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Quinto grande tema: adaptando tipologias para novas realidades

PARTE II O PROBLEMA POR SI MESMO: OS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

4.3 Considerações teórico-metodológicas sobre a classificação: uma defesa de sua adequação

4.3.5 Quinto grande tema: adaptando tipologias para novas realidades

Por fim, discuto as consequências da utilização de uma adaptação da tipologia da OCDE para a realidade da indústria brasileira. Seguindo as pistas deixadas por Ruy Quadros et al (1999), André Furtado e Ruy de Quadros Carvalho (2005) e Flavia Franco, Flavia Carvalho e Silvia Carvalho (2006), a adaptação de uma classificação desse tipo para a estrutura industrial brasileira é adequada, embora envolva distintos significados, relacionados às características peculiares da indústria de países

emergentes, quando comparados aos desenvolvidos.

Por um lado, a taxonomia, tal qual desenvolvida pela OCDE a partir de uma amostra de países membros, com base em dispêndios em P&D, expressa os setores localizados na fronteira do desenvolvimento tecnológico, o que significa que países específicos, mesmo os desenvolvidos, dificilmente exibem especializações produtivas em todos os setores classificados como sendo da mais alta intensidade tecnológica. Ao se considerar os países em desenvolvimento, uma hipotética adaptação da classificação para ou seu conjunto ou amostra de representantes, ou no caso da adaptação para um país específico, como no caso presente, o resultado do trabalho classificatório tem mais a ver com o esforço setorial de incorporação de tecnologia e de

catch up. Indica, portanto, a distância dos respectivos setores em relação à fronteira.

Por outro lado, a comparação da estrutura dos dispêndios em P&D entre países e, principalmente, entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento é

114 Outro caso de referência, também relacionado ao complexo de têxtil e vestuário, consiste no

bastante diversa. Em termos gerais, o desvio padrão médio dos dispêndios em P&D é significativamente menor nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos. Resultado: a conformação da estrutura setorial de esforços tecnológicos relativamente mais concentrada nos primeiros (com maior proximidade em termos de gastos em P&D entre setores mais e menos intensivos em tecnologia) e mais dispersa nos segundos (com maior distância de gastos entre tais setores).

Do ponto de vista da competitividade, esses resultados sugerem desempenho econômico distinto entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A maior distância média dos setores mais intensivos em tecnologia nos países em desenvolvimento em comparação com os mesmos setores de seus pares desenvolvidos remeteria a defasagens em face da fronteira tecnológica e carência de especializações setoriais mundialmente competitivas115. Já a menor distância média nos setores menos intensivos em tecnologia nos países em desenvolvimento, tanto em relação aos países do Norte quanto em relação aos setores tidos como de alta tecnologia em seus respectivos países, expressaria o fenômeno inverso: menor, ou mesmo inexistência, de defasagem em relação à fronteira e às especializações mundialmente competitivas nesses setores116.

Tomando os dois lados conjuntamente, a realização de adaptação da classificação da OCDE para a estrutura industrial de países específicos possibilita, em termos gerais, a observação do esforço desses países em acompanhar as tendências mundiais, seguida da identificação dos setores com melhor desempenho e de especializações. Em termos específicos, a adaptação permite a consideração de setores que, por diferentes motivos, tenham desempenho diferente da média dos países desenvolvidos em termos de esforço tecnológico.

No Brasil, talvez, o caso mais citado seja o do petróleo, que passou de média- baixa para alta intensidade tecnológica. Isso porque a extração de petróleo em águas profundas demandou (e continua demandando) soluções mais complexas do que as

115 Na experiência brasileira, exceções seriam o setor de fabricação de aeronaves, puxado pela Embraer,

e o de automação bancária.

116 No caso brasileiro, eu indicaria, por exemplo, o setor de papel e celulose e o de alimentos, com

que foram demandadas em outras realidades. Outro caso relevante de setor reclassificado para cima é o de montagem de veículos automotores117, por exemplo.

Entre os setores que foram reclassificados para baixo (de alta para média-alta intensidade tecnológica), chamo a atenção para máquinas e equipamentos. E cito o caso do setor de fármacos, uma vez que tanto a literatura como a adaptação citada do IBGE o caracterizaram como de média-alta. No presente estudo, entretanto, ele voltou a ser classificado entre os segmentos de alta, dado a tendência de elevação de gastos ao longo dos anos 2000, conformando uma situação na qual sua estrutura de dispêndios permanece muito distante da fronteira, mas em processo de crescimento e consolidação vis-à-vis os padrões nacionais.

