte do texto pode ser visualizada, ainda, no substancial número de páginas que a integra, cujo conteúdo procura enfatizar os elementos necessários para a prescrição de jogos recreativos.

Na “orelha” da 13a edição desta obra, de 1993, são apresentadas várias apreciações que valorizam o livro de Nicanor Miranda, publicadas em jornais nos anos de 1948 e de 1966. Uma delas, publicada no Diário Popular de 10/4/1948, indica como a parte prescritiva do livro é, efetivamente, aquilo que mais importava para o trabalho com os jogos recreativos. Esta matéria afirma que a parte final da obra é “de grande interesse para todos os que cuidam da matéria, especialmente os professores em geral, quer de educação física ou não”.

Todos os 200 jogos contidos no livro possuem fases distintas de preparação, evolução e final, indicando a maneira de desenvolvê-los: a preparação do local, o material necessário, o número de jogadores, a formação dos alunos, os estágios do jogo, o número de participantes. Ademais, indica como escolher um jogo, como ensiná-lo e como conduzi-lo; como observar as crianças, os cuidados que precisam ser tomados pelos instrutores e

propostos e desenvolvidos nos Parques Infantis representam a essência das aulas de educação física infantil no ensino formal, inclusive hoje.

instrutoras. Além da necessidade de conhecer um grande número de jogos, lamentavelmente a dimensão “prática”, técnico-metodológica e operacional vem marcando, historicamente, o desenvolvimento da recreação em nosso contexto.

Para tanto, basta tomar contato com a terceira parte do livro de Miranda (1947), não sendo necessário aprofundar conhecimentos sobre os fundamentos apresentados pelo autor no primeiro Título, nem mesmo no segundo, que trata dos princípios fundamentais que caracterizam, na visão do autor, a técnica do jogo infantil organizado. Em minha experiência pedagógica, observei que esta obra é amplamente consultada na biblioteca da instituição onde atuo e serve de subsídio para muitos trabalhos de intervenção profissional com caráter prescritivo. Sua parte mais procurada, senão a única, é a terceira, que trata especificamente da operacionalização de jogos. Isso evidencia, uma vez mais, que a dimensão prescritiva caracteriza os sentidos de recreação em nossa realidade até mesmo nos dias de hoje, tornando desnecessária a busca de fundamentos e de reflexões sistematizadas para este objeto.

Para Faria (1993) foi Mário de Andrade, na qualidade de diretor do Departamento de Cultura, quem idealizou uma política cultural que não pôde ser totalmente concretizada nos Parques Infantis porque algumas pessoas acabaram “didatizando o lúdico”. Esta crítica é atribuída, pela autora, a Nicanor Miranda, pela forma como o autor sistematiza suas idéias sobre o jogo infantil organizado. No início de sua tese a autora escreve uma “carta” endereçada a Mário de Andrade, de onde transcrevo as seguintes palavras:

Algumas idéias do Nicanor [Miranda] sobre os jogos orientados, às vezes me fazem ver uma situação semelhante. Felizmente, apesar dele jamais ter enfatizado o caráter livre dos jogos tradicionais infantis, conviveram no PI [Parque Infantil] todos esses tipos de jogos. Você, como o Paulo Duarte, também considerou o Nicanor um traidor? (FARIA, 1993, p.i).93

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Duarte (1971) considerou Nicanor Miranda um “traidor” porque este, apesar de ter sido um dos poucos que não foi expulso do Departamento de Cultura em decorrência da ditadura do Estado Novo, o que lhe possibilitou seguir uma trajetória do êxito na Prefeitura, não cumpriu o “pacto” estabelecido pelos seus dirigentes de “salvar” este órgão cultural, dando continuidade às idéias concretizadas em 1935. Além disso, segundo Paulo Duarte, Nicanor “perseguiu” a sua irmã Maria Aparecida Duarte a ponto de infernizar a vida desta, na Prefeitura, com “[...] implicancinhas, mácriações e hostilidades de toda natureza” (DUARTE, 1971, p.85). Adiante, no tópico 2.4, retomarei esta questão.

No que se refere ao jogo infantil organizado, compartilho, em parte, com a visão da autora acima. Para mim o trabalho desenvolvido pelos instrutores/instrutoras nos Parques Infantis, sob orientação de Nicanor Miranda, apesar de seu incontestável valor e importância, pode realmente ter seguido referências distintas da política cultural idealizada pelos organizadores do Departamento de Cultura e Recreação. Afinal, o já citado Ato 861 destaca que aos instrutores/instrutoras caberia não apenas orientar as atividades recreativas das crianças e velar sobre elas sem, contudo, ameaçar a liberdade e a espontaneidade do brinquedo, mas também ensiná-las a prática dos jogos infantis e participar com as crianças das atividades lúdicas e recreativas. No meu entender, o caráter prescritivo dos jogos não significa, contudo, que seja operado um forte enquadramento, que supõe uma rígida disciplina.

