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Desenvolvimento e Relação dos Personagens em Admirável Mundo Novo

O primeiro personagem apresentado na obra é Thomas, também conhecido como Tomakin, alfa e diretor de incubação e condicionamento (D.I.C) de Londres. Thomas é aparentemente um membro exemplar da sociedade, demonstrando desprezo e até mesmo um certo receio por aqueles que não se adequam a ela. Thomas, à primeira vista, parece ser um personagem de fundo, tornando-se mais visível a partir do momento em que descobrimos seu passado. Além disso, Thomas é a representação direta de autoridade dentro do “Centro de Incubação e Condicionamento”, sendo sob seus olhos que os leitores são conduzidos para dentro do ambiente da obra, compreendendo como as castas são divididas e no que consiste esses “novos humanos”.

Em contraposição a Thomas, temos Bernard Marx, um psicólogo, alfa-mais, que destaca-se por ser diferente da maioria. Ele prefere ficar sozinho para pensar, recusa-se a tomar Soma e prefere privar-se de prazeres imediatos a fim de senti-los mais intensamente. Ele é o primeiro contraste da sociedade de Admirável Mundo Novo, não adaptando-se nem mesmo a sua casta, seja pelo fato de ser fisicamente menor do que todos os outros ou mesmo psicologicamente, ao sentir que não se enquadra em nenhum lugar. Bernard fala abertamente apenas com uma pessoa, Helmholtz Watson, que assim como ele, não adequa-se à sociedade. Eles têm muitas conversas, nas quais tentam entender-se. Bernard aproxima-se ainda de Lenina Crowne, pela qual tem sentimentos conturbados, desejando-a apenas para si e a qual convida para uma viagem até uma reserva de selvagens.

Helmholtz Watson é um alfa-mais assim como Bernard, professor do “Colégio de Engenharia Emocional” que também trabalhava como “Engenheiro em Emoção” nas horas

40 vagas, produzindo material para o cinema sensível. Apesar de gostar muito do que faz, ele sente que há mais para ser feito, há muito mais por trás das criações sintéticas e desprovidas de sentimentalismo. Helmholtz vê em Bernard uma pessoa em que pode confiar e sempre que possível lhe confidencia suas aflições. No entanto, apesar de Helmholtz e Bernard serem próximos, eles também têm peculiaridades e diferenças. Bernard em muitas passagens, mostra sentir inveja de Helmholtz por ser um alfa-mais atraente e por chamar a atenção de todas as mulheres, algo que Bernard secretamente gostaria de poder fazer, ao passo que Helmmholtz parece indiferente a todas essas questões.

Lenina Crowne é uma jovem Beta-mais que trabalha no laboratório de fecundação. Ela é uma cidadã muito fiel ao Estado, tendo sido muito bem condicionada, sabe citar todos os lemas e regras morais do Estado sempre que preciso, jamais questionando-se sobre o que eles significam. Lenina só aceita sair com Bernard porque, segundo sua amiga Fanny, pode chamar atenção sobre si por estar saindo com o mesmo homem por tempo demais do que o recomendado e, mesmo aceitando sair com ele, Lenina sente-se muito desconfortável em sua presença, quase desistindo de visitar a “reserva de selvagens” em sua companhia após o primeiro encontro, no qual Bernard a leva para ver o mar e demonstra um sentimentalismo considerado anormal para a sociedade em que vivem.

A relação de Bernard e Lenina é muito breve, e todo encanto que Bernard possui por ela logo desaparece. Isso se deve ao fato de que Bernard possui grande fascínio por todas as coisas que não pode compreender. Talvez esse sentimento seja até mesmo por causa do seu trabalho, levando-o a buscar mais a fundo o que leva a sociedade a sua volta a comportar-se de tal modo. Em um primeiro momento, é possível que Bernard tenha achado que Lenina era diferente das outras mulheres que ele conhecia, talvez por isso, ela tenha despertado nele tanta curiosidade. Mais tarde, depois que Bernard e Lenina fazem sexo, mesmo quando Bernard queria esperar, esse encanto todo parece dissolver-se e o interesse vai embora tão rápido quanto chegou.

Admirável Mundo Novo parece ser dividido em duas partes: antes da reserva e depois da reserva. A visita à reserva dos selvagens é um ponto crucial na obra, no qual são apresentados dois personagens essenciais (John e Linda) para o desdobramento da trama, primeiramente por terem uma conexão com Thomas e em um segundo momento por simbolizarem um choque social e cultural. A reserva, em que vivem “os selvagens”, conhecida como Malpaís é definida por Huxley como: “um lugar que, devido a condições climáticas ou geológicas desfavoráveis, ou à pobreza de recursos naturais, não compensa as despesas necessárias para civilizá-lo” (HUXLEY, 2014, p. 197). Ou seja, segundo a descrição, a reserva é uma representação daquilo

41 que se julga obsoleto e irrelevante para o progresso da humanidade, não se fazendo necessário preocupar-se com tal estilo de vida, desde que esse permaneça longe da vista da sociedade.

