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4.6 EXPANSÃO MERCANTIL: A PERVERSIDADE COMPETITIVA NOS

4.6.4 Desenvolvimento regional tutelado e assistencialista

Nesta parte far-se-á a análise das interlocuções que estabelecem um vínculo entre ações de cunho assistencialista e o processo de desenvolvimento regional. Destacou-se as principais ações indicadas pelos interlocutores as quais caracterizam-se por serem desenvolvidas junto a setores e populações privadas de condições dignas de vida. É preciso ressaltar que essas ações trazem no seu bojo um valor simbólico muito importante, porém as mesmas carecem de um sentido mais afirmativo, de acolhimento, de inclusão emancipadora.

Problematizar os contextos das humanas existências, realizar estudos, produzir e apontar soluções para o flagelo da exclusão social requer muito mais do que a distribuição caridosa de algumas cestas, ou a feitura de alguns agrados aqui e acolá, embora reconheça-se o valor dessas ações, conforme descrito abaixo.

Pelo projeto Pró-Vida nós estamos atendendo vários bairros da cidade, Marabaixo, 1, 2, 3, Goiabal, Coração, Lagoa dos Índios e Fortaleza. Na parte do lazer nós fizemos, por exemplo, neste sábado passado, fizemos uma ação muito grande. Com a presença de mais de mil pessoas aqui, fizemos feijoada, distribuição de cestas. No ano passado fizemos a mesma coisa, mas conseguimos 40 cestas. Agora nós conseguimos mais de 200 cestas. Os próprios acadêmicos já estão se sensibilizando por isso, ajudando as pessoas mais necessitadas e na distribuição de brinquedos para as crianças. Vimos uma festa realmente muito bonita (Interlocutor 1).

Na interlocução cunhada na seqüência se apresenta mais uma prática considerada pelo interlocutor como indutora do desenvolvimento regional. Ao proporcionar descontos aos seus alunos a IES procura manter os mesmos vinculados a esta, principalmente aqueles com condições financeiras menos favoráveis. Esta é uma prática comum nas IES, contudo na medida em que os alunos tiverem a condição de aderir aos programas de financiamento estudantil a tendência é que esta seja abandonada. Neste sentido optou-se por classificá-la nas ações tidas como tutelas assistencialistas, ou seja, ambas as partes se beneficiam com a situação, por isso mesmo carecem de sentido cidadã emancipatório.

Outras práticas e ritos são incorporados ao cotidiano celebrativo das instituições que passam a funcionar como simulacro, vez que amenizam os efeitos e traumas para um trabalhador realizar a passagem paga de um percurso formativo. Festas para calouros, prêmios para os melhores, formaturas pomposas com celebrações religiosas amenizam os efeitos comerciais presentes nas relações firmadas. Suavizam também a dura realidade de homens e mulheres que por falta de acesso a uma educação superior pública gratuita vêem-se obrigados a comprar o ingresso e a passagem para juntar-se aos, enfim portadores de um diploma de curso superior.

Nas celebrações traz-se para o reino dos mortais uma cosmovisão estereotipada de um Deus que abençoa a institucionalização da exploração. Um Deus que se faz presente e auxilia na legitimação dos negócios da educação. Um

Deus que também pode punir quem não adere aos ritos, programas assistencialistas e filantrópicos. Afinal, ele está presente, vê tudo, pode proteger ou punir. Um Deus materializado e institucionalizado que põe fim ao caos da consciência pessoal e social: deus ex machina.

Eu hoje posso dizer que mais de 60% dos meus alunos tem algum tipo de benefício, um desconto de 20%, 30%. Nós temos creche para que as mães possam trazer os filhos e estudar, coisa que outra instituição não tem. Nós trabalhamos com educação de surdos e povos indígenas por meio de bolsas de estudo. Nós oferecemos bolsa de estudo para funcionários, filhos de funcionários. Então nosso compromisso é propiciar condições para que ninguém abandone os estudos e nisso a gente tem contribuído significativamente (interlocutor 4).

Nesta mesma linha traz-se à baila um conjunto de ações apontadas por mais um interlocutor do estudo como sendo práticas típicas de indução do desenvolvimento social local e regional. Nestas, conforme anteriormente apontado verifica-se, de fato o envolvimento da comunidade acadêmica, porém, tais ações têm efeitos efêmeros uma vez que se situam no campo das conseqüências e não no das causas.

As IES no papel de indutoras do desenvolvimento regional capaz de protagonizar a feitura de arranjos que viabilizem a inclusão social, a geração de novas oportunidades de trabalho no âmbito dos processos produtivos e sociais certamente cumpre com o seu papel social. As ações aqui descritas fazem parte de certa ritualística acadêmica, mas não se pode esperar das mesmas grandes feitos enquanto promotoras do desenvolvimento regional.

Fizemos a caminhada da paz, arrecadação de alimentos, o natal solidário, o trote da cidadania. Todas essas ações que são feitas, a gente procura primeiro atender a região. A Faculdade do Amapá disponibiliza para a comunidade externa todos os sábados o laboratório de informática e a biblioteca. Damos cursos de informática gratuitos para a comunidade. Nós temos aqui dentro alunos que trabalham com a questão da formação de atores, um curso de teatro interno da Faculdade. Outros dão aula de Capoeira, Judô, de Karatê. Esses alunos recebem da instituição uma bolsa para desenvolverem esse trabalho social. Em todos os eventos culturais a FAMAP, está sempre trabalhando com uma parceria na mídia televisiva, ajudando nas programações culturais. A IES também faz parcerias com empresas dando desconto aos funcionários alunos da instituição (Interlocutor 5).

