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2. R EVISÃO DE L ITERATURA

2.2 FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE CONTROLE POSTURAL

2.2.2 Desenvolvimento do ciclo percepção-ação

Baseado em uma visão dinâmica, o desenvolvimento do controle postural pode estar relacionado com o desenvolvimento e/ou fortalecimento do ciclo percepção-ação (BARELA, 1997). Esta sugestão difere da proposta de Woollacott e colegas (por exemplo, SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 1985; WOOLLACOTT; DEBÛ; MOWATT, 1987; WOOLLACOTT, 1988), que sugerem que as crianças apresentam uma dominância do sistema visual durante a aquisição de informações.

Hirschfeld e Forssberg (1994) apresentaram uma outra proposta, sendo sugerido que o desenvolvimento do controle postural não é limitado somente pelo desenvolvimento dos sistemas sensoriais e/ou do sistema de controle motor, parece que existem ainda outros fatores que são determinantes para a realização ação motora desejada. Tendo em vista estes aspectos, foi proposto que o desenvolvimento do controle postural ocorreria devido ao desenvolvimento dos mecanismos neurais centrais, que são responsáveis pela interação das informações sensoriais para gerar comandos motores apropriados. Dentro desta proposta, a organização das respostas motoras

é realizada através de um gerador central de padrões que opera em dois níveis de comando. O primeiro, gera respostas simples, com pouca complexidade, porém pode ser modulado pelo segundo nível quando há integração sensorial. O segundo nível, responsável por ações mais complexas, é responsável pela transformação do padrão inicial em um padrão adulto, ou seja, responsável pelo aperfeiçoamento do padrão, e é desenvolvido através de prática. Desta forma, foi proposto que as crianças apresentam dificuldades em produzir as respostas apropriadas por estarem utilizando apenas o primeiro nível de comando, sem os ajustes finos em seus movimentos.

Hirschfeld e Forssberg (1994) também contestaram a proposta de dominância visual. Estes autores apontam que a influência exercida pela visão nos experimentos utilizando o paradigma da sala móvel, por exemplo, Lee e Aronson (1974) e Butterworth e Hicks (1977), não é fruto de uma predominância deste canal sensorial, e sim da forte perturbação visual à qual estas crianças foram submetidas.

Recentemente Barela, Jeka e Clark (2003) sugeriram outra proposta para explicar o desenvolvimento do controle postural das crianças. Estes autores realizaram um estudo onde crianças de 4, 6 e 8 anos de idade permaneceram em pé, de olhos fechados e tocando com o dedo indicador uma barra de metal que oscilava. Os resultados demonstraram que o toque da barra induziu oscilações correspondentes em todas as crianças, sugerindo que estas acoplaram aos movimentos da barra. Porém, o acoplamento entre informação sensorial e oscilação corporal observado nas crianças apresentou maior variabilidade do que o observado para os adultos. Sendo assim, os autores sugeriram que crianças apresentam um acoplamento entre informação sensorial e ação motora mais fraco e instável, o que leva a uma performance inferior do funcionamento do sistema de controle postural quando comparados com adultos. Desta forma, os autores concluíram que as diferenças no controle postural em crianças, como por exemplo, maior

oscilação corporal quando comparados com adultos, parecem estar relacionadas com o acoplamento entre informação sensorial e ação motora (BARELA; JEKA; CLARK, 2003).

Barela, Jeka e Clark (2003) propuseram, ainda, que a maior variabilidade no acoplamento entre informação sensorial e ação motora encontrado em crianças pode ser devido a um alto nível de ruído existente no seu sistema de controle postural. A sugestão dos autores é que esse ruído pode se apresentar de duas formas. A primeira seria inerente ao sistema, presente nos comandos enviados para a periferia. Seria a diferença entre a aceleração atual produzida pelos músculos e a aceleração especificada para o controle. Essa primeira fonte de ruído estaria dificultando a ação das crianças em produzir ajustes e contrações musculares apropriadas para executar o movimento corretamente, pois ainda não seriam capazes de controlar com precisão a contração da musculatura e, conseqüentemente, seus movimentos. A outra possível fonte de ruído estaria na dificuldade encontrada pelas crianças em estimar a posição do seu corpo no espaço, para então produzir atividade motora apropriada para obter ou manter a posição corporal desejada. Essa dificuldade está intimamente relacionada com a falta de um modelo interno de referência que se encontre totalmente desenvolvido (BARELA; JEKA; CLARK, 2003).

A respeito do modelo interno, inicialmente é necessário esclarecer a questão sobre a terminologia utilizada, que é bastante diversificada. Horak e McPherson (1996) utilizam a terminologia quadro de referência ou representação interna, no entanto, Feldman (1998) prefere quadro de referência e, ainda, Massion (1992) menciona valores de referência. A fim de padronizar esta terminologia, neste estudo será adotado apenas o termo modelo interno de referência como adotado por Barela; Jeka e Clark (2003). O modelo interno de referência atua como um parâmetro de comparação que auxilia o indivíduo para que ele seja capaz de manter o relacionamento entre as informações sensoriais captadas do ambiente e a realização da ação motora de maneira apropriada. Mais ainda, o modelo interno de referência pode tornar o controle

postural mais eficiente, na medida que propicia condições para que as forças que estão atuando sobre o corpo sejam estimadas e antecipadas. Horak e McPherson (1996) definem como modelo interno uma representação interna da atividade motora e da dinâmica sensorial do corpo, onde baseado nesta referência, o sistema nervoso central interpreta as informações fornecidas pelos sistemas somatosensorial, vestibular e visual. Sendo assim, o modelo interno pode ser definido como um modelo de representação interna para a orientação corporal dentro do ambiente onde o indivíduo estima a sua posição através de uma referência interna da memória (HORAK; MCPHERSON, 1996).

Segundo Feldman (1998), o conceito de modelo interno de referência, está baseado na idéia em que o indivíduo está sempre relacionado com o meio ambiente em que se encontra. Desta maneira, esta relação do indivíduo com o meio proporciona experiência para a construção de um modelo interno, que seria utilizado para determinar a posição do próprio corpo no espaço e manter a postura desejada (FELDMAN, 1998). Durante a manutenção da postura uma das estratégias utilizadas é a manutenção de valores de referência, que estima as forças internas e externas que agem sobre o corpo (MASSION, 1992). Estes valores são fornecidos através da posição dos segmentos em relação ao corpo e atuam como parâmetros abstratos utilizados para controlar a postura (MASSION, 1992).

O desenvolvimento do modelo interno de referência em bebês e crianças está relacionado com a atuação de dois sistemas durante a manutenção da postura, os sistemas de feedback e feedforward. Segundo Hay e Redon (1999), o feedback postural somente está disponível durante a manutenção da postura quando o sujeito é submetido a uma situação a qual não foi predita, levando, posteriormente, às correções necessárias. Ao contrário de feedback, feedforward são os ajustes posturais antecipatórios, realizados antes de uma ação (HAY; REDON, 1999). Hass, Diener, Rapp e Dichgans (1989) observaram que o sistema de controle postural apresenta inicialmente o

mecanismo de feedback melhor desenvolvido, a partir de então, os dois mecanismos continuam a desenvolver-se ao longo da infância. Entretanto, esses dois mecanismos se desenvolvem de maneira diferente, Hay e Redon (1999; 2001) observaram que mesmo crianças de 3 anos já apresentam a utilização do feedback de maneira semelhante aos adultos, enquanto que apenas aos 8 anos o funcionamento do mecanismo de feedforward se apresenta completamente desenvolvido e parecido com o utilizado pelos adultos.

Enquanto adultos são capazes de estimar e antecipar os ajustes posturais necessários, parece que as crianças nos primeiros anos de vida ainda apresentam dificuldades. Seu modelo interno de referência ainda estaria passando por um processo de construção e refinamento e junto com ele o mecanismo de feedfoward também não se encontram totalmente desenvolvidos. Thelen (1995) sugere que o desenvolvimento do controle postural se dá a partir da execução de repetidos ciclos de percepção-ação. Desta forma, um paralelo pode ser traçado, onde o processo de construção e refinamento do modelo interno pode estar relacionado com o desenvolvimento do controle postural através da realização de diversos ciclos de percepção-ação. Através dos ciclos decorrentes de percepção-ação e da construção e refinamento desse modelo interno, as crianças seriam capazes de selecionar as informações mais importantes do ambiente para executar as ações motoras desejadas. A criança passa a identificar e fortalecer o relacionamento entre a informação sensorial fornecida e a ação motora realizada, e a partir de então, pode verificar o resultado obtido. Ainda, armazena as características desta ação em sua memória, para posteriormente usá-las como parâmetro de comparação.

