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3 DESENVOLVENDO AS COMPETÊNCIAS FILOSÓFICAS DE LEITURA,

3.4 O desenvolvimento da pesquisa

Após o período de investigação metodológica-bibliográfica, sobre a qual se fundamentaram os dois primeiros capítulos desta dissertação, iniciou-se a implementação da pesquisa na turma do 9º Ano, da Escola de Nosso Mundo. Passa-se, neste momento, a um relato direto, a partir da perspectiva do pesquisador, dos eventos que se sucederam durante a fase de aplicação, que teve início em fevereiro do ano de 2019, estendendo-se até meados de novembro do mesmo ano.

O primeiro momento da pesquisa aplicada foi de planejamento em que se buscou articular com a coordenação da escola as atividades do projeto Clube de Filosofia. A pedido da escola, ficou decidido que, em vez de se seguir a proposta de substituição da disciplina de filosofia por um grupo de pesquisa, deveria se abrir um novo horário semanal, específico para as atividades do grupo de pesquisa. A justificativa é que a estratégia em fase de teste poderia não dar conta dos conteúdos previstos para serem trabalhados na turma do 9º ano. Esta mudança de planejamento influenciou de forma marcante o desenrolar das atividades do clube e sua recepção na turma como se verá em seguida.

Logo, optando-se por essa mudança, deveria ser feita uma adequação de horários para garantir o concomitantemente o trabalho da disciplina de filosofia e do Clube. Todavia, o que

se apresentou como uma solução configurou-se como uma armadilha. Apesar de saber que poderia ser um problema para o desenvolvimento das atividades, a coordenação destinou os dois últimos horários da sexta-feira (11h10 às 12h50) para execução das aulas e do projeto. Infelizmente, foi a única solução encontrada pela escola e não se podia mais voltar atrás em sua aplicação porque o projeto já havia sido anunciado a toda a comunidade escolar.

Deste modo, continuou-se o desenvolvimento da proposta e chegou ao conhecimento dos alunos - antes mesmos de as aulas começarem - a alteração de horário. A questão se tornou um dilema principalmente porque a turma do 9º ano, antes da apresentação do projeto, teria um horário de aula a menos às sextas-feiras que agora seria ocupado pelas atividades do Clube de Filosofia. Iniciou-se assim um movimento de resistência à implantação da metodologia pesquisada nesta dissertação. Ao descobrirem que a responsabilidade era do professor de filosofia, grande parte da turma passou a rejeitar tanto as aulas da disciplina quanto as oficinas do projeto.

As reclamações se repetiram ao longo dos três primeiros meses, apesar de as tentativas de sensibilização, por meio de dinâmicas e conversas. Tentou-se de tudo para que os alunos se sentissem motivados, mas a fome, a estafa da semana, a frustração da liberdade ceifada falou mais alto durante os primeiros meses da pesquisa. O primeiro impacto deste dilema foi um dos principais motivos para o atraso no desenvolvimento da sequência didática que havia sido pensada anteriormente. O desânimo contaminou toda a iniciativa, agravando o mau comportamento dos alunos e a indisciplina na sala de aula, expressada em conversas paralelas e até zombarias. O projeto Clube de Filosofia, pensado como um instrumento para ser um aliado da pesquisa, foi um desastre durante todo o primeiro semestre.

As oficinas para o ensino e exercício das regras de leitura ainda não tinham sido concluídas quando as férias de julho chegaram. Durante os primeiros meses, o trabalho foi mantido sob clima de estresse e desalento. Era necessário reconhecer que o mau comportamento da turma também se intensificou devido às mudanças e às ansiedades pelo qual passam os jovens na transição do Ensino Fundamental para o Ensino Médio. Foram assim necessários muitos momentos para se repensar toda a estratégia de desenvolvimento do trabalho para que ela alcançasse os alunos, pelo menos a maioria deles. A turma que, no ano anterior, gostava da disciplina passou a ver a filosofia como a barreira para a sua liberdade. Em contraposição a este quadro, a implementação da estratégia manteve-se possível graças ao auxílio de alunos mais interessados que se reconheceram a situação difícil pela qual passava o professor-pesquisador. Apesar disso, é importante registrar que toda a situação agravou o estresse nas relações entre professor e alunos.

