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O desenvolvimento da linguagem

3. A LINGUAGEM

3.1. O desenvolvimento da linguagem

Em seus estudos sobre o desenvolvimento da linguagem em humanos, Vygotsky (2004) iniciou com os estudos sobre a linguagem em primatas. Ele verificou que os chimpanzés são capazes de utilizar instrumentos para solucionar um problema e se comunicarem uns com os outros expressando suas emoções. Tais constatações permitiram-lhe afirmar que os primatas são dotados de inteligência prática e possuem uma linguagem de comunicação que se assemelha com a linguagem humana. Assim, para se referir à inteligência prática dos humanos ele denominou de “fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento” e para se referir à maneira como se utiliza a linguagem ele a denominou como “fase pré- intelectual do desenvolvimento da linguagem”, uma vez que os humanos utilizam o choro, o balbucio, o riso para expressarem seus estados emocionais.

Em uma concepção contemporânea, a “fase pré-intelectual do desenvolvimento da linguagem” poderia corresponder à fase que Bee (2011) denomina por pré-linguística. Segundo ela, os primeiros sons comunicativos emitidos pelos bebês, além do choro, é o arrulho, que consiste na emissão repetida de vogais, como por exemplo, “uuuuuuuu”. Por volta dos seis meses de idade a autora afirma que o bebê emite balbucios, caracterizados pela combinação de vogais e consoantes, como por exemplo, “dadadadada”, “nanananana”. Estes balbucios modificam-se ao longo do desenvolvimento até que os sons emitidos se tornam próximos da língua na qual o bebê está aprendendo a falar.

No entanto, é preciso esclarecer que apesar de a linguagem dos primatas e humanos possuir correspondências, elas diferem-se bastante. De acordo com Luria (1986), a linguagem dos animais não pode ser considerada uma linguagem, mas uma “quase linguagem”, pois ela expressa apenas estados emocionais e a informação que transmite não é objetiva. Diferentemente da linguagem humana que é um sistema de signos que denomina objetos, ações, características e os classifica em um sistema de categorias, permitindo que as informações fornecidas sejam objetivas.

Mas para que a linguagem humana atinja este nível complexo de um sistema de signo, é preciso compreender como ocorre o seu desenvolvimento ontogenético, isto é, como ela se desenvolve nos indivíduos. De acordo com Luria (1986), este desenvolvimento ocorre a partir do contato com os adultos e a vivência das experiências com seus pares e o ambiente de seu entorno. Inicialmente, quando a criança ainda é pequena emite muitos sons, mas estes, segundo o autor, não se pode considerar como linguagem, pois eles expressam apenas suas sensações e emoções e não designam os objetos ao seu redor. Para que as primeiras palavras sejam emitidas estes sons precisarão ser inibidos para que ela possa emitir os sons que se assemelham à linguagem dos adultos, para assim ser considerada como o início do desenvolvimento da linguagem humana.

Frequentemente, as primeiras palavras emitidas pelas crianças ocorrem por volta de um ano e seis meses ou um ano e oito meses e possuem um caráter difuso e referem-se as suas ações sobre o objeto, tais como o gesto para pronunciar a palavra, a entonação da fala e ao contexto prático, que Luria (1986) denomina como simpráxico. Depois desta idade, por volta dos dois anos, as palavras começam a designar substantivos tornando-se autônomas e independentes e é nesta fase que ocorre o verdadeiro nascimento da palavra (LURIA, 1986). Neste período o autor afirma que há um aumento do vocabulário da criança.

Vygotsky (2004) explica que é neste momento que ocorre o nascimento da linguagem e, a partir de então, o pensamento e a linguagem se desenvolvem juntos permitindo a comunicação por meio de signos e não mais pelos estados emocionais. Entretanto, segundo o autor, ainda será comum haver linguagem sem pensamento, expressas pelos estados emocionais; e pensamento sem linguagem, expresso pelo uso da inteligência prática. Mas haverá predomínio do pensamento verbal.

