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Desenvolvimento regional no período nacional-desenvolvimentista

PARTE I O PROBLEMA PELOS OUTROS: ELEMENTOS EXTERIORES AOS PROCESSOS DE

1.1 Desenvolvimento regional no período nacional-desenvolvimentista

Diversos autores do campo da economia regional, como Wilson Cano (1998), Carlos Américo Pacheco (1998) e Clélio Campolina Diniz (1993), centraram as suas análises sobre as consequências regionais do processo de industrialização brasileiro. Embora esses autores apresentem certa divergência quanto às tendências locacionais a partir das reformas econômicas dos anos de 1990, eles são unânimes em apontar que até 1970 verificou-se uma tendência à concentração da atividade na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)10. Eles compartilham a percepção de que, em um

contexto de escassez de recursos para a promoção da transformação industrial, típico de países em desenvolvimento, a concentração regional seria a forma mais eficiente de alocação desses recursos. Nesse momento, a política industrial e a regional estiveram dissociadas.

Entre 1970 e 1985, a fim de mitigar as então crescentes desigualdades regionais, impulsionadas pelos investimentos do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), políticas específicas de desconcentração produtivas foram levadas a cabo11. Tais

10

Para uma reconstrução histórica do processo de industrialização de São Paulo, desde as suas origens mais remotas no ciclo do café, ver Miguel Matteo (2007).

11 Rigorosamente, políticas públicas de fomento ao desenvolvimento industrial fora de São Paulo já

vinham sendo formuladas e implementadas desde o final dos anos 1960. Destaco a criação das Superintendências para o Desenvolvimento do Nordeste e Amazônia (Sudene e Sudam) e da Zona Franca de Manaus (ZFM). Além delas e com foco não exatamente industrial, menciono a fundação de Brasília e o início de programas de colonização da Amazônia e Centro-Oeste.

políticas favoreceram, em algum grau, a maior parte do território nacional. A RMSP, puxada pela cidade de São Paulo, a partir de então passou a experimentar crescimento relativamente inferior ao de outras cidades e regiões brasileiras, o que pode ser observado na diminuição da sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) e na manufatura nacionais.

De qualquer forma, tanto o primeiro momento (até 1970), caracterizado por uma concentração regional da atividade, quanto o segundo (1970 a 1985), caracterizado por uma desconcentração regional relativa da atividade, estiveram inseridos em um mesmo padrão de desenvolvimento, caracterizado como nacional-desenvolvimentista, cujo horizonte era a integração do mercado nacional. Esse padrão foi marcado por (i) forte intervenção do Estado na economia, inclusive como produtor direto; (ii) execução de política industrial ativa durante todo o período, definida por substituição de importações, com orientação pelo mercado interno e protecionismo; e (iii) política regional igualmente ativa a partir do final dos anos de 1960, com foco na promoção do desenvolvimento fora da RMSP, mas, ao mesmo tempo, integrada e complementar a ela.

O período 1930-85 pode ser descrito como a trajetória da construção de uma matriz industrial complexa, relativamente integral e integrada, cujo horizonte último era reproduzir, internamente, os padrões de produção e consumo dos EUA e Europa. E, de alguma forma, isso foi feito, embora não de forma completa. Diferentes analistas chamaram a atenção para tal incompletude, seja na esfera da produção, seja na esfera do consumo. No mundo da produção, houve, por um lado, dificuldade para alcançar os mesmos níveis de produtividade do mundo desenvolvido (LIPIETZ, 1988), o que sugere limitações às estratégias excessivamente baseadas na importação de tecnologias (fábricas prontas); e, por outro, problemas e incapacidade relativa para tornar endógeno o progresso técnico, em uma situação na qual os setores-líderes da economia, como o automotivo, permaneceram com seus centros decisórios e de desenvolvimento tecnológicos localizados nos países de origem das grandes corporações (EVANS, 1982).

No plano do consumo, as dificuldades não foram menores. De meu ponto de vista, inclusive, foram maiores, quero dizer, mais dramáticas. Isso porque o que estava sendo construído no Brasil era um moderno parque industrial de produção em massa,

digamos, próprio da segunda revolução industrial. Para funcionar a todo vapor, ou melhor, a todo petróleo e eletricidade, dependia da formação de um mercado interno que gerasse demanda para a crescente produção e que proporcionasse economias de escala ao setor produtivo. Contudo, a formação desse mercado interno e, portanto, a generalização dos padrões de consumo do mundo desenvolvido, foi apenas parcial, atingindo não mais do que um quinto da população (FERNANDES, 1976; CARDOSO, 1978; EVANS, 1982; LIPIETZ, 1988; FURTADO, 2000)12. Vale notar que esse desdobramento foi exatamente o contrário do que aconteceu nos EUA e na Europa, lugares nos quais os trabalhadores foram convertidos em consumidores, ao mesmo tempo em que sistemas eficazes de proteção social foram gestados.

Agora, se o que estava em jogo para o Brasil era a constituição de um parque de produção em massa em economia autocentrada, à luz e à semelhança dos EUA e da Europa, do ponto de vista das grandes corporações a questão era acessar (ou manter o acesso a) mercados crescentemente protegidos, de países como o Brasil, que vinham se industrializando sob a égide de estratégias desenvolvimentistas. Assim, em contextos nacionais específicos, que encerravam simultaneamente o fortalecimento do Estado como ator econômico e políticas de proteção à produção (em território) nacional (LIPIETZ, 1988), as grandes corporações adotaram estratégias multimercado, caracterizadas pela dispersão espacial e pela replicação de unidades produtivas redundantes, como meio de assegurar o ingresso em mercados crescentemente protegidos (ARRIGH, 1996). Assim, uma série de multinacionais transferiram, para o Brasil, unidades produtivas. Elas mantinham suas unidades de decisão e de desenvolvimento tecnológico em seus países de origem, embora (i) produzissem no Brasil; (ii) estabelecessem relações de fornecimento com produtores locais; e (iii) fossem determinantes para a implantação de segmentos nos quais o país não detinha capacidade tecnológica e nem capital suficientes.

12 Não discutirei se a exclusão da maioria da população foi condição necessária para o enraizamento do

capitalismo no Brasil. O trabalho citado, de Florestan Fernandes, provavelmente fornece a visão mais bem elaborada dessa posição. Agora, pretendo apenas destacar que a implantação de uma indústria de caráter fordista no Brasil não veio acompanhada da formação de um mercado consumidor de massa.