117 Com a implementação do Novo Regime Automotivo, recentemente aprovado, de promoção da

produtividade e inovação no setor, é esperada a consolidação de sua posição no rol das indústrias que mais canalizam recursos à P&D.

5 Dinâmicas produtivas regionais II: caracterizando vetores territoriais de desenvolvimento

Morte é morte, portanto, lamento, os seis milhões não são especiais. Fico sempre frustrado porque esse número, esse número sagrado que não pode ser discutido, é usado [...] para por um fim em toda discussão. [...]. Na verdade, não dou a mínima para o número exato. Toda morte é sofrimento.

Teju Cole,

in Cidade Aberta

A discussão sobre a dinâmica produtiva regional é retomada e aprofundada nesta seção. O seu propósito é chutar a bola que foi levantada na terceira seção. Concretamente, isso significa que aqueles vetores territoriais de desenvolvimento, identificados e discutidos anteriormente, serão discutidos à luz da classificação da atividade segundo intensidade de tecnologia e conhecimento trabalhada na quarta seção. Procederá, assim, uma caracterização, em termos setoriais, desses espaços.

Adianto ao leitor que não tenho por objetivo esgotar a discussão sobre cada uma dessas áreas. A rigor, o que a seção faz é uma caracterização dos espaços produtivos nacionais identificados como importantes a partir de uma perspectiva macro. Ao fazer isso, entendo que o sucesso da seção, caso ele exista, mais abre do que fecha a discussão, sugerindo a consolidação de uma agenda de pesquisa acerca do perfil, da dinâmica, da trajetória e dos condicionantes do desenvolvimento em regiões e localidades específicas.

Retomando a discussão da terceira seção sobre a dinâmica produtiva regional brasileira no período 1999-2010, destaco os resultados aos quais cheguei:

1. A manutenção do padrão estrutural da distribuição regional da produção de bens e serviços pelo território, com destaque para o polígono, a faixa litorânea e as grandes cidades e o seu entorno metropolitano.

2. A incorporação de novos espaços à dinâmica produtiva regional foi seletiva e esteve contida dentro do padrão estrutural prévio. Substantivamente, foram identificadas uma área de transbordamento e duas áreas de expansão da

atividade a partir do polígono, visíveis, sobretudo, para os movimentos da indústria. São elas:

a. Área de transbordamento sul, conformada por um arco que abarca os oestes paulista, paranaense e catarinense, o norte rio-grandense e o sudeste e o sul mato-grossense;

b. Corredor norte, composto por grande faixa territorial que, a partir de Uberlândia-Uberaba, segue sentido Belém do Pará, passando por Goiânia, Brasília, Palmas, Altamira e Parauapebas; e

c. Corredor Rio de Janeiro-Vitória, moldado por uma curta faixa territorial, que incluí regiões do norte fluminense e do sul capixaba.

3. O comportamento discrepante da agropecuária, cuja dinâmica foi marcada pela continuidade das tendências de expansão da fronteira rumo ao Centro- Oeste e Norte, por via, respectivamente, de Goiás e do Mato Grosso, de Rondônia, do sul do Amazonas e do Acre.

A origem dos dados apresentados na seção é a Rais118. Essa base de dados traz possibilidades (quase) únicas de série histórica e desagregações setorial e geográfica, vantagens essas que superam as desvantagens, como será esclarecido, comentado e justificado a seguir. Por um lado, a Rais conta com problemas relativos ao seu processo de coleta de informações e à qualidade da informação coletada, tanto porque o questionário da Rais é de autopreenchimento, em geral, preenchido pelo contador da empresa ou por alguém do departamento de contabilidade, quanto porque à empresa declarante é facultada a possibilidade de reunir, em um mesmo endereço e/ou declaração, todas as unidades produtivas da empresa (SUZIGAN et al, 2003). Ambos os problemas são potencializados em casos de ausência de teste de consistência pelo MTE e/ou pouco cuidado do pesquisador.

118 A Rais é uma importante fonte de dados sobre o mercado de trabalho formal brasileiro, tendo sido

instituída pelo Ministério do Trabalho (atualmente, MTE) em 1975, mas com série histórica disponível à pesquisa desde 1985. A sua declaração é anual e autopreenchida por todos os estabelecimentos com inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). As informações são coletadas por todo o território nacional e para todas as atividades econômicas, sendo possível desagregá-las por município e por classe Cnae (ABDAL, 2009). Desde 2011, os seus microdados são disponibilizados ao público pela internet.

