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Da rua para o Parque: Fundamentos que nortearam a estruturação do Serviço Municipal de Jogos e Recreio

SIGNIFICADOS DE RECREAÇÃO E DE LAZER CONSTRUÍDOS PELA EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL PAULISTANA

2.2. Da rua para o Parque: Fundamentos que nortearam a estruturação do Serviço Municipal de Jogos e Recreio

A criação do Serviço Municipal de Jogos e Recreios precedeu a fundação legal do Departamento de Cultura e Recreação, conforme previsto pelos idealizadores deste órgão cultural.77 Este aspecto foi explicitamente formalizado no primeiro artigo do Ato n. 767 (9/1/1935), em que se lê: “Fica criado diretamente subordinado ao Prefeito, enquanto não se

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O primeiro “Parque infantil” de São Paulo, o Parque Pedro II, foi anterior à gestão Fábio Prado, sendo construído pelo Prefeito Anhaia Melo. Segundo Duarte (1971), este parque já funcionava na capital antes da criação do Departamento de Cultura, mas não contava com organização de qualquer espécie. Tratava-se, assim, apenas de um “refúgio”, do meio urbano, para as crianças.

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A denominação deste Serviço foi alterada, em 15/2/1935 (Ato n. 795), para “Serviço Municipal de Parques Infantis”. Em 30 de maio de 1935 foi, finalmente, transformado em uma das Seções da Divisão de Educação e Recreio do Departamento de Cultura e Recreação: a “Seção de Parques Infantis”, sob responsabilidade de Maria Aparecida Duarte.

organizar o Departamento Municipal de Cultura, o Serviço Municipal de Jogos e de Recreio para crianças.” (SÃO PAULO... [s.d.] , p.6).

Para fundamentar a criação deste Serviço, os responsáveis pelo novo empreendimento se basearam em algumas razões específicas, expostas em sete “considerandos” que precedem os 15 artigos do documento. A primeira justificativa abalizava-se no argumento de que as forças morais e espirituais de uma Nação dependiam, em parte, da maneira pela qual os cidadãos aproveitavam as suas horas de descanso. Neste âmbito, seria “[...] necessário despertar nas novas gerações o gosto e criar o hábito de empregar seus lazeres em atividades saudáveis de grande alcance moral e higiênico.” (SÃO PAULO..., [s.d.] , p.5).

Com esta primeira justificativa observa-se que a necessidade de empregar adequadamente os “lazeres” já constituía preocupação da municipalidade de São Paulo em 1935. Embora Miranda (1947) não conceitue formalmente os termos “lazer” e “lazeres”, fica subentendido em seu trabalho o entendimento destes como uma fração de tempo, representada pelas horas de descanso proporcionadas aos operários. As horas de lazer concedidas ao operariado ao findar da jornada de trabalho, ou nos fins de semana, deveriam ser empregadas com atividades consideradas saudáveis dos pontos de vista biológico, moral, social e político, como retrata o teor do Ato 767.

Ademais, o primeiro “considerando” do Ato 767 incide justamente sobre esta questão, o que me permite afirmar que mesmo que os argumentos salientados neste documento não fossem ordenados por prioridade, a preocupação com a saudável utilização do lazer representava uma referência básica para as outras justificativas.

O segundo “considerando” destaca a importante função que as atividades lúdicas exerciam no processo educativo e social das crianças. Os jogos foram concebidos como construtores essenciais da vida em sociedade, fonte dos primeiros ideais e impulsos sociais,

tais como a solidariedade, a capacidade de comunicação e a cooperação. A ênfase nas atividades lúdicas indica alguns princípios importantes para o público que iria usufruir desta proposta de recreação organizada pela prefeitura, ou seja, as crianças, o “futuro da Nação”. Fica assinalado, portanto, que a infância era um ciclo de vida essencial para o “adequado” emprego futuro das horas de lazer.

