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PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O Homem – De Objeto a Sujeito de sua História

O que torna o homem sujeito da sua história? Olhando por outro ângulo: o que torna o homem simples objeto em sua história?

Ora, o homem é inerentemente um ser ativo e reflexivo; não sendo assim, como se explicariam anos de evolução e revoluções? Como se explicaria a atual situação da evolução científica e tecnológica? Qualquer lugar do planeta a um bit (menor unidade de informação do

computador) de distância, encontram-se alimentos transgênicos, roupas de material reciclado, sistemas complexos de reaproveitamento da água, captura e armazenamento da energia solar e eólica, veículos não-poluentes, veículos automotores com preço menor que US$ 1.000 (mil dólares), casas construídas com tijolos e telhados ecologicamente corretos, robôs com expressões faciais de sentimentos humanos e tantas outras invenções criadas e desenvolvidas pelo homem. Invenções estas que ainda não puderam ser construídas porque a imaginação humana supera a capacidade tecnológica atual de colocá-las em prática.

Ora, como, mesmo com toda essa inteligência, o homem pode e por tanto tempo deixar de ser sujeito de sua história para se transformar em servo ou em foco de políticas assistencialistas? Em ferramenta de eleição de políticos corruptos que visam apenas seu enriquecimento ilícito? Políticos e seus agregados que se utilizam de anos da indústria da seca, da subnutrição, da mortalidade infantil, da falta de escolas e hospitais para se eleger e (re)eleger?

Uma coisa é certa: em meio a tantas desilusões e enganos, o povo jamais perdeu o seu potencial e poder. Poder este hoje ainda não exercido, mas o potencial com ele está.

Neste contexto, pode-se indagar: Como levar o desenvolvimento ao Estado do Ceará? Como conceber oportunidades para regiões desfavorecidas como o sertão central?

É fato notório que as potencialidades de todas as localidades, inclusive dos sertões, existem sim, estão lá. O povo também está lá. Falta o compromisso real, a visão de desenvolvimento, pois aquela vigente de que desenvolvimento só ocorre nas cidades já não serve mais. Por quê? Porque as capitais e cidades menores não podem receber todo o contingente populacional de seus Estados, por razões culturais, físicas, ambientais, econômicas e financeiras.

O desenvolvimento precisa e deve ocorrer a partir da fomentação das potencialidades locais, de cada região. Ele deve ser endógeno, feito de dentro para fora, construído através da ação dos atores locais da própria comunidade. É ele a resposta para o atendimento das necessidades das regiões afastadas dos centros urbanos, que convivem com uma grande diversidade de atores externos. “O desenvolvimento endógeno é, antes de mais

nada, uma estratégia para ação” (BARQUERO, 2002), um dos pontos importantes para re- transformar o homem de objeto para sujeito da sua história.

O desenvolvimento endógeno é importante porque ele implica na ação direta do homem sobre o que ele pode ou poderia oferecer tendo à sua disposição os meios produtivos, além dos cinco fatores de produção e o ambiente externo: crédito, infra-estrutura física, etc. Este desenvolvimento ocorre através da participação ativa da comunidade envolvida e o objetivo é buscar o seu bem-estar econômico, social e cultural em seu conjunto (BARQUERO, 2002).

O desenvolvimento endógeno está baseado na produção das empresas e das instituições que operam no âmbito local por meio da progressiva construção das seguintes características:

a) Utilização dos recursos locais como: o trabalho, o capital historicamente acumulado em nível local, o empreendedorismo, os conhecimentos específicos sobre processos de produção, as profissões específicas e os recursos materiais;

b) Capacidade de controle, em nível local, do processo de acumulação;

c) Controle local da capacidade de inovação;

d) Existência de interdependências produtivas em nível local e capacidade de desenvolvê-las, sejam intra-setoriais ou intersetoriais.

