4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
4.3 Desenvolvimento da Produção Final
A produção final foi desenvolvida na sala de informática, uma vez que os alunos deveriam produzir um currículo digitalizado e acessar a internet para enviá-lo ou para se cadastrar nos sites de empresas como Jovem Aprendiz. No momento da aula, apresentado a seguir, a PP explicava aos alunos o que deveriam escrever em cada seção do currículo:
Excerto 19 – Aula 13
PP7: Como estagiário ou como jovem aprendiz, então esse é o objetivo de
vocês. A escolaridade todo mundo tá cursando. Então, vocês vão colocar qual é a série, a escola e a cidade, tá? Depois, experiência profissional, acho que só o Vinicius, Kauê e a Juliana que têm, né, experiência profissional, o restante nunca trabalhou. Então, vocês, exceto os três, os demais num vão colocar nada. Agora Kauê, Vinicius e Juliana vão colocar o que eles já fizeram, tá? E a data, tudo direitinho. Depois aqui nas qualificações aqueles adjetivos de vocês. Lembrando que (+) quais são os adjetivos que não valem?
[...]
Vinicius5: Rápido, bonito. [[Guto2: Rápido, bonito, gostoso.
[...]
PP11: [...] Quem pode dar exemplo de adjetivos que sirvam pra colocar?
Vinicius8: Comunicativo.
PP12: Que mais? (+) Que mais de características que a gente pode usar?
Dinâmico (+)(+) e eu posso falar assim “eu sou dinâmico, eu sou” [Ay: Não] “legal”/ como é que eu coloco?
Vinicius9: Profissional dinâmico, comunicativo, se relaciona bem com as pessoas, tem facilidade pra falar em público/
PP13: Isso Vinicius! Ó, lembra que eu coloquei aqui ó terceira pessoal, tá?
Como o Vinicius fez [...]
Nesse fragmento, a sobreposição nas trocas de turnos é estabelecida de forma cooperativa; as interrupções ajudam a manter a coerência interna da interação
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). Nos turnos PP11, “quem pode dar exemplo de adjetivos que sirvam pra colocar?” e PP12, “que mais de características que a gente pode usar?”, a PP faz perguntas para aprofundar a discussão: a primeira, do tipo sumarização (NININ, 2013), com o intuito de recuperar informações discutidas em aulas anteriores; a segunda, do tipo expansão (NININ, 2013), iniciada com o pronome interrogativo “que”, solicitando uma argumentação mais específica do aluno Vinicius.
Em seguida, o aluno Vinicius, em Vinicius9: “profissional dinâmico, comunicativo, se relaciona bem com as pessoas, tem facilidade pra falar em público”, apresenta uma argumentação que pode ser compreendida como conclusão (GRYNER, 2000), pois encerra o desenvolvimento da argumentação, retomando um conteúdo que já foi discutido anteriormente.
Segundo Vygotsky (1934/2007), o processo de internalização é decorrente das relações interpessoais e, aos poucos tornam-se intrapessoais. Nesse caso, pode-se dizer que Vinicius, em parceria com os demais colegas e com a PP, tendo as perguntas de sumarização e expansão como a linguagem mediadora, demonstrou ter se apropriado, gradualmente, de como poderá escrever suas qualificações profissionais no currículo. Além disso, é possível perceber que Vinicius tem consciência do conceito científico “adjetivo”, já que ao ser perguntado sobre os atributos de um profissional ele soube definir exatamente quais seriam eles e como poderiam ser escritos na referida seção do currículo.
Na aula seguinte, para dar continuidade à produção dos currículos, a PP se dirige a cada grupo de alunos em trabalho no computador, com o intuito de auxiliá- los na produção de seus currículos, quando percebe que nenhum aluno do grupo sabia trabalhar com a formatação de arquivos em Word. Nesse momento, a PP chama a atenção de todos os alunos para visualizem a televisão (onde pode ser mostrado uma das telas do computador) e utiliza uma das produções próprios alunos para ensiná-los como deve ser a formatação do documento:
Excerto 20 – Aulas 14 e 15
PP3: [...] Ó, olhando assim. Vou fazer de conta que vou imprimir ó.
Vinicius2: Ah, não, num dá, não. Fica bagunçado.
PP4: Num fica tudo muito misturado? [Vinicius3: É] Então, o que que aqui no currículo eu posso mexer pra separar uma informação da outra?
Ay: Aumentar a letra do currículo.
PP5: Mas aumenta a letra de tudo? [AA: Não] Do que que eu aumento?
Vinicius3: Do objetivo, dos tópicos mais importantes.