Observa-se uma preocupação com as nefastas conseqüências advindas das condições de vida da população operária em uma cidade como São Paulo, em acelerado processo de desenvolvimento urbano-industrial. Em face desta realidade, a municipalidade assumiu a responsabilidade de disponibilizar espaços apropriados para que as crianças praticassem atividades lúdico-educativas. Porém, não se tratava simplesmente de reservar espaços públicos para as brincadeiras das crianças, tratava-se de reforçar determinados princípios:

Considerando que as praças de jogos para crianças, organizadas como meio de preservação social e educação sanitária têm contribuído eficazmente [...] para a educação higiênica e social das crianças, proporcionando-lhes oportunidades e meios de recreação ao ar livre, estreitando o convívio de crianças de todas as classes sociais;

considerando que os parques de recreio e de jogos inspirados nesse ideal de promover o bem-estar da infância [...] constituem, sobretudo em bairros pobres, um meio poderoso de derivar as crianças de focos de maus hábitos, vicios e criminalidade, para ambientes saudaveis e atraentes, reservados aos seus divertimentos e exercícios, sob o controle dos poderes públicos;

considerando que nas cidades industriais como São Paulo, em pleno crescimento, a densidade da população, a valorização crescente dos terrenos, o movimento cada vez mais intenso nas vias públicas e as construções de casas de apartamentos e de habitações coletivas concorrem para limitar cada vez mais, sinão para subtrair ás crianças espaços ao ar livre, pateos, terreiros e jardins de que necessitam para os seus jogos, exercícios e divertimentos. (SÃO PAULO..., [s.d.], p.5-6).

Pelo exposto, entendo que a municipalidade considerava fundamental promover o “bem-estar” das crianças pobres: evitando os maus hábitos, os vícios e a criminalidade e proporcionado-lhes, em contrapartida, meios de educação, de saúde e de recreio. Para tanto, o poder público municipal deveria reservar espaços livres na cidade de São Paulo, em processo

de urbanização, e conduzir as crianças para ambientes considerados saudáveis e atraentes, nos quais pudessem se exercitar, se divertir e, nas palavras de Mário de Andrade, produzir cultura.

Por um lado, tal encaminhamento poderia evitar somente as práticas tidas como nocivas à sociedade, como o ócio e a vadiagem; por outro lado, seria uma forma de minimizar problemas sociais como a fome, o trabalho infantil e a proliferação de doenças. Verifico, neste momento, a mobilização do poder público em torno de uma questão fundamental para o lazer: a tentativa de substituir “práticas perniciosas” por outras, “saudáveis e recomendáveis”.

Ressalto que a implantação deste Serviço Público atendia o disposto na Constituição Federal de 1934, em seus artigos 149 e 156 – conteúdo do último “considerando” que integra o Ato 767. Estes artigos constitucionais determinavam que as municipalidades deveriam proteger o “[...] desenvolvimento da cultura em geral e a manutenção e ao desenvolvimento dos sistemas educativos.” (SÃO PAULO..., [s.d.], p.6). Em suma, foram esses os argumentos que justificavam a criação do Serviço Municipal de Jogos e Recreios.

De acordo com a minha compreensão os “sistemas educativos” enfatizados no Ato 767, posteriormente denominados oficialmente de “Parques Infantis”, faziam parte da política pública desenvolvida na capital paulista a partir de 1935, integrando ainda o projeto de urbanização da cidade.

Conforme determinado pelos primeiros artigos do Ato 767, o Serviço Municipal de Jogos e Recreios foi criado com o fim de localizar, organizar e instalar os parques de jogos infantis e orientar todos os serviços relativos à construção de praças desse gênero e ao desenvolvimento de jogos e diversões. Esses parques deveriam prestar serviços livres e gratuitos, sendo construídos e instalados, preferencialmente, na proximidade de escolas, “casas de apartamentos” e bairros operários.

Nos bairros operários, os mais pobres, a infância se desenvolvia freqüentemente em más condições higiênicas e morais, aspecto preocupante aos olhos dos dirigentes municipais paulistas. Como destacou Nicanor Miranda, era imprescindível melhorar as condições de vida da criança proletária para que esta pudesse ter a chance de um futuro mais digno e promissor. Neste caso, o recém criado Serviço Municipal de Jogos e Recreio e do Departamento de Cultura e Recreação visava, efetivamente, os segmentos proletários, criando para este grupo social um espaço e, conseqüentemente, um lugar definido na hierarquia social. Os idealizadores deste Serviço trabalharam efetivamente em prol das crianças pobres, desenvolvendo, no entanto, ações de caráter assistencialista.

Habitando mal, alimentando-se parcamente – e muitas vezes nem mesmo se alimentando – em contacto com a doença, o vício, a miséria, e muitas vêzes com a ausência absoluta das mais elementares normas morais, sem instrução, sem meios para viver a sua vida de jôgo, sem sol, sem carinho, sem ter quem a guie, a oriente e a conduza, que desventuroso porvir não a aguarda? (MIRANDA, 1942, p.321).