Neste contexto, entende-se por empresas não organizações de grande porte, mas todo e qualquer pequeno produtor localizado na região que está buscando se desenvolver.

É importante salientar, também, que o processo de desenvolvimento endógeno brota do inconformismo implícito ou explicito dos habitantes de um município ou região onde uma dinâmica de organização social e política não se faz presente. Somente há desenvolvimento onde existe inconformismo com relação ao mau desempenho de indicadores econômicos, sociais e de sustentabilidade ambiental (HADDAD, 2000). Visto, em outros

termos, desenvolvimento endógeno diz respeito, também, à capacidade de inovação e invenção em nível local, que fortalece as potencialidades locais e a interação dinâmica entre os atores envolvidos.

Não se pode falar de desenvolvimento real sem discutir o desenvolvimento local. Conforme exposto acima, é imprescindível o protagonismo local para se realizar o desenvolvimento, pois é ele que permite a inclusão da PEA local. De forma simples, desenvolvimento local é entendido como um processo que mobiliza pessoas e instituições buscando a transformação da economia e da sociedade locais, criando oportunidades de trabalho e de renda, superando dificuldades para favorecer a melhoria das condições de vida da população local.

Ele se constitui numa estratégia territorial que se contrapõe às visões de crescimento econômico mais tradicionais. Visão esta centrada, principalmente, em setores econômicos de alta tecnologia e em lugares definidos como capazes de integração competitiva nos mercados globais (metrópoles, grandes cidades e capitais). Este conceito se apóia na idéia de que as localidades e territórios dispõem de recursos econômicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais que constituem seu maior potencial de desenvolvimento (ZAPATA, 2001 apud SILVEIRA e REIS, 2001).

Desenvolvimento local é reocupar os espaços esquecidos pelo grande capital e é, sobretudo, recriar novas bases de vida. O seu ponto de partida não é economicista, mas sim o da necessidade que as pessoas, os grupos tem de sobreviver. E é só localmente que se ganha o espaço e possibilita a reconstrução econômica e de criação de novas dinâmicas. (LEROY apud SANTIAGO, 2002)

Para Brose (1999), a compreensão do que seja desenvolvimento local surge do entendimento de que o meio rural, exatamente por não ser apenas agrícola, engloba também as pequenas cidades que, apesar de constituírem o espaço urbano, estão, via de regra, essencialmente ligadas ao meio rural, dependendo dele para sobreviver e para ele prestando todo tipo de serviços, tendo como indicadores do desenvolvimento local:

a) A manutenção e a criação de postos de trabalho;

c) A estabilidade na renda família;

d) A manutenção de uma paisagem rural equilibrada;

e) A ativa participação da população nas decisões quanto aos seus espaços econômicos;

f) As novas formas de gestão pública.

Ainda de acordo com Brose (1999), pode-se entender desenvolvimento local como a melhoria das condições locais de vida de uma população, sob todas as dimensões.

As relações sociais associativas são fundamentais pois está se preconizando no desenvolvimento local uma estrutura baseada na integração entre os diversos atores para se fomentar o desenvolvimento.

Tendo em vista o caráter eminentemente egoísta e individualista do ser humano primário, como fomentar as relações associativas tão fundamentais ao desenvolvimento? Seria a cooperação fundamental para a estratégia de Sistema Produtivo Local? Esta é uma discussão a ser posteriormente travada no capítulo quatro.

Dentro do contexto de repensar o significado de desenvolvimento precisam ser considerados o território e o capital social. O território porque não se pode ter desenvolvimento real no espaço abstrato, sem conhecer e agir a partir do conhecimento das potencialidades reais de uma determinada região. E capital social porque não se desenvolve uma região sem a cooperação de seus atores.

Segundo Barquero (2002), “o território surge como um agente transformador e não mero suporte de recursos e atividades econômicas, uma vez que há interação entre as empresas e os demais atores, que se organizam para desenvolver a economia e a sociedade”. É dentro deste território que são descobertas e desenvolvidas as potencialidades do conjunto de recursos econômicos, humanos, institucionais e culturais, através dos quais se buscará o desenvolvimento.