PP6: [...] Então, é isso que vocês vão fazer agora quem já terminou, vão
organizando o currículo pra deixar as informações visivelmente mais organizadas.
Nesse exemplo, a PP faz um comentário de que irá visualizar a impressão com a intenção de mostrar aos alunos a maneira como o currículo do aluno Plínio está formatado.
Em seguida, ao visualizar como ficaria o currículo impresso, o aluno Vinicius, em Vinicius2, “Ah, não, num dá, não. Fica bagunçado”, apresenta uma avalição
que, segundo Gryner (2000) é carregada de expressões de emoção, como podemos perceber na primeira parte do turno: “Ah, não, num dá, não”. Logo em seguida, apresenta juízo de valor a respeito da formatação do currículo, ao dizer que “fica bagunçado”.
Para dar curso à interação, a PP faz perguntas de expansão, em PP4: “então, o que que aqui no currículo eu posso mexer pra separar uma informação da outra?”, e em PP5: “do que que eu aumento?”, apresentando uma pergunta do tipo
conteúdo, retomando algo que já está em discussão e que exige uma resposta pontual (NININ, 2013). O aluno Vinicius, em Vinicius3: “do objetivo, dos tópicos mais importantes”, apresenta uma conclusão, retomando, com suas palavras, o que já foi discutido anteriormente.
Com base nas OCPEA-EF, o processo de ensino-aprendizagem deve contemplar um conjunto de atividades sistemáticas e planejadas, uma vez que a PP e os alunos compartilharam diferentes significados com relação aos conteúdos desenvolvidos. Assim como o PCN, as OCPEA-EF também possuem como eixo o uso e a reflexão; o uso refere-se aos diferentes modos como os alunos poderão utilizar o linguajar constituinte do gênero currículo e em diversos contextos, considerando que passaram por um processo de reflexão da língua.
Desse modo, com base nas OCPEA-EF, para que os alunos se apropriassem de como o gênero currículo deve ser escrito, algumas habilidades tiveram que ser desenvolvidas, como: compreensão do contexto de produção, relação entre conhecimentos prévios e a proposta de atividade, recuperação de informações, comparação de currículos, planejamento da escrita do currículo ao escrever cada
seção que o compõe, análise da organização interna do gênero e dos recursos gráficos do currículo, como discutido nesse último excerto.
A seção seguinte apresenta a conclusão da análise.
4.3.1 Conclusão da Análise
Nesta última etapa, de desenvolvimento da produção final, foi possível notar que a interação entre os sujeitos foi mais pacífica, cooperativa, mas a PP ainda continuou como distribuidora oficial dos turnos (KERBRAT-ORECCHINI, 2006).
Em relação aos tipos de perguntas, a PP foi quem apresentou a maior parte dos turnos interrogativos dos tipos expansão, sumarização e conteúdo (NININ, 2013), com o intuito de aprofundar as discussões e retomar assuntos anteriormente discutidos.
Os alunos, por sua vez, em especial o aluno Vinicius, passaram a apresentar elementos da sequência argumentativa como a conclusão e a avaliação (GRYNER, 2000). Suas conclusões encerraram a argumentação por meio de sinônimos, o que demonstra que o aluno se apropriou de conceitos científicos (VYGOTSKY, 1934/2007) discutidos durante as aulas. Vinicius também apresentou uma avaliação, explicitando seu ponto de vista por meio de expressões de emoção.
A SD, como instrumento, foi fundamental para propiciar momentos de interação entre os sujeitos em sala de aula, o que antes não era desenvolvido com a turma. Trabalhar com cada seção do currículo permitiu refletir com o grupo, corroborando o que é proposto pelos documentos oficiais sobre os usos da língua e as possibilidades de escrita do gênero currículo. Além disso, ainda que os alunos estivessem habituados a utilizar o computador (apenas para redes sociais, por exemplo), notou-se, com base nos dois últimos excertos, a necessidade de um trabalho mais efetivo sobre os variados recursos midiáticos, uma vez que a turma não sabia utilizar as ferramentas elementares do word ou enviar e-mails.
Cabe levar em consideração a maneira como cada sujeito se constitui sócio- histórico-culturalmente (VYGOTSKY, 1934/2007; 1934/2008), compreendendo como isso afeta significativamente os valores que apresentam em relação à escola e ao mundo do trabalho. No entanto, vale destacar: que isso não seja determinante para
que cada um se mantenha do que jeito que sempre esteve, mas sim que o ambiente escolar propicie momentos de tensão e conflito para que a “aprendizagem-leve-ao- desenvolvimento”.