É necessário acrescentar que Nicanor Teixeira de Miranda nasceu na cidade de São Manuel no dia 20 de agosto de 1907. Em 1930 tornou-se oficial de gabinete do Prefeito de São Paulo, o que possibilitou uma primeira aproximação com o exercício da função pública, trajetória que acabou percorrendo ao longo de sua vida profissional (MELO, 1954). Além de ter-se graduado em Direito, cursou uma Licenciatura em Filosofia e Sociologia, tendo sido aluno da primeira turma formada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1937.

Conforme o Ato 767, o Serviço Municipal criado em janeiro de 1935 deveria ser dirigido por um higienista ou educador. Esta proposta foi conduzida por Nicanor Miranda, que contava com o auxílio de uma Comissão Municipal, órgão deliberativo e consultivo.78

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Associando saúde, educação, educação física e recreação na infância, a Comissão Municipal de Recreio deveria ser constituída por seis membros nomeados pelo Prefeito, com mandato de quatro anos. Os seus integrantes eram definidos da seguinte maneira: um representante do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo; um representante da Diretoria de Ensino; um representante do Departamento de Educação Física; um representante do Instituto de Higiene; o professor de Biologia Educacional do Instituto de Educação da USP e

Nicanor Miranda era considerado, pelos seus pares, um intelectual dedicado, expressivo estudioso de jogos e recreação no País com grande volume de publicações, especialmente na primeira metade do século XX. De acordo com as observações deste autor:

Se tudo que existe e se projeta visa principalmente as gerações adultas, porque não organizar um serviço público que cuide da criança de hoje, cidadão de amanhã, colaborador eficiente da grandeza de São Paulo? (MIRANDA, 1938, p.8).

A Nicanor Miranda, na condição de chefe do serviço institucional implantado em São Paulo, competiam várias atribuições: a) promover estudos que visassem a solução dos problemas de recreio e de jogos dos parques, jardins e outros logradouros públicos com esta finalidade; b) superintender todos os serviços concernentes à instalação e organização dos parques de jogos infantis; c) orientar e fiscalizar as atividades recreativas adotadas nesses locais, tornando-os úteis e atraentes, dentro das mais rigorosas condições sanitárias; d) promover ou solicitar, de institutos competentes, a realização de inquéritos e pesquisas higiênicas, psicológicas e sociais nas populações infantis freqüentadoras dessas instituições extra-escolares (SÃO PAULO..., [s.d.]).

Suas responsabilidades incluíam, ainda, a organização de festas infantis em datas específicas, servindo à educação moral, higiênica e estética das crianças, despertando nas famílias o interesse por essas “escolas populares de saúde e de alegria” (SÃO PAULO..., [s.d.], p.8). Além disso, competia ao chefe do Serviço organizar e publicar, semestralmente, uma revista de caráter técnico, objetivando estudar e debater os problemas relativos aos parques de jogos infantis.

Esta última atribuição foi exercida com zelo por Nicanor Miranda. Este autor foi um dos colaboradores da Revista do Arquivo Municipal (RAM), publicação oficial do Departamento de Cultura composta por estudos e ensaios que tratavam, principalmente, de

um representante de associações de assistência e proteção à infância. As decisões da Comissão eram tomadas por maioria de votos e submetidas à aprovação do seu presidente, que deveria ser o chefe do Serviço (DEPARTAMENTO DE CULTURA, [s.d.]).

problemas brasileiros. A RAM dava ampla divulgação, em todo o país, da proposta cultural implantada em São Paulo.79 Uma análise de vários artigos de autoria de Nicanor Miranda, que publicou seus trabalhos principalmente na RAM e em outros opúsculos editados pelo Departamento de Cultura e Recreação, indica a profundidade com que seus estudos eram desenvolvidos – com bibliografia vasta, atualizada e inovadora para o seu tempo.80

Esta orientação confirma o argumento foucaultiano baseado no pressuposto de que, à medida que se instaura uma relação de poder, cria-se um campo de saber, pois, é imprescindível produzir conhecimento sobre aquilo que necessita ser controlado, no caso, o tempo ocioso das crianças pobres. Como afirmou Foucault (1995), não há saber neutro. Todo conhecimento passa a existir a partir de condições políticas, e sua gênese reside em relações de poder. Por isso, para Foucault (1972) o poder não apenas reprime e controla, o poder também cria.81