Na área de Engenharia Florestal nós tivemos aqui uma feira de tecnologia da madeira mostrando como tecnologicamente se pode usar a madeira para melhorar a qualidade dos nossos profissionais. A IES também por meio do curso de Nutrição, um projeto voltado para nutrição do esportista, daquele que anda no final de semana na praça, que pratica um esporte no final de semana e tal, para ver como está a qualidade nutricional desse atleta. Os projetos de extensão que desenvolvemos em parceria com a sociedade, para também ajudar a transformar essa sociedade. Com isso vem junto logicamente, o desenvolvimento do estado. Estamos comprometidos, debatemos, discutimos e por meio de propostas mostramos caminho para o desenvolvimento do estado (interlocutor 6).

A leitura que as IES fazem e as esperanças legítimas que são depositadas nas ações protagonizadas enquanto partes de processos indutores do desenvolvimento regional ancoram-se na idéia, muito difundida no setor, chamada de responsabilidade social. As IES têm uma importância muito grande na comunidade e região e sua responsabilidade social não pode restringir-se a ações que se situam no mundo da caridade e filantropia.

Nós temos vários projetos que impactam no desenvolvimento direto com as questões sociais locais. O Projeto Amigos em Ação que trata das questões ambientais. Nós temos um programa aqui que é Net Vida que é a valorização da vida, que faz acompanhamento, é um trabalho voltado para a questão de valorização de vidas. O projeto Ação Primeiro de Maio onde fazermos o seguinte: reunirmos vários órgãos aqui e oferecemos nossos serviços gratuitamente para a sociedade, sejam serviços odontológicos, médicos, de alimentação, barbeiro, atrações teatrais, musicais.

Potencializar as ações e situá-las nas políticas de inclusão social pode ser um caminho alternativo. Insistir em ações assistencialistas tuteladas é diminuir o papel da educação superior numa comunidade e num país. Contudo, problematizar os contextos locais e regionais com a prática da pesquisa, com o estudo aprofundado apontando as causas dos problemas sociais e ambientais presentes, indicando e articulando soluções, constitui-se, sim, em papel importante para uma instituição e comunidade de universitários.

Nós trabalhamos muito com a arrecadação de alimentos para instituições carentes, para o Asilo São José, para a casa da Ponte Santo Antonio. Nós também já fizemos doações para Creches. Também os já trabalhamos com os acadêmicos na doação de sangue para o Hemoap e assim por diante. O aluno geralmente traz esta proposta e a gente estimula e apóia (interlocutor 8).

Neste sentido, a educação superior deve justamente romper com as tutelas assistencialistas e posicionar suas ações e seus projetos no campo do protagonismo emancipatório. Convidar a comunidade acadêmica para o debate aberto, para a propositura de projetos e ações que mobilizam diferentes atores do contexto local e regional constitui-se em saída importante para superar o enfoque da tutela assistencialista.

Nós sempre procuramos fazer esse marketing social. Por exemplo: o Festival de Arte, nós cobramos ingresso, mas também aceitamos o alimento não perecível como entrada. Tem o evento da Matemática Atlética é um evento que relaciona matemática, física e atletismo durante um dia da semana. Outro evento de cunho social filantrópico tem a participação de médicos, de cabeleireiros, funcionários do cartório. Tem as gincanas que os alunos participam. Também investimos na ida do nosso aluno em prestar serviços para comunidade, para as empresas. Fazer um site para determinada empresa, uma análise da rede, fazer um projeto de rede para determinadas instituições, fazer sites para profissional liberal. Organizar a informática, fazer uma avaliação da informática de determinadas instituições, então com isso nós estamos fazendo nosso papel social e aí nós temos o retorno pedagógico também porque nosso aluno está praticando e temos o retorno também de mercado porque nosso aluno está sendo visto (Interlocutor 10).

Por fim, imaginar que com mais de seiscentos docentes, somados aos milhares de estudantes, atuando em sincronia, em projetos comuns com a participação de diferentes instituições contribuindo com os seus saberes técnicos e científicos a cidade de Macapá e o próprio Estado já poderiam ver resolvido seus problemas tão graves e de simples solução.

As ações assistencialistas minimizam os efeitos produzidos pelo flagelo social. Tais práticas ocultam as fraturas sociais, quando se espera da educação superior justamente o contrário, ou seja, uma atuação no sentido do desvelamento das forças inibidoras da plena vida e a apresentação de soluções criativas e inovadoras. Uma comunidade, uma sociedade não pode somente querer que seus

filhos obtenham um diploma superior. Espera-se, sim, que a presença de tão expressivo contingente de instituições de educação superior na cidade mude substancialmente os índices de desenvolvimento humano.

5 EDUCAÇÃO SUPERIOR PRIVADA: O NOVO FETICHE89 DE CONSUMO -

SIMBOLOGIAS, MARCAS E PRODUTOS

Neste capítulo discorre-se sobre as feições que estão se constituindo no dinâmico processo de instalação de empreendimentos de educação superior privado na cidade de Macapá/AP. Na composição do escrito faz-se uma exórdia sobre o novo fetiche de consumo em que se constituiu a possibilidade de acesso a este nível de ensino em um contexto de mercado cada vez mais competitivo.

Num entremear de ilações, procura-se ir para além da hipócrita obviedade consumista hodierna, a qual se quer reduzir a condição humana, qual seja à mera consumidora das efêmeras sensações de prazer e felicidade proporcionadas pelos sofisticados produtos capitalistas, com alto padrão de qualidade, porém, com pouca durabilidade, dentre os quais figura, o mais novo, a educação superior privada particular, agora também hipoteticamente ao alcance de todos numa sociedade pouco sofisticada sob o aspecto ético e de baixa qualidade cidadã emancipatória.