De outro lado, a tomada da Rais como fonte principal para a seção significa a utilização de uma base de dados de emprego, e emprego formal, para a análise das dinâmicas produtivas regionais. Isso é problemático na medida em que pode encobrir diferenciais setoriais e/ou regionais e locais de produtividade e de formalização de mão da obra. Contudo:

1. A análise dos dados provenientes da Rais não é feita de forma isolada neste trabalho, mas em combinação com dados de geração de valor. Tal combinação encerra duas complementaridades: (i) uma entre o dado mais rigoroso, porém menos desagregável, do PIB-M, e o dado menos rigoroso, porém mais desagregável da Rais; e (ii) outra, entre a identificação dos vetores territoriais de desenvolvimento, na seção três, a partir da análise dos dados do PIB-M e a caracterização desses vetores, nesta seção, a partir da análise dos dados da Rais.

2. A incorporação e a análise das informações provenientes da Rais são feitas em abordagem compreensiva, na qual tendências, padrões, movimentos e sentidos interessam mais do que os números, nus e crus, em si mesmos. Além disso, comparações dentro de um mesmo setor e/ou de uma mesma unidade geográfica tendem a ser mais seguras do que entre setores e/ou unidades diferentes.

3. Estudos recentes vêm sugerindo que os citados diferenciais de produtividade não são tão grandes, ou tão problemáticos, assim. Cito alguns. Carlos Américo Pacheco (1999) aponta a convergência de resultados entre a análise das tendências locacionais que utilizam dados de produção física e as que usam dados de população ocupada. João Saboia (2001; 2013) também indica a convergência de resultados de distribuição regional da indústria, tendo o valor de transformação industrial e a massa salarial como indicadores. Ao mesmo tempo, demonstra que, embora relativamente menos concentrado regionalmente, os padrões de distribuição espacial da variável emprego seguem os da variável de massa salarial.

Passando para a estratégia de apresentação e discussão dos dados, reforço que o objetivo mais geral da seção é caracterizar, em termos produtivos, o território nacional, com destaque para as áreas sugeridas pela literatura e consolidadas e/ou identificadas na terceira seção. Agora, esse objetivo mais geral será operacionalizado a partir do recurso à observação e à análise da distribuição setorial da atividade, segundo a classificação da atividade por intensidade de tecnologia e conhecimento.

Informo o leitor que evitarei a apresentação extensiva de tabelas e mapas. Embora tenha produzido dados setoriais e cartográficos para as variáveis (i) número de estabelecimentos; (ii) população ocupada; e (iii) massa salarial, trarei à tona apenas resultados para a população ocupada (ver justificativa acima). Além disso, tentarei, ao máximo, apresentar apenas informações que tragam ganho substantivo para a análise, o que implica apresentar apenas uma parcela de tudo o que foi produzido no universo já restrito da variável população ocupada. Em termos práticos, isso significa privilegiar cartografias de números absolutos e quociente locacional (QL), para 2010, o ano mais recente da série, em detrimento de mapas de saldos e de anos anteriores, dados os objetivos da seção e o diagnóstico mais geral de manutenção dos padrões estruturais de distribuição regional da atividade.

Os indicadores utilizados, além dos números absolutos e relativos de população ocupada, são o saldo de empregos para os períodos 1999 e 2005 e 2006 e 2010 e o QL. O QL é medida locacional de uso já tradicional na economia regional, o que não quer dizer que seu uso seja livre de contradições119 – as contradições mais importantes são aquelas associadas a uma hipersensibilidade da medida ao tamanho das unidades de análise. O QL compara duas estruturas setoriais-espaciais, com a finalidade de auxiliar na identificação de níveis desproporcionais de concentração regional/local de cada atividade, sendo a sobrerrepresentação setorial, normalmente, assumida como indício de especialização da unidade120.

Mantenho, tal qual na terceira seção, o município como principal unidade de observação.

119 Para os fins de algumas análises os seus problemas seriam suficientemente grandes para justificar a

adoção de medidas alternativas. Ver, por exemplo, João Saboia et al (2008) e João Saboia (2013).

5.1 Uma primeira visão: a dinâmica regional do emprego formal no Brasil e a