As mesmas relações de poder que colaboraram com a redefinição da função social da rua, também contribuíram com o imperativo de construir e instalar Parques Infantis. Antes do crescimento dos meios de transporte e da intensificação urbana, a rua significava um espaço de convívio social e cultural. Ponderando sobre a vida das cidades, Miranda (1938, p.9-10) enfatiza que

[...] os terrenos vão escasseando, o perímetro urbano vai se limitando, os edifícios novos, os arranha-ceus e os predios de apartamentos vão brotando na terra nova. A população condensa-se, o transito começa a congestionar- se. E tudo isso vai condenando as crianças e os municípios a ficar sem áreas livres, sem ar puro, sem espaços verdes, elementos imprescindíveis para o seu sistema recreativo, parte integrante de uma organização municipal á

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A partir do seu XVII volume, a RAM também passou a ser órgão oficial da Sociedade de Sociologia e do

Clube de Etnografia (posteriormente, Sociedade de Etnografia e Folclore).

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Nicanor Miranda foi Diretor da Recreação do Serviço Social da Indústria (SESI) de São Paulo por várias décadas. Sua trajetória nesta instituição foi iniciada em 1949 (MIRANDA, 1984). Não existem estudos a respeito, mas provavelmente o ano de 1949 é o marco inicial da preocupação do SESI de São Paulo com o desenvolvimento de programas de recreação para os trabalhadores da indústria e seus dependentes, sobretudo por meio da atuação de Nicanor Miranda nesta entidade.

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Para Bernstein (1996), a importante discussão foucaultiana do poder e do saber foi uma tentativa de mostrar as novas formas de posicionamento discursivo do sujeito. Foucault não empreendeu, no entanto, uma análise sistemática do denominador comum de todos os discursos: a educação e as modalidades de sua transmissão. Conforme Bernstein (1996, p. 189) “trata-se, de certa forma, de um discurso sem relações sociais.”

altura da civilização contemporânea. [...] E eis que em dado momento da vida das cidades os urbanistas têm os olhos voltados para este fato: as crianças não tendo jardins, quintais, parques onde brincar e jogar, vão brincar no único espaço que lhes resta – a rua!”

Para Miranda (1938) a rua era, por excelência, um meio nocivo às crianças, criador de tendências anti-sociais e gerador de criminalidade infantil. O autor considerava que a rua era repleta de pessoas portadoras de maus hábitos, que perturbam os moradores, tirando a sua tranqüilidade. Na rua, a criança ficava vulnerável a toda sorte de perigos físicos e morais, e era imperativo encontrar soluções para resolver este problema.

Kischimoto (1995), analisando o cotidiano de São Paulo nas primeiras décadas do século XX, afirma que as crianças de níveis econômicos privilegiados, especialmente as meninas “de família”, não tinham permissão para brincar na rua, ficando suas brincadeiras restritas ao ambiente doméstico.

Apesar de ser considerado um espaço perigoso e degenerador da criança, a rua era, de certa forma, considerada o prolongamento da casa do operário. Enquanto os pais se ausentavam para a longa jornada de trabalho operário, era grande o contingente de crianças que ia para as ruas. Este fato mostra as relações de poder constituídas, pois, o espaço ocupado pelas crianças (a casa ou a rua) as posiciona socialmente, exercendo influências sobre o seu futuro. Esta preocupação mobilizou as autoridades para retirar as crianças da rua, um espaço visto como nocivo, e conduzi-las para o Parque Infantil, um “inovador sistema de educação extra-escolar”.

Sandroni (1988) explica que contra a rua se erguiam os muros dos Parques Infantis, delimitando assim os ambientes “saudáveis e recomendáveis”. De acordo com a interpretação do autor, parecia que o controle dos poderes públicos ali exercido era a principal garantia da eficácia dos muros dos Parques Infantis.

Essas crianças errantes, pelas ruas, praças, ao vício, à perversão, ao jogo, às observações precoces mal-sãs, são aspiradas pelos “play-grounds”, onde as atividades divertidas dos brincos, das piscinas, das marchas, com passagem pelo gabinete do dentista, o consultório do médico, a sala de merenda com o

copo de leite, dão saúde, ordem, socialização [...]. Ninguém escaparia à educação. Uma maravilha de Parques Infantis de São Paulo! (O Estado de São Paulo, 6/12/1936).82

Como evidenciado na matéria acima, a estrutura dos Parques Infantis era muito elogiada, tendo em vista a tríplice finalidade desses logradouros públicos: recrear, educar e assistir. Como conseqüência direta dos problemas sociais, políticos e econômicos que assolavam e ainda assolam a maioria da população brasileira, em poucos meses verificou-se que a necessidade mais imediata da criança era “ser assistida”. As lideranças políticas de São Paulo, na época, consideravam que as crianças pobres mereciam ter condições dignas de existência para que pudessem se beneficiar da proposta idealizada.

