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Mais do que nunca, é hora de aprendermos a cami- nhar com as duas pernas e combinar justiça social e prudência ambiental.

Ignacy Sachs, Dossiê sustentabilidade.

C

entenas de milhares de anos se passaram até que hou- vesse a transição do nomadismo para o descobrimento da agricultura, a domesticação dos animais e o estabeleci- mento das primeiras cidades. Entretanto, com o surgimento das grandes navegações entre os séculos XV e XVII, a so- ciedade foi marcada por duas características: a expansão territorial e a colonização. Um mundo novo com uma natu- reza selvagem se apresentava novamente para o homem, e ele assumiu o papel de seu civilizador, domador e explorador. Desse domínio explorativo, uma nova sociedade nasceu, e com ela uma inovadora forma de produção e consumo se

estabeleceria, de maneira sistemática e instrumentalizada até os dias atuais.

A retirada de recursos fósseis servindo de combustível para as máquinas a vapor se iniciou na primeira revolução industrial, que nascia clareada sob a luz do determinismo newtoniano nos primórdios da ciência moderna. A produção industrial foi crescendo, a ciência avançando e cerca de 200 anos depois surgiu o advento da eletricidade. O poder da energia elétrica moveu a segunda revolução industrial, ilu- minando e transformando as paisagens da Terra, clareando novos caminhos para a ciência e resultando na presente revo- lução da cibernética, reduzindo distâncias entre as relações sociais e encurtando os tempos da comunicação.

Essas conquistas contribuíram para originar um mundo interligado, um tempo de globalização, abrindo as portas da era do conhecimento para o homem. Boa parte desse conhe- cimento1 foi e é direcionada para desenvolver uma tecnologia que em parte é usada para exploração excessiva dos recur- sos naturais, guerras e degradação dos ecossistemas, numa visão de mundo onde os bens da natureza podem se destruí- dos e mercantilizados. De certa forma, o ser humano atingiu um alto grau em ciência e tecnologia, mas engendrou-se por demais na sua objetividade em mudar a natureza, usando-a como base de troca, passando a quantificar a vida e coisificar

1 O avanço da ciência representa um dos maiores bens conquistados

pela humanidade, trazendo benefícios inúmeros: aumento da quali- dade de vida; cura de inúmeras doenças; aumento do conhecimento do espaço sideral, entre outros. Entretanto, este livro se propõe a co- mentar alguns resultados negativos da aplicação do avanço científico.

o mundo, e esquecendo-se da subjetividade de viver (LEFF, 2000; CAPRA, 1982; GADOTTI, 2008).

Assim, no momento atual se vive um paradoxo ao usar um modelo de sociedade buscando crescimento econômico com transformação científico-tecnológica, ao mesmo tempo em que se presencia uma forte desigualdade social, com profundos problemas ambientais, sociais, éticos e ecológicos. Essa dicotomia caracteriza um traço marcante do paradigma racional moderno, que crê na conquista progressiva da racio- nalidade sob o impulso do cientificismo (AGUILAR; JUNIOR, 2014). É notório que a ciência e a tecnologia têm evoluído, trazendo consigo crescimento econômico em diversas áreas. Entretanto, esse avanço não tem garantido um verdadeiro desenvolvimento, porque o crescimento econômico por si só não é capaz de fornecer à humanidade a capacidade de visualizar um futuro com condições de existência.

Com essa dualidade, a ciência e a tecnologia se inserem dentro contexto ambiental da sociedade apresentando dois traços relevantes, um depredador e transformador do meio ambiente em grande velocidade, dando condições ao homem de poder aniquilar a si próprio, e outro lado apresentando a característica de aumentar a força produtiva sob vários aspectos, com o objetivo de atender a demanda da sociedade e fornecer lucros ao capital.

O aumento dessa força produtiva é ditado pelo mercado financeiro com base na lógica da produção e demanda, vali- dando suas razões na necessidade de expansão da oferta de emprego para o aquecimento da economia, isto é, aumentar

o crescimento econômico. Na atualidade, para atingir essa meta o mercado tem manifestado um comportamento agres- sivo realizando atividades com impactos sociais e ambientais, prejuízos indesejáveis para a sociedade.

Além disso, a saciedade da demanda de emprego da hu- manidade não é atendida com satisfatoriedade. É um modelo de sociedade que faz rápidas transformações no mundo, mas não consegue fazer planejamentos futuros de longo prazo, pois possui uma miopia acentuada para as questões ambien- tais e só consegue enxergar o lucro imediato, sendo incapaz de conseguir ver as reais necessidades do agora (SACHS, 2012). Um desenvolvimento benéfico pede planejamentos de longo prazo — em décadas ou séculos — com sustentabili- dade.

A civilização centrada no cientificismo, na tecnologia e na produção industrial forte, quando somada a uma educação sem qualidade, incentiva a alienação a um consumo de uma parafernália de produtos oferecidos, e não promove uma reflexão a respeito do poder da ciência e da capacidade de esgotamento dos recursos naturais.