De acordo com as reflexões de Faria (1993), assim como o folclore, os jogos e as brincadeiras eram as principais atividades do Parque Infantil, fazendo com que as crianças participassem do projeto de construção da cultura nacional. Para a autora, Mário de Andrade

[...] acreditava que a criança não só aprende e consome cultura do seu tempo, como também produz cultura, seja a cultura infantil de sua classe, seja reconstruindo a cultura à qual tem acesso. Provavelmente inspirado pelas suas leituras marxistas [...], Mário acreditava que todo ser humano produz cultura, faz história. Portanto, o povo e a elite, as crianças e os adultos, os negros, os índios e os portugueses, italianos etc, produzem e consomem cultura, influenciando-se e construindo, na diversidade, a identidade nacional. (FARIA, 1993, p.21)

Na fotografia 12 vemos Mário Andrade junto a algumas crianças, na ocasião de uma festa realizada em 1937 em um dos Parques Infantis. Consagrando a importância das manifestações culturais folclóricas, o destaque da festa foi a apresentação de danças dramáticas brasileiras que incluiu, num elogiado trabalho, até mesmo a construção de uma “Nau Catarineta”.

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Fotografia 12

Mário de Andrade entre crianças no Parque Infantil, 1937

Mário de Andrade parece conversar com as meninas que se encontram ao redor de uma mesa. Num gesto de aproximação, o ato de se inclinar para frente sugere interesse, respeito e afeição pelas crianças, sentimentos que também podemos identificar na expressão serena estampada em sua face.

Conforme previsto no Ato 861, os instrutores deveriam propagar brinquedos e jogos nacionais que, pela experiência universal, pudessem ser incorporados ao patrimônio daqueles inspirados nas tradições locais e nacionais, atraindo as crianças para os jogos mais apropriados para cada idade. Esta foi uma das preocupações do Departamento de Cultura e Recreação, na época em que este órgão foi criado.

Entretanto, se analisarmos os conhecimentos exigidos na prova escrita e na prova prática do concurso realizado pelo Departamento de Cultura em 1936, veremos que os instrutores não deveriam ser preparados para dominar apenas a dimensão cultural das atividades desenvolvidas nos Parques Infantis. Na avaliação escrita, o saber exigido dos profissionais estava relacionado com “a teoria e a prática da educação física elementar”. A prova prática, por sua vez, dava ênfase aos exercícios de postura e correção do andar; exercícios para crianças com problemas cárdio-respiratórios; exercícios com bastão (fotografia 13) e com o espaldar. Nesta aula deveria ser incluída, ainda, a dramatização de um tema nacional e a realização de dois jogos. Este programa evidencia uma disparidade entre algumas idéias contidas no Ato 861, e os saberes realmente requeridos para que os instrutores/instrutoras aprovados no concurso atuassem nos Parques Infantis. O peso maior foi, sem dúvida, atribuído aos conhecimentos relacionados à educação física, mostrando-nos que estes profissionais desenvolviam uma parte do programa de recreação muito específica.

Para os cargos de instrutores/instrutoras poderiam ser nomeados candidatos aprovados em concurso público desde que fossem

[...] professores diplomados em Escola Normal do Estado, que tenham feito cursos de educadores sanitários no Instituto de Higiene de São Paulo, ou de

educação física infantil no Departamento de Educação Física do Estado, ou cursos de especialização de educação pré-primária no Instituto de Educação da Universidade de São Paulo. (SÃO PAULO..., [s.d.], p.10)

O pensamento higienista exerceu vasta influência sobre as ações educativas em meados da década de 1930, sendo um dos aspectos mais observados nos Parques Infantis. Conforme salienta Lourenço Filho (1963, p.56): “O objetivo da higiene é prevenir e, o da medicina, curar; num caso, evitar tudo quanto possa impedir o livre desenvolvimento de capacidades vitais; no outro, compensar, corrigir ou remediar.”

Era neste âmbito que a chamada ginástica corretiva deveria ser realizada nos Parques Infantis. Conforme o Ato 861, os instrutores deveriam aproveitar todas as oportunidades para ministrar a educação física sistematizada por meio dos exercícios, zelando assim pela saúde das crianças. Neste sentido, deveriam considerar as funções profiláticas e terapêuticas da educação, investigando sobre as condições sanitárias do meio social de que as crianças provinham e encaminhando-as aos postos de saúde, quando necessário, para que pudessem ser tratadas.

A fotografia 13 registra crianças fazendo “ginástica com bastão”, e na imagem observa-se que o ideário higienista se mantém: meninos e meninas se exercitam ao ar livre, estão descalços e sem camisa, aproveitando os “efeitos benéficos das primeiras horas do dia” (SÃO PAULO..., 1937). A postura ereta, com a barriga encolhida e o tórax estufado transmite a idéia de “robustez” do corpo. Este assunto, segundo Sandroni (1988), mobilizou o Departamento de Cultura e Recreação a realizar um concurso de “Robustez infantil”, evento realmente realizado em 1937.

Provavelmente, as lideranças políticas que criaram o novo órgão cultural se sentiam orgulhosas pelo fato de possibilitarem, por meio do trabalho desenvolvido nos Parques Infantis, crianças desnutridas e debilitadas em crianças fortes, saudáveis e vigorosas. Esta idéia foi colocada em relevo por vários autores da época, dentre os quais Miranda (1938).