Neste momento do predomínio do pensamento verbal, a palavra atingirá as suas principais funções que é a de comunicar e de generalizar. À função de comunicar, Luria (1986) denominou por referência objetal “a função da palavra que consiste em designar o objeto, o traço, a ação ou a relação” (p. 43). A função de generalização que ele denominou por

significado surge em decorrência da função de referência objetal, e tem por finalidade organizar os objetos, situações em um sistema de categorias.

A referência objetal de um objeto, ao qual Luria (1986) se refere, não é fixa e única, pois ela se modifica ao longo do desenvolvimento de acordo com as experiências vivenciadas. Além disso, o autor explica que na língua existem diferentes significados, como é o caso das palavras homônimas, aquelas que possuem significados diferentes, mas que são pronunciadas da mesma forma e algumas vezes com a mesma grafia. Um exemplo disso é a palavra “banco”, que pode designar tanto um “assento” ou uma “instituição financeira”. O que torna possível esta diferenciação do significado entre as palavras homônimas é o contexto na qual elas são ditas e a entonação em que elas são pronunciadas (LURIA, 1986).

Todavia a variedade de significados das palavras não se limita apenas a sua polissemia, visto que atrelados a uma determinada palavra outras são evocadas por remeterem ao seu significado. Isto é o que Luria (1986) denomina por significado associativo como, por exemplo, a palavra “escola” pode evocar as palavras “caderno”, “lápis”, “borracha”. Outro exemplo pode ser observado na palavra “carro”, cujos significados associativos podem ser “volante”, “roda”, “motorista”, “buzina”, etc.

As generalizações, que são os significados das palavras, caracterizam-se por serem estáveis, visto que uma única palavra pode remeter a diferentes representações, mas todas elas apresentam traços em comuns que as permitem estar inseridas em um mesmo sistema de categorias. Esta é uma das funções mais importantes da palavra, pois permite o desenvolvimento de duas operações importantes para a consciência que são: a abstração, que consiste na capacidade de tornar presente um objeto ausente; e a generalização, que permite incluir um objeto em um sistema de categorias. Dessa maneira, “ao abstrair um traço característico e generalizar o objeto, a palavra se transforma em instrumento do pensamento e meio de comunicação” (LURIA, 1986, p. 37). Entretanto, ao tratar da construção do significado não se pode desvencilhá-lo do sentido, entendido por Luria (1986) como significado individual, que por sua vez está relacionado com as experiências afetivas vivenciadas pelo sujeito em relação ao objeto, ação ou relação.

Percebe-se, portanto, que a construção do significado das palavras ocorre ao longo do desenvolvimento da criança e está relacionada não só com a situação prática propiciada pela sua experiência com os objetos e as situações ao seu redor, mas também com o nível do seu desenvolvimento da linguagem. Luria (1986) cita um exemplo de que uma mesma palavra para crianças com idades diferentes pode designar a mesma coisa, mas a atribuição de significados de cada criança será diferente, uma vez que isto terá relação com as estruturas

semânticas e os processos psicológicos que se formaram e se modificaram ao longo do tempo. Assim, quando a criança ainda é pequena, as palavras pronunciadas têm relação afetiva com a situação prática, quando é um pré-escolar estas palavras possuem um caráter concreto, que estão relacionados com os objetos reais; já na fase posterior, as palavras apresentam um caráter lógico e abstrato relacionados com as relações lógico-verbais (LURIA, 1986).

Conclui-se que a construção do significado das palavras ocorre ao longo de todo o desenvolvimento da criança, cuja importância não é somente na modificação da estrutura semântica das palavras, mas especialmente nos processos psíquicos, dentre eles, a formação de conceitos, permitindo-lhe que opere com a imagem dos objetos, independente destes objetos estarem ou não presentes. Este assunto será tratado no tópico seguinte.

3.2. O processo de formação de conceitos e os métodos desenvolvidos para investigar