Na certeza da eficiência do paradigma racional científico — talvez por falta de uma religação de outros conhecimentos que não são somente científicos, mas transmitidos por ge- rações e que foram aprendidos numa relação com a própria natureza —, não há espaço para o saber ambiental. Dessa forma, as relações causais são invertidas: produz-se a socie- dade para a burocracia, o povo para a tecnocracia, o sujeito para o objeto (JAPIASSU, 2006). A busca para fazer essa

reflexão e tornar a ciência mais útil ao ser humano — como exemplo, produzir produtos necessários a vida mais eficien- tes energeticamente — é dificultada pela má qualidade da política social, ambiental e educacional.

A falta de recursos na educação é a causa principal dessa inércia reflexiva, percebida no desinteresse da sociedade em incentivar a pesquisa interdisciplinar para o desenvolvimento sustentável e a produção de instrumentos educacionais com vistas a deter a degradação ambiental. Sem dúvida, a so- ciedade avançou em fazer máquinas com grande poder de transformação, mas ao mesmo tempo se alijou do processo de auto avaliação dos próprios atos, gerando uma exclusão da participação crítica no desenvolvimento como afirma Leff (2000, p.23)

Nunca antes na História houve tantos se- res humanos que desconhecessem tanto e estivessem tão excluídos dos proces- sos e das decisões que determinam suas condições de existência; nunca antes e- xistiu tanta pobreza, tanta gente alienada de suas vidas, tantos saberes subjuga- dos, tantos seres que perderam o con- trole, a condução e o sentido de sua exis- tência; tantos homens e mulheres desem- pregados, desenraizados de seus territó- rios, desapropriados de suas culturas e de suas identidades.

É uma espécie de dormência coletiva onde alienados e alienadores não percebem o perigo que os cercam, quando se abstém de aplicar, entre outras medidas, a ética ambiental no uso da ciência, na tecnologia e nos processos de interven- ção na natureza. Desse sono se produz o conflito ambiental

permeado por interesses do capital, visando o usufruto ime- diato de seus investimentos e a manutenção dessa lógica financeira, alimentada por práticas produtivas depredatórias. Isso é visto claramente nesse sistema produtivo, exigindo a cada safra colheitas maiores, realizando retiradas colossais de recursos naturais de forma crescente, sem dar a oportu- nidade do planeta se recompor, o que naturalmente só pode trazer impactos climáticos e ambientais.

O resultado desses procedimentos se vê estampado nos noticiários, com eventos extremos como furacões, ciclones e tornados cada vez mais frequentes, além de mudanças am- bientais como desmatamentos, incêndios florestais, degrada- ção dos solos inviabilizando sua produtividade e outros agra- ves ecológicos. Nesse sentido, urge acordar e buscar cons- truir uma ponte que faça a união entre a ciência/tecnologia e os conflitos ambientais. Uma quebra dos elos do poder científico com os interesses econômicos e das medidas palia- tivas de conservação ambiental, exigindo uma revalorização da natureza com novos padrões culturais e estilos de vida modificados, no sentido de conservar e saber usar os seus re- cursos de forma sustentável (SACHS, 2012; RIBEIRO, 2001). Uma saída é conectar a ciência tecnológica a um pa- radigma ambiental holístico e integrador, para existir um trânsito fluente entre o conhecimento científico e não cien- tífico. Considerar também conhecimentos não científicos — saberes ambientais obtidos durante gerações, valores cul- turais específicos dos povos — como uteis ao paradigma da sustentabilidade.

Emerge assim, mediada pela complexidade ambiental per- mitindo a hibridização do conhecimento e o diálogo dos sa- beres, a importância do saber ambiental e de sua influência, em decisões de aplicações científicas e tecnológicas (BENTES, 2005; BOFF, 2007). É nessa abertura holística do conhe- cimento que começará uma mudança de paradigma, tendo como tema gerador a problemática ambiental, de onde fluirá a diversidade de interpretações e a pluralidade de reflexões, oriundas de uma gama de interesses socioambientais, pos- sibilitando a implantação da sustentabilidade como modelo padrão da sociedade.

No entanto, a simples fusão dos saberes econômicos, cien- tíficos, culturais, sociais e ambientais não resolverá sozinha os problemas socioambientais. A essa fusão precisa ser adici- onada uma mudança individual e coletiva, a nível existencial, de valores éticos e morais, relacionados ao uso correto dos re- cursos da natureza, na dimensão da sustentabilidade. Caso contrário, sem essa reflexão existencial, a natureza ficará a mercê das leis globalizadas do mercado, interessadas em extrair seus recursos numa visão exclusivista de fonte de riqueza.

Portanto, com essa perspectiva redutora e gananciosa, excluidora do comportamento reflexivo a respeito dos proble- mas ambientais e direcionando o conhecimento produzido para alimentar o sistema de produção e consumo insus- tentável, consequentemente o resultado é mais poluição e degradação ambiental.

A importância da cultura ambiental e dos ecos-