• Nenhum resultado encontrado

8 DA CRISE GLOBAL ÀS ESTRATÉGIAS LOCAIS

8.1 DESENVOLVIMENTO REGIONAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL

Por outro lado, quando se pretende aprofundar as questões referentes ao desenvolvimento local e às iniciativas locais depara-se com uma confusão que usualmente se comete entre a região e o local, confusão essa que provêm de um erro de definição, e que até hoje está por resolver, “entre a dinâmica dos sistemas que instituem a análise regional e a dinâmica dos actores que instituem a análise local”.1

A análise regional incide a sua pesquisa sobre os efeitos de aglomeração, que resultam da agregação das decisões dos actores - individuais ou colectivos - cujos impactos se tornam visíveis e mensuráveis através da concentração de informação

dispersa, articulada com a lógica da pesquisa.2

A análise do espaço local vai seguir o que se pode denominar por individualismo

1 - idem, p. 116

2 - Cf. GUERRA, Isabel Pimentel (1991) - Changements Urbains et Mode de Vie dans la Péninsule de

Setúbal. de 1974 a 1986, Tese de Doutoramento, Tours, Université François Rabelais, p. 40

metodológico e cujo princípio de análise está focalizado na confrontação dos actores , ao nível das negociações e das convergências, e dos conflitos e divergências entre os diversos e diferentes interesses.

O espaço regional será definido pelo investigador, mediante o problema que quer explicar, ao passo que o espaço local será definido pelas dimensões sociais e culturais das trocas realizadas entre actores.

Presentemente a questão regional tem como nó central de interrogações “ a articulação entre o sistema e o actor, a saber, entre os grandes movimentos de sedimentação das regiões que funcionam como «balizas» condicionantes do comportamento dos actores e as lógicas de acção de uma multiplicidade de actores individuais e colectivos por eles produzidas.”1

Quadro 4 - Evolução das Concepções sobre o Espaço

Hipóteses Contexto Objectivos Função

Espaço homogéneo Revolução Industrial Racionalização dos movimentos de localização

das actividades produtivas

As trocas

Espaço polarizado Crise de 1929

Reconstrução pós 2ª Guerra Mundial

Acção sobre o espaço Redução das disparidades Espaciais

A Acção da Empresa

Espaço da relação social

Crescimento do fenómeno urbano Explicação das polarizações Re-introdução do social no económico

A relação social

Fonte: PECQEUR, Bernard (1987) -De l’Espace Fonctionnel à L’Espace-Territoire, Grenoble, Tese de Doutoramento de Estado., Université des Sciences Sociales de Grenoble

É indiscutível que o nível local tem vindo a apresentar uma elevada capacidade de apreensão dos problemas sociais e económicos, capacidade essa que é percepcionada

1 - idem, p. 41

de forma directa, concreta e global, recorrendo a uma linguagem e a uma acção tendente a uma prática ou a conjuntos de práticas que envolvem os actores locais e que fazem apelo a duas correntes: uma corrente identitária, assente na noção de local ou de território local; uma outra corrente que assenta sobra a noção de desenvolvimento local.

Pese embora se trate de lógicas de acção distintas, essa distinção não deve ser tomada em absoluto, mas sim de uma forma complementar entre si. A sua combinação possibilita uma associação de fórmulas diversas que envolvem um incremento e difusão de produtos típicos locais, que vão para além do próprio artesanato e que constituem os chamados produtos raros e não estandardizados, a criação de empresas – micro, pequenas e médias, de produção ou de serviços – capazes de absorver parte da mão-de- obra local, desenvolvimento e alargamento da formação profissional – inicial e de reciclagem – para trabalhadores em idade activa, alargamento do peso da mecanização nas zonas rurais.

Todavia, há a considerar que as medidas a tomar ao nível local passam, necessariamente, por se identificar as potencialidades e os constrangimentos locais. Por outro lado, a procura de consensos entre actores é tarefa primordial para a elaboração, concretização e êxito das políticas locais.

Há, pois, todo o interesse em fazer desaparecer as oposições entre interesses diferentes, entre racionalidades diferentes, entre lógicas de desenvolvimento local diferentes e procurar um acordo em torno de um projecto comum.

Esta procura impõe-se através de um processo de desenvolvimento local, na medida em que a conflitualidade pura é a grande responsável pela diminuição da eficácia da acção.

Mas, se o acordo total parece impossível – quer em termos de objectivos, quer em termos dos próprios actores – os objectivos identificados como cruciais devem, pelo menos, reunir um largo consenso por parte dos actores locais.

Esta dificuldade é acrescida quando os territórios apresentam uma complexidade que é cada vez maior e que decorre de um vasto conjunto de relações contraditórias entre si, nomeadamente as situações que envolvem características rurais e urbanas, industriais e pós-industriais.

consensos não significa encontrar unanimidades. O consenso, refere José Arocena, constrói-se a cada momento, assentando as suas bases em processos de negociação

permanente.1

Assim sendo, há que proceder à identificação dos principais problemas – de natureza social, económica, política e cultural – de modo a constituir uma base sólida onde assentem os consensos possíveis.