Para além do desânimo dos alunos, houve outro motivo que dificultou a condução das atividades do projeto no primeiro semestre: teve de se buscar soluções para um calendário escolar corrido. Durante praticamente todo o mês de junho, a atenção dos alunos ficou concentrada em feira escolar anual chamado Literarte - o mais importante evento cultural da escola, que concentra forças de todas as disciplinas. Sendo a disciplina de filosofia e o encontro do Clube realizados às sextas-feiras, nos últimos dois horários, os horários eram frequentemente tomados por outras atividades. Durante três semanas entre maio e julho, não houve encontro com os alunos em decorrência de planejamento e execução de tarefas da feira escolar. O desenvolvimento da pesquisa laboratorial seguiu lentamente assim passando por momentos consecutivos de discussão, avaliação rápida e adequação. A pausa das atividades escolares no mês de julho foi fundamental.

As férias foram utilizadas para rever a estratégia do Clube de Filosofia e repensar a dinâmica de sua realização na sala de aula. Uma das primeiras propostas levantadas foi reduzir o período de atividade para que se os estudantes não reclamassem mais tanto do horário estendido. Outra foi reforçar os vínculos entre professor e aluno para que eles entendessem que a pesquisa seria um benefício para a turma e não um problema: propôs-se uma roda de conversa, o que facilitou a exposição de dificuldades e o que melhorou o canal de comunicação entre professor e os estudantes. Aplicada já na volta às aulas, em agosto de 2019, as duas medidas foram bem recebidas pela turma.

O período de realização do Clube de Filosofia passou de 50 minutos para 25 minutos e os estudantes ficaram menos contrariados. Provocou um resultado positivo ainda a roda de conversa em que mais uma vez expôs-se como todo o trabalho estava sendo desenvolvido ao longo do ano, os objetivos e os benefícios do clube. Os alunos passaram a entender que estavam dentro de um processo de pesquisa. O vínculo pedagógico que esteve à beira de ser rompido foi retomado, após os acordos estabelecidos com a turma.

No fim do mês de agosto as atividades do Clube de Filosofia se intensificaram, porém com o tempo reduzido pela metade e ainda com o cansaço empreendido pelo horário somado a pontuais casos de indisciplina - contidos de forma rápida - o desenvolvimento da sequência didática acabou atrasando. Conforme o planejado, ela devia ter sido encerrada no fim de agosto para já se passar à fase de aplicação das provas em setembro, porém não foi possível. Principalmente, porque os primeiros passos da sequência acabaram tendo de ser reiniciados, devido aos poucos resultados obtidos ao longo do primeiro semestre, marcado pela resistência ao projeto dentro da turma.

Apesar do ritmo lento do desenvolvimento da sequência didática, aproveitou-se ao máximo o tempo para aplicação de exercícios e atividades, produzidas a partir das regras de leitura e dos textos de filósofos, que envolviam diferentes temáticas, como a teoria crítica à

sociedade do consumo; a deficiência de atenção no mundo atual; a fragilidade das relações e das amizades; a reinterpretação do mundo a partir da filosofia etc. Foram utilizados trechos de textos de autores como Zygmunt Bauman, Byung-Chul Han, Montaigne, Merleau-Ponty, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Wittgenstein. Os exercícios foram produzidos com questões fixas - sendo que continuamente as novas regras eram inseridas.

Por volta do fim de setembro, as atividades da terceira fase da sequência didática foram concluídas, sendo encerrada com uma aula sobre A leitura como uma conversa entre amigos e

Como ler e argumentar a respeito de problemas filosóficos.

Em um diálogo com a coordenação da Escola Nosso Mundo, ficou acertado que a prova bimestral da turma do 9º ano, a ocorrer em setembro, seria produzida nos moldes das atividades do Clube de Filosofia. Seria uma forma de engajar os alunos nas atividades propostas para o desenvolvimento das competências de forma mais direta. O retorno foi imediato. Os alunos gostaram da experiência e pediram que a prova e mantivessem em igual formato no mês de outubro, pedido que foi aceito pela coordenação. Mais adiante, na fase de discussão da pesquisa, a avaliações de setembro serão apresentadas e serão uma das principais bases de avaliação desta metodologia de ensino.

A partir daí, no início de outubro, passou-se à quarta e última fase da sequência didática do Clube de Filosofia, com a preparação dos grupos de pesquisa para produção do Seminário de Filosofia. Tanto a escolha das equipes quanto dos temas que elas estudariam foram produzidas por sorteio, para garantir a aleatoriedade da execução das tarefas. Tomou-se como base, como já dito antes, as discussões filosóficas realizadas por Mortimer Adler na sua obra

Como Pensar Sobre Grandes Ideias (2013).