A partir do momento em que bebês e crianças têm a oportunidade de realizar diversas vezes uma tarefa, todas estas tentativas são “mapeadas” para que nas tentativas seguintes, possam ser estimadas as forças que estarão agindo sobre o corpo e a atividade muscular apropriada seja definida e executada. Como passaram pela experiência de realizar a ação outras vezes podem

prever o que pode acontecer, buscando estas informações no seu modelo interno de referência. Para que seja realizada alguma alteração no movimento, o resultado da ação realizada precisa ser “comparado” com a ação esperada para então, determinar qual aspecto deverá ser alterado. A experiência na realização da ação auxilia o indivíduo a identificar o aspecto mais relevante da tarefa e executar as correções apropriadas.

Desta forma, através da experiência de realizar diversas vezes a ação motora, a criança passa a construir e lapidar seu referencial, passando a ser capaz de descobrir qual informação é relevante para a tarefa, integrando de maneira eficiente as informações sensoriais e criando respostas musculares apropriadas. Sendo assim, o refinamento do modelo interno está diretamente ligado com a experiência, que por sua vez, está relacionada com o desenvolvimento do ciclo percepção-ação e do sistema de controle postural.

Tendo esse modelo interno desenvolvido, as crianças poderiam executar ajustes e correções adequadas à tarefa, utilizando os mecanismos de feedback e feedforward (BARELA; JEKA; CLARK, 2003). Segundo Barela, Jeka e Clark (2003), estimar uma futura posição e velocidade do próprio corpo no espaço (feedforward, ou modelo preditivo) está sempre acompanhado de erro, devido aos componentes estocásticos (vibratórios) da oscilação corporal. Por isso, é necessário experiência para extrair com eficiência e precisão as informações a respeito das alterações do ambiente, para que os ajustes e correções sejam adequados.

O processo de desenvolvimento está intimamente relacionado com experiência, ou, com a realização de vários ciclos de percepção-ação para determinada tarefa. A realização da ação motora basicamente fornece subsídios para que o sistema nervoso central seja capaz de determinar quais são os parâmetros relevantes para determinada ação, facilitando a seleção dos ajustes apropriados. Essas considerações podem explicar a discrepância nos resultados de Woollacott, Debû e Mowatt (1987), que encontraram respostas posturais incoerentes em crianças

menores de 7 anos de idade. Essas crianças podem apresentar diferenças funcionais no seu sistema, e assim, não são capazes de selecionar e captar a informação relevante para produzir as respostas apropriadas. Uma possível explicação para este fato é que estas crianças, provavelmente, ainda não têm completamente desenvolvido o seu modelo interno. Devido a isso é que possivelmente elas apresentem um maior ruído em seu sistema de controle postural (BARELA; JEKA; CLARK, 2003).

Os resultados de outros estudos fornecem subsídios para esta proposta. Sveistrup e Woollacott (1996) em um estudo longitudinal verificaram atraso nas respostas posturais automáticas de bebês durante a aquisição da postura ereta quando comparadas com adultos e, ainda, as alterações nessas respostas posturais apresentavam mudanças conforme o aumento da experiência na tarefa, diminuindo a variabilidade e a amplitude das latências (SVEISTRUP; WOOLLACOTT, 1996). As autoras propõem que uma possível explicação para essa melhora seria a experiência, que auxilia no processo de refinamento do quadro de referência. E assim com o tempo, as crianças ou bebês se tornariam experientes e capazes de melhorar o seu padrão.

Baseado nos resultados de estudos que apontam diferenças no controle postural entre adultos e crianças, parece que estas diferenças podem estar relacionadas com a estimativa da futura posição do corpo no espaço. Sendo assim, é possível relacionar a dificuldade de estimar e antecipar as forças que estão agindo sobre o corpo com alguma das fontes de ruído existente no sistema das crianças, como proposto por Barela, Jeka e Clark (2003)? Para esclarecer estas perguntas é necessário discutir um pouco o funcionamento do sistema de controle postural de adultos e crianças e seus mecanismos de controle.

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