Essa base pode abarcar, a título de exemplo, as questões relacionadas com as especificidades locais e, no caso do território do município de Palmela, as questões que se prendem com o seu espaço rural – a produção de vinho e de queijo de Azeitão – as questões culturais e simbólicas dos lugares – o castelo de Palmela como sede da Ordem de Santiago ou as grutas de Quinta do Anjo e a cultura do Campaniforme e todas as potencialidades culturais e económicas daí decorrentes.

Nas sociedades europeias, onde os processos de descentralização foram realizados, é possível encontrar uma interacção entre duas dinâmicas:

• uma dinâmica de descentralização vertical que se caracteriza pela reforma do

sistema político-administrativo, relacionada com a esfera do poder central e que procura satisfazer um conjunto de processos de reconstituição local, de modo a possibilitar a sua realização plena;

• uma dinâmica de descentralização horizontal que implica a criação de formas

institucionais que se adaptam às necessidades do desenvolvimento, nomeadamente nos aspectos que se prendem com as iniciativas desenvolvidas pelos actores locais.

No entanto, em Portugal o Estado encontra-se ainda bastante centralizado pelo que a interacção entre estas duas dinâmicas não se verifica ou, quando se verifica. tal acontece de modo muito incipiente.

Ao avançar-se com estratégias locais, através de uma dinâmica horizontal, corre- se o risco de se apontar para estratégias desligadas do contexto regional e do contexto

1 - Cf. AROCENA, José (1986) – Op.cit., p. 51

nacional. O mesmo será afirmar que uma sociedade local não pode ignorar a existência de uma forte interacção entre o que é nacional e o que é local, entre o centro e a periferia.

Esta relação, que no quadro actual da União Europeia se mostra crucial, isto é, um movimento centrífugo tendente ao estabelecimento de um Estado Federal Europeu e uma sobrevalorização das especificidades locais, impõe-se contra as vontades centralizadoras dos Estados e apresenta-se como elemento enriquecedor para os actores locais.

Todavia, a capacidade de acção dos actores locais passa pelas relações que mantêm com o local, ou seja, passa necessariamente pela identidade local de que são, ou não, possuidores.

Esta relação entre a identidade local e a economia local apresenta-se forte, na medida em que “uma crise de identidade profunda acompanha os processos de crise económica”1; tal situação é clara sobretudo em territórios onde a indústria mostrou, nas últimas décadas, sinais de crise profunda, situação que a tornou responsável pela falta de estruturas identitárias.

Por outro lado, a identificação com o território local transformou-se em mais- valia perante o conjunto de estratégias de desenvolvimento local, na medida em que as potencialidades e os constrangimentos do local são melhor apercebidos e melhor apreendidos.

Os processos tecnológicos, cuja aceleração tem sido nítida nas últimas décadas, vão ser os responsáveis por colocar duas situações:

• o corte natural com as técnicas do passado;

marginalização crescente da população não qualificada tecnicamente 2

Estes dois fenómenos das sociedades contemporâneas vão pôr em presença dois aspectos fundamentais:

1 - idem, p. 71

• o desenvolvimento;

• a identidade.

Se a dimensão tecnológica foi parte integrante da chamada cultura industrial, já o desenvolvimento acelerado das tecnologias foi o responsável pela emergência de uma nova identidade do trabalho.

Esta nova relação levanta um conjunto de questões que se colocam face ao lugar ocupado pelo saber e pelo saber-fazer nas sociedades actuais, à importância da transmissão dos saberes tradicionais, associados às artes e aos ofícios.

Visto de outra perspectiva, surge o problema que é colocado pelas populações marginalizadas pelas estruturas produtivas em crise e que as coloca numa situação de desemprego de longa duração. Esta situação tem sido a responsável por uma transformação radical no que concerne aos processos de integração social. Se outrora a integração social era feita através do trabalho, agora tal integração é feita por outros processos que são decorrentes da dimensão cultural.

Esta articulação entre o cultural e o económico é também responsável pelo processo de formação dos novos actores sociais locais, na medida em que estes “exprimem uma identidade local e, ao mesmo tempo, descobrem a possibilidade de agir dentro de novos domínios (...) para responder aos desafios do desenvolvimento.”1

A identidade de uma comunidade vai, assim, implicar a sua capacidade de intervenção. Esta ideia é reforçada pelo facto das próprias sociedades locais possuírem uma carga elevada de traços do passado, contribuindo, assim, para a não neutralidade do espaço e revelando que esse espaço-território é o responsável por exprimir a história dos homens.

8.2 - QUE INDICADORES PARA A ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO