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DESENVOLVIMENTO MOTOR NA INFÂNCIA

No documento A CRIANÇA, O MEIO E O PERFIL PSICOMOTOR (páginas 43-47)

DESENVOLVIMENTO MOTOR

2.3. DESENVOLVIMENTO MOTOR NA INFÂNCIA

Como vimos anteriormente, o estudo do desenvolvimento motor tem como objectivo principal explicar e descrever as modificações observáveis no comportamento motor humano, ao longo da vida.

Um objectivo tão abrangente, recorre naturalmente a contributos de diferentes áreas do conhecimento, prioritariamente às ligadas ao estudo da evolução de organismos vivos, numa perspectiva biológica, ou às que se preocupam com o estudo dos comportamentos humanos, quer a nível individual, quer social.

O século XX ficou conhecido como o século da criança. Nunca tanto se reflectiu, investigou e escreveu sobre pedagogia, psicologia, desenvolvimento e educação como a partir sensivelmente da década de 50.

Enquadramento teórico – Desenvolvimento motor

Hoje em dia as etapas da evolução motora são bastante conhecidas. Guillarme (1983) afirma que numerosos trabalhos permitiram estabelecer um conjunto de factos decisivos, em particular a existência de duas leis que fundamentam uma ordem de sucessão no aparecimento de novas funções: a chamada lei do desenvolvimento “céfalo-caudal”, e a conhecida como lei do desenvolvimento “próximo-distal”.

A lei “céfalo-caudal” estabelece que o desenvolvimento motor da criança se inicia “pelo alto do corpo e atinge pouco a pouco os membros inferiores” (Zazzo, 1968, citado por Guillarme, 1983, p. 21).

Esta lei “descendente” é referida pelo autor como marcada por uma série de etapas na coordenação estática e resume-as assim:

- aos 2 meses, a cabeça torna-se progressivamente recta e estável;

- com 4 meses, a criança colocada de bruços, levanta a cabeça e o tórax e pode fazer com a cabeça movimentos de rotação;

- entre os 5 e 6 meses, pode permanecer sentada com apoio; - entre os 7 e 8 meses, fica sentada sem apoio;

- por volta do 8º mês, gatinha;

- por volta do 9º mês, levanta-se e senta-se (partindo de uma posição de deitada); - por volta do 10º mês, fica de pé com apoio;

- por volta dos 11-12 meses, caminha com ajuda de outrem; - por volta dos 12 meses, a criança caminha sem ajuda.

A lei “próximo-distal” realça um outro facto importante, o desenvolvimento motor da criança, partindo do eixo do corpo estende-se, pouco a pouco, às extremidades dos membros.

Guillarme (1983, p. 22) refere que “esta lei do desenvolvimento da motricidade humana mostra, de forma clara, que o controlo da motricidade das raízes dos membros precede o das extremidades distais”

A capacidade das crianças se movimentarem é essencial para que possam interagir adequadamente com o meio ambiente em que vivem e é sobre a infância que a maioria dos estudos sobre desenvolvimento motor se concentra.

Santos, Dantas e Oliveira (2004, p. 39) apontam algumas razões para o interesse crescente pelos conhecimentos acerca do desenvolvimento motor:

A) os paralelos existentes entre o desenvolvimento motor e o desenvolvimento neurológico, com implicações para o diagnóstico do crescimento e desenvolvimento da criança;

Enquadramento teórico – Desenvolvimento motor

B) o papel dos padrões motores no curso de desenvolvimento humano, com implicações para a educação da criança bem como para a reabilitação de indivíduos com atrasos ou desvios de desenvolvimento;

C) adequação e estruturação de ambientes e tarefas motoras dos estágios de desenvolvimento, de forma a facilitar e estimular esse processo.

Um dos aspectos mais intrigantes do desenvolvimento humano, em geral, e motor, em particular, é que o desenvolvimento é marcado por uma grande similaridade (universalidade) no comportamento motor, e diversidade (variabilidade intra e inter-individual) na sequência do desenvolvimento (Connolly, 1986).

Durante o desenvolvimento intra-uterino, além do crescimento físico, a motricidade passa por diferentes e complexas transformações, devendo atingir, no momento do nascimento, uma sofisticação considerável em termos de capacidade de adaptação e de potencialidade desenvolvimental.

Rosa Neto (2002) advoga que desde o momento da concepção, o organismo tem uma lógica biológica, uma organização, um calendário maturativo e evolutivo, uma porta em que a interacção e a estimulação se abrem. Durante a gravidez, o feto começa a dar sinais de vida ao mundo, por meio, fundamentalmente, de uma actividade motora:

o movimento contém em si mesmo a sua verdade, tem sempre uma orientação significativa em função da satisfação, das necessidades que o meio suscita. O movimento e o seu fim são uma unidade e, desde a motricidade fetal até à maturidade plena, passando pelo momento do parto e pelas sucessivas evoluções, o movimento projecta-se sempre frente à satisfação de uma necessidade relacional (p. 11).