A escolha do livro foi motivada pelo fato de ele compilar sistematicamente problemas filosóficos sobre diferentes aspectos e pontos de vista - o que facilita a introdução das questões mais profundas da filosofia. Por exemplo, no caso do problema filosófico “O que é a verdade”, o autor subdivide a discussão em cinco capítulos: 1. Como pensar sobre verdade? 2. Como pensar sobre opinião? 3. A diferença entre conhecimento e opinião; 4. Opinião e liberdade humana? 5. Opinião e a regra da maioria. Segundo o educador Mortimer Adler, a intenção da obra é dar ao leitor uma compreensão intelectual sobre as palavras que usamos comumente; e assim “pensar sobre as ideias que estão por trás da nossa comunicação cotidiana e reconhecer as principais perguntas que fundamentam estas ideias” (ADLER, 2013, p. 21-22).

Organizados a partir de eixos específicos, os textos foram apresentados aos alunos em apostilas, produzidas exclusivamente para fins didáticos. Foram formados seis grupos, quatro deles com seis integrantes e dois com cinco. Para cada grupo, foi distribuída uma apostila com uma reunião de textos filosóficos sobre um problema específico. Os temas, sorteados, foram os seguintes: a) O que é o ser humano? b) O que é a beleza? c) O que é a justiça? d) O que é o trabalho? e) O que é o governo? e e) O que é a mudança e o progresso?. Após a divisão, os alunos passaram a ler os textos durante os encontros do Clube, respondendo questões relacionadas às regras de leitura.

Além da apresentação do seminário, os alunos deveriam entregar um questionário, respondendo às principais regras de leitura. O exercício tinha o objetivo de dar a eles uma certa segurança sobre o assunto que exporiam durante as apresentações. Após duas reuniões com a turma, ficou acertado que os grupos deveriam entregar uma cópia do questionário respondido no dia 6 de novembro e apresentar o Seminário de Filosofia no dia 20 de novembro. A atividade do seminário correspondeu à última nota da disciplina de filosofia, no caso a nota bimestral do quarto e último período escolar.

O atraso nas apresentações se deu devido a mais um evento escolar, chamado Sarau Literário, que acabou cobrando a atenção da turma de 9º ano, pois estes precisavam ensaiar peças e esquetes durante o período das aulas. Em decorrência desse atraso, não será aprofundada a avaliação do seminário como instrumento durante a fase de análise desta proposta metodológica, porém ressalta-se como mecanismo pedagógico, por sua capacidade de mobilização da turma.

Um modo de tornar o seminário mais atraente aos alunos foi torná-lo avaliativo do ponto de vista individual, como supracitado, como também do ponto de vista coletivo. O seminário havia sido planejado para ser aberto para toda escola, mas diante da resistência dos alunos e do prazo curto, optou-se por mantê-lo restrito à turma. Apesar disso, foi montada toda uma estrutura para a sua apresentação. Uma mesa foi montada na sala de aula, com as cadeiras em formato de auditório. Adotou-se o seminário, a partir de um modelo competitivo. O grupo que obtivessem melhor nota receberia uma premiação em livros - um para cada integrante da equipe. Inspirados nas regras de leitura de Mortimer Adler, os critérios de avaliação do Seminário de Filosofia foram: 1. Domínio do assunto e dos termos (Compreensão geral do tema); 2. Coerência e coesão na apresentação (Estruturação da exposição); 3. Capacidade de elaborar perguntas (Capacidade argumentativa); 4. Clareza e domínio do tempo (Capacidade retórica) e 5. Capacidade de crítica ao assunto (Pensamento crítico e posicionamento diante do exposto).

Uma última reunião com os líderes dos grupos foi marcada no dia 13 de novembro para apresentar as regras e molde das apresentações. Cada equipe deveria apresentar seu seminário em cerca de 15 minutos, tendo cinco minutos para responder questões interpostas pelos colegas de sala. O tempo destinado a todas as apresentações foi de 120 minutos e para todo seminário de 150 minutos (três horários de aula, duas horas e meia), contando com atrasos e abertura e finalização. A execução do seminário ocorreu no dia 20 de novembro com a participação da turma.