A cooperação entre os atores é, também, imprescindível ao desenvolvimento e tem como pilares a confiança e a coordenação dos atores locais dentro de um território. Este, por sua vez, necessita de organização produtiva das suas potencialidades e de articulação institucional para promover a sustentabilidade do sistema produtivo. A Figura 2.1 que segue é elucidativa a este respeito.

Figura 2.1 – Capital Social e Território Fonte: Elaboração da autora

Também imprescindível é, segundo Putnam (1999), o Capital Social, processo de desenvolvimento da confiança recíproca entre os cidadãos com o objetivo de resolver problemas que exigem a ação coletiva ou o desejo dos cidadãos para confiar nos outros. Este autor caracteriza este capital social em uma comunidade como um bem público, que facilita a cooperação espontânea, multiplicando-se em diferentes formas e manifestações como regras de reciprocidade, redes de relações sociais, sistemas participativos e confiança. Entre as várias fontes de capital social as mais importantes são a família, a comunidade, as empresas, a sociedade civil e os poderes públicos, visto que estas entidades têm o poder de criar fortes vínculos entre distintos atores.

De acordo com Franco (2001c), o capital social está relacionado a três fatores, intimamente relacionados entre si: a cooperação, a rede e a democracia, conforme mostra a Figura 2.2 mostrada a seguir.

Figura 2.2 - Fatores do Capital Social Fonte: Augusto de Franco (2001c)

A cooperação - primeiro fator para tornar o ambiente favorável ao desenvolvimento, faz com que as pessoas permaneçam juntas. A rede que surge das relações horizontais que favorece a circulação de informação, a dissolução de núcleos burocráticos, formados dentro das organizações ou nas comunidades, favorecendo assim a desconcentração do saber e a multiplicação do mesmo.

Do ponto de vista do capital social, a cooperação e a rede estão intrinsecamente relacionados, pois redes só se formam com base na cooperação e o exercício da cooperação leva as pessoas a se relacionarem em redes.

O terceiro fator é a democracia, definida como o modo pelo qual as pessoas regulam seus conflitos e se conduzem coletivamente.

Ao lado do capital social - como fator decisivo para o desenvolvimento – há também o capital humano, e um dos principais elementos do capital humano é a capacidade das pessoas de fazerem coisas novas. Exercitando a sua imaginação criadora e se mobilizando para adquirir conhecimentos necessários, elas se tornam capazes de permitir a materialização do desejo, a realização do sonho e a viabilização da visão. É a esse processo que se denomina empreendedorismo (FRANCO, 2001a).

Conclui-se que, investindo em capital social e humano, são favorecidas as condições para que o desenvolvimento ocorra com uma eficácia e eficiência muito maior do

que se investindo em fatores que visem apenas impulsionar o crescimento econômico e promover o aparecimento de empresas ou distribuir renda por meio de programas compensatórios estatais, que já se mostram como fórmulas falidas, pois não garantem nem impulsionam o desenvolvimento nos seus aspectos humano, social e ambiental (FRANCO, 2001c).

Face ao acima exposto cabe indagar: porque o homem precisa tornar-se sujeito da sua história? A resposta parece ser porque, para que exista desenvolvimento, o homem precisa conhecer as suas reais potencialidades, identificar seus obstáculos e agir individual e cooperativamente para suplantá-los, fomentando o desenvolvimento individual e coletivo da região na qual está inserido. Com isso, ou através disso, ele torna-se apto a trilhar o caminho da liberdade. Liberdade essa que lhe dá satisfação além do suprimento de suas necessidades essenciais: alimentação digna, habitação, educação, saúde, segurança, etc., enfim, tudo que ele necessita para ter uma vida feliz e com qualidade.

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