McCall (1981) no seu “modelo de concha” ou “modelo de colher”, referiu que:

até aos dois anos de idade, o desenvolvimento humano é “canalizado” pelo genótipo que restringe geneticamente a criança a um conjunto mais limitado e estreito de consequências no fenótipo. Uma criança nascida quer em África, quer na Amazónia, quer na América, ou na Europa, por exemplo, revela naquele período de desenvolvimento o mesmo padrão neurobiológico de aquisições evolutivas da espécie humana, com diferenças pouco discerníveis (ex: tónicas, posturais, motoras, sensoriais, comunicativas, cognitivas, etc.), apesar da enorme diversidade de práticas, de cuidados culturais e de estratégias maternais que a envolvem (…) a partir dos dois anos, a concha “abre” para diferentes campos evolutivos (“developmental path ways”) mais dependentes das influências culturais, e por isso, mais diversificadas qualitativamente, onde as experiências e as influências do meio passam a estar mais correlacionadas com o envolvimento (citado por Fonseca, 1999, p. 63-65).

Fonseca (1999, p. 65), acrescenta ainda que o desenvolvimento da criança, a partir dessa idade (2 anos), se torna bem mais vulnerável “às mudanças dos ventos que sopram” do seu envolvimento sócio-cultural imediato, onde as diferenças e as variações individuais surgem mais frequentemente, e as condições adversas e atípicas são de mais difícil recuperação e reabilitação, na medida em que estão em jogo a apropriação de conquistas mais complexas como por exemplo: “práxias mais dissociadas, competências

semântico-Enquadramento teórico – Desenvolvimento motor

sintáticas mais diversificadas, processos de simbolização, de conceptualização e de raciocínio lógico bem mais hierarquizados”.

Papalia e Olds (2000) referem que as mudanças que ocorrem na infância são mais amplas e aceleradas do que qualquer outra que venha a ocorrer no futuro. Estes autores afirmam que dos três aos seis anos as crianças vivem a segunda infância. Neste período, a aparência muda, as suas habilidades motoras e mentais florescem e a sua personalidade torna-se mais complexa. Todos os aspectos do desenvolvimento (físicos, cognitivos e psicossociais) continuam interligados.

As crianças, de dois a seis anos, apresentam as habilidades perceptivo-motoras em pleno desenvolvimento, mas ainda confundem direcção, esquema corporal, temporal e espacial.

Autores como Gallahue e Ozmun (2005) advertem que a variabilidade das habilidades fundamentais está a desenvolver-se de forma que as actividades bilaterais não apresentem tanta consistência como as actividades unilaterais; o controlo motor fino ainda não se encontra totalmente estabelecido, embora em fase de um rápido desenvolvimento. Dividem, assim, a fase dos movimentos fundamentais em três estágios:

1- Estágio inicial (2 a 3 anos): o movimento da criança é caracterizado por uma sequência imprópria, uso marcado ou restrito do corpo, com uma pobre coordenação rítmica;

2- Estágio elementar (4 a 5 anos): já envolve um maior controlo, melhor coordenação rítmica dos movimentos fundamentais;

3-Estágio maduro (6 a 7 anos): caracterizado pela eficiência mecânica, coordenação e perfomance controlada.

Coincidindo, o período acima referido, com o período pré-escolar, Pérez (1999) defende que é a época da aquisição de habilidades motoras básicas, sendo que, os movimentos fundamentais são considerados verdadeiros núcleos cinéticos. A capacidade de se moverem, cada vez de forma mais acelerada está relacionada com diversos factores, como a maturação neurológica, que permite movimentos mais completos, e o crescimento corporal, que vai permitir maior domínio do corpo, facilitando o movimento e a disponibilidade para realizar actividades motoras.

Para Fonseca (1995, p. 318)

a criança entra no mundo objectivo criado pelos homens através da sua progressiva autonomia motora, meio crucial de exploração do envolvimento e meio imprescindível da

Enquadramento teórico – Desenvolvimento motor

consciencialização progressiva. (…) Até ao domínio da linguagem falada, a motricidade em perfeita harmonia com a emoção, é o meio privilegiado de exploração multissensorial e de adaptação no envolvimento.

Sintetizando, as ideias, dos autores referidos neste texto, gostaríamos de concluir com Gallardo (2003) que define a infância como uma fase caracterizada por concentrar as aquisições fundamentais para o subsequente desenvolvimento humano, pois é nesta etapa da vida que se forma toda a base motora para a realização de movimentos mais complexos que a criança vai efectuar no futuro. É, por isso, importante que a criança tenha um bom acompanhamento no seu desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial, como refere Fonseca (1999, p. 59) “Para abordarmos evolutivamente o desenvolvimento humano numa perspectiva ontogenética integrada, teremos de compreender que existe uma vasta e complexa história filogenética de ajustamentos adaptativos por detrás das metamorfoses neurofuncionais da criança, até ela se tornar numa pessoa, na verdadeira essência da palavra.”

Entre os autores, parece existir unanimidade quanto à importância de se conhecerem as características que compõem as habilidades básicas que contribuem efectivamente para o processo de desenvolvimento motor da criança. Mas estamos em crer que as polémicas entre o inato e o adquirido têm uma “janela aberta” nos próximos anos, tendo em conta que o genoma humano deixou de ser desconhecido e intocável.

2.4. DIFICULDADES DE EXPRESSÃO E REALIZAÇÃO MOTORA

No documento A CRIANÇA, O MEIO E O PERFIL PSICOMOTOR (páginas 43-47)