Na impossibilidade de promover a justiça social, principalmente no contexto dos anos de 1930, que marca uma das fases de implantação do capitalismo no Brasil, os idealizadores do Departamento de Cultura e Recreação acreditavam na importância de desenvolver uma política pública direcionada para a inclusão social e cultural dos segmentos populares. Como visto, esta política foi ao encontro do projeto urbanístico desenvolvido na capital do Estado de São Paulo.

Conforme o meu entendimento essa política, situando-se na dimensão da cultura urbana, em certa medida foi inovadora naquele período histórico, buscando alternativas que pudessem minimizar os graves problemas sociais que afligiam as famílias operárias. Como, em geral, a essência do problema (a lógica excludente do capital) não era enfrentada pela municipalidade, o caminho encontrado pelas lideranças políticas foi melhorar a vida da criança proletária: educando-a, recreando-a e prestando-lhe, nos Parques Infantis, a assistência social, condição sine qua non para a manutenção da “ordem” e para a promoção do almejado “progresso” da nação.

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As matérias do jornal O Estado de São Paulo que integram este capítulo foram identificadas a partir da referência feita por Nicanor Miranda em diversas obras de sua autoria, dentre as quais merece destaque o livro publicado em 1984 (Organização das atividades da recreação). Nesta obra, o autor relacionou o título das

A assistência ampla adquire um caráter profundamente social, lega-se à educação e saúde, ao valor da recreação e dos jogos, à família da criança, e penetra em inúmeros problemas de tôda a ordem, cujo conhecimento é extremamente valioso para a sua solução. E quando não, para o estudo de quais os meios e processos que levariam mais depressa e melhor à observaçào das condições humanas, em se visando a felicidade, o bem estar e a ordem social. (MIRANDA, 1942, p.321)

A assistência se desdobrava nos segmentos médico, dentário e alimentar, pois a maioria das crianças que freqüentava os Parques era desnutrida. Sem a prestação do devido cuidado, as lideranças paulistas sabiam que a criança debilitada poderia acabar sendo prejudicada com os jogos e exercícios físicos desenvolvidos nos Parques Infantis (MIRANDA, 1938). Desta forma, os Parques Infantis foram definidos como “[...] logradouros públicos onde, pela recreação e pelo jôgo organizado, se procura educar a criança, ministrando-lhe simultaneamente tôda a assistência necessária” (MIRANDA, 1941, p.20). Mesmo gerando custos substanciais para a Prefeitura, as lideranças políticas que conceberam esta experiência institucional se encarregaram de prover os meios que pudessem financiar todo o projeto.

Duarte (1971) relata que, pelos benefícios proporcionados no Parque, as crianças o viam como um refúgio para a precariedade de casa. Isso gerou um problema que teve de ser prontamente resolvido: a fuga do lar para o Parque Infantil.

O fragmento abaixo retrata as precárias condições a que as camadas populares eram, e ainda são, submetidas em nosso contexto. Revela, ainda, as saídas encontradas pela municipalidade paulistana para enfrentar o problema na década de 1930.

De fato a criança que passava fome, frio, tôda espécie de necessidades em casa, começou a preferir o parque à casa, a educadora ou a instrutora, que com ela brincava, às mães. E foi a missão de entrosar os pais na vida do parque com visitas às casas, aconselhando-se os adultos, promovendo-se um pouco de bem estar entre lares onde, muitas vêzes, tôda miséria era mais produto da ignorância do que da penúria. Muito pai desempregado tornou-se operário municipal pela influência do filho freqüentador de um dos parques. (Duarte, 1971, p.86).

matérias, a fonte de origem e a data da publicação. Com essas informações, foi possível encontrar os textos no material pertencente ao Arquivo do Estado de São Paulo e ter acesso à íntegra deste material jornalístico.

Esta estratégia política, embora alivie mazelas sociais, revela-se incapaz de exterminar a miséria humana, indicando-nos o desenvolvimento de ações de caráter assistencialista por parte do Departamento de Cultura. Para Faria (1993), entretanto, a