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PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Desenvolvimento como Liberdade

Afinal, no que consiste o desenvolvimento? No presente trabalho, desenvolvimento “consiste na eliminação de privações de liberdade às escolhas e às oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente de sua própria história. A eliminação de privações de liberdades substanciais, argumenta-se aqui, é constitutiva do desenvolvimento” (SEN, 2000).

Esse enfoque de liberdade contrasta com as visões mais restritas e míopes de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento apenas com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) ou do Produto Interno Bruto (PIB), aumento das rendas populacionais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social.

O crescimento econômico medido pelo PNB ou pelo PIB é importante como meio de expandir as liberdades desfrutadas pelas pessoas de uma sociedade, desde que a maioria delas seja beneficiada. No entanto, esta liberdade depende de outros determinantes igualmente importantes como acesso aos serviços de educação, saúde, liberdade para participar de discussões políticas, liberdade inclusive de ter uma habitação confortável e segura, além de acesso à alimentação adequada. Inclui também o poder de conquistar o seu sustento através de

atividades econômicas dignas e eqüitativas. Essas são algumas das liberdades essenciais do ser humano.

Desenvolvimento, entre outras coisas, “requer que se removam as principais fontes de privação da liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados Repressivos” (SEN, 2000).

Essa é a realidade do Brasil, da Região Nordeste, do Ceará? Não, porque pobreza e miséria estão estampadas na cara do nosso povo, tanto nas grandes metrópoles, capitais e cidades, quanto nas comunidades rurais, onde a grande maioria da população vive largada à própria sorte.

O mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas. (...). As vezes, a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza da economia, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter a nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. (SEN, 2000)

Voltando o olhar para a realidade local, o Estado do Ceará, a privação da liberdade está vinculada à carência de serviços públicos básicos de qualidade, como saúde e educação. Falta apoio às comunidades carentes no sentido de oferecer políticas para o seu desenvolvimento e sustentabilidade econômica, política, social e cultural, para que elas possam ser agentes de suas próprias histórias, livres para construir o seu futuro individual e coletivo. “A condição de agente não só é, em si, uma parte “constitutiva” do desenvolvimento, mas também contribui para fortalecer outros tipos de condições de agentes livres” (SEN, 2000).

Este autor, Prêmio Nobel de economia em 1998, destaca a importância de se observar o que as pessoas conseguem positivamente realizar e a sua relação com oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e condições habilitadoras como boa saúde, educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas. Itens sem os quais não se pode falar de desenvolvimento no sentido aqui proposto. O fato é que essas liberdades e direitos também contribuem, muito eficazmente, para o progresso econômico, embora o inverso nem sempre seja verdadeiro.

É preciso libertar os trabalhadores de um cativeiro explícito ou implícito que nega o acesso ao mercado de trabalho aberto. Não cabe mais, hoje, nos processos de desenvolvimento, a busca de instalação de grandes empresas em regiões afastadas com o intuito de criar empregos assalariados para uma massa de população sem ocupação formal. É preciso olhar para o Brasil buscando entender a sua realidade e não tentando aplicar receitas prontas que, aplicadas em outros países, há décadas, deram certo. É preciso conceber e aplicar um modelo de desenvolvimento próprio.

O Brasil tem uma extensão territorial continental, implicando em um número imenso de diversidades - ambientais, culturais, climáticas, econômicas, de organização social e política. Então, é necessário fomentar um desenvolvimento que atue a partir dessas características, obtendo, de cada uma, o que têm de melhor.

É preciso inclusão voltando-se o olhar para os trabalhadores informais, os pequenos produtores, as organizações em redes, arranjos e sistemas produtivos locais, etc. E, a partir dessas potencialidades, oferecer recursos para o desenvolvimento local, através de ações integradas, interrelacionadas e sustentáveis. “A liberdade de entrar em mercados pode ser, ela própria, uma contribuição importante para o desenvolvimento, independentemente do que o mecanismo de mercado possa fazer ou não para promover o crescimento econômico ou a industrialização” (SEN, 2000).

Assim pode-se, e deve-se, utilizar o conceito de economia solidária para fomentar o desenvolvimento de uma região, com as características da região pesquisada no presente trabalho, conforme será discutido nos próximos capítulos. Pois a própria liberdade de participar do intercâmbio econômico tem um papel básico na vida social, visto que o desemprego, ou ausência de atividade econômica, contribui para a exclusão social acarretando perda de autonomia, de autoconfiança e de saúde física e psicológica.

Ainda segundo Sen (2000), cinco tipos de liberdades, vistos de uma perspectiva instrumental, devem ser incentivados:

i. Liberdades Políticas – referem-se às oportunidades que as pessoas tem para determinar quem deve governar e com base em que princípios, além de incluírem a possibilidade de fiscalizar e criticar as autoridades. Oportunidade

de diálogo político, dissensão e crítica, bem como direito a voto e seleção participativa dos legisladores e executores;

ii. Facilidades Econômicas – oportunidades de utilizar recursos econômicos com o propósito de consumo, produção ou troca. Disponibilidade de financiamento e o acesso a ele;

iii. Oportunidades Sociais – disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde, etc., que influenciam na liberdade do individuo viver melhor. Essas facilidades são importantes para a vida privada bem como para uma participação mais efetiva nas atividades econômicas e políticas;

iv. Garantias de Transparência – refere-se à necessidade de sinceridade nas interações sociais, liberdade de lidar com os outros sob garantias de dessegredo (acesso a toda informação) e clareza. Impacta diretamente no estabelecimento da confiança;

v. Segurança Protetora – necessária para proporcionar uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada por bruscas mudanças materiais seja reduzida à miséria, até mesmo à fome e à morte.

Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros. Não precisam ser vistos, sobretudo, como beneficiários passivos de engenhosos programas de desenvolvimento. Existe, de fato, uma sólida base racional para reconhecermos o papel positivo da condição de agente livre e sustentável – e, até mesmo, o papel positivo da impaciência construtiva. (SEN, 2000)

O termo agente, na expressão acima, significa alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de ser avaliado ou não segundo algum critério externo. Este agente buscará modificar a sua realidade e a realidade da comunidade onde está inserido de forma a atingir sua sustentabilidade.

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