Quando Bernard e Lenina chegam até a reserva, ficam completamente estarrecidos, pois além de ser uma realidade completamente diferente, é descrito como um lugar extremamente sujo e fedido. Os índios que vivem lá ainda mantêm hábitos do passado, como o casamento, cerimônias religiosas, relações familiares, o desenvolvimento natural das crianças que não são fabricadas em laboratórios e nascem de suas mães, sendo criados por elas. É nesse lugar que Bernard e Lenina conhecem Linda e seu filho John. Quando John conta sua história, descobrimos então que Linda é uma Beta-Menos, que cresceu na “civilização” e durante uma viagem muito parecida com a de Bernard e Lenina, junto com o Tomakin (Thomas), atual Diretor de Incubação e Condicionamento (D.I.C), acabou sofrendo um acidente. Tomakin a procurou por toda a parte, mas não a encontrando, acabou indo embora. Linda foi encontrada por alguns índios da reserva e lá descobriu que estava grávida.

Devido à forma como foi condicionada, Linda sentiu-se envergonhada demais para voltar e por isso acabou ficando em Malpaís, a reserva indígena, e criando o bebê, a qual deu o nome de John. O único problema é que Linda jamais adaptou-se à reserva e à falta de soma, utilizando-se de drogas locais como o mescal e o peyotl para fugir da realidade. Linda cria uma relação próxima com Popé, um índio da reserva que fornece a ela as drogas e com quem mantém relações sexuais. Um dos motivos que dificultam a adaptação de Linda à reserva é o seu condicionamento que bate de frente com a forma como os índios vivem na reserva. Por conta disso, Linda é odiada por quase todos em Malpaís, na qual é acusada de roubar o marido das outras mulheres, prostituindo-se e vestindo-se como uma maltrapilha.

A forma como Linda é tratada e vista na reserva, afeta a forma como os índios veem John, seu filho. John cresceu naquele lugar, mas apesar de seu contato com os habitantes de lá, nunca foi aceito por eles, seja pelo fato de que é um forasteiro ou mesmo pela reputação de sua mãe. Por isso John nunca foi capaz de encontrar sua identidade, lutando para tornar-se um membro da reserva e sendo escorraçado por todos. Poucos índios dignaram-se a ajudar John, ensinando-lhe sobre a cultura local. John foi influenciado pela cultura indígena que o cercava e ao mesmo tempo tomado de curiosidade pela “civilização”, cuja qual sua mãe Linda contava histórias. Ele cresceu sozinho, vendo Linda fugir da realidade com as drogas indígenas trazidas por Popé. Passou a odiar Popé e todos os homens que consumiam sua mãe, que abusavam dela e a maltratavam. Nos poucos momentos de sanidade da sua mãe, aprendeu a ler, tornando-se

42 mais tarde obcecado por um livro trazido por Popé: “as obras completas de Shakespeare”, o qual leu e releu diversas vezes, até decorá-lo completamente.

O fato de John ser um “selvagem” que lê Shakespeare é uma ironia clara à “nova civilização”, onde os sujeitos não leem, não refletem, nem mesmo questionam sua condição. Nesse sentido, John é muito mais civilizado do que os indivíduos que têm acesso à ciência e tecnologia de ponta, pois ele, através da leitura, tem uma compreensão muito maior sobre quem é e onde espera chegar. Como mencionado por Compagnon, “a literatura responde a um projeto de conhecimento do homem e do mundo.” (COMPAGNON, 2009, p. 26), fazendo com que John passe a enxergar muito além, percebendo rapidamente que havia algo muito errado com a sociedade do “novo mundo”.

John é a representação do velho e do novo em um só, de duas sociedades e culturas e ao mesmo tempo de nenhuma delas. Ele não pertence à reserva, mas tampouco pertence ao novo mundo. Durante sua infância, ele aprendeu com Linda como era a vida na “civilização” ao mesmo tempo em que viu com seus próprios olhos como a vida era na reserva, sem que lhe permitissem, no entanto, participar de nada. A própria fixação dele por Shakespeare evidencia mais uma vez a ligação com o velho mundo, e também sua admiração pelo conjunto de crenças da sociedade dentro da reserva, desejando ser como os outros meninos.

A relação de John e Linda não é uma relação comum entre mãe e filho, primeiramente pelo fato de que Linda jamais desejou ser mãe, sendo John um inconveniente, o motivo pelo qual ela jamais pôde retornar à “civilização”. Linda, em alguns momentos, amava John, e em outros o odiava, fazendo com que John também se sentisse do mesmo modo em relação a ela. John também sentia muito ciúmes de Linda, não sendo uma coincidência o fato de que ele se apaixona justamente por alguém que se parece exatamente como sua mãe, assumindo seu complexo de Édipo e passando mais tarde a sentir repulsa por ela, assim como sentia de Linda por ela negar os preceitos da reserva.

Depois que John conta sua história a Bernard, é convidado por esse a viajar junto de sua mãe, Linda, à civilização. John aceita o convite, motivado tanto por sua curiosidade, quanto pelo amor platônico que nutre por Lenina. Ao voltarem para lá, ambos passam por experiências conflitantes. A começar por Linda, que causa embaraço e vergonha para Thomas, fazendo com que ela logo decida manter-se fora da realidade, consumindo o máximo de soma possível, já que se sente incapaz de lidar com toda a situação. Isso se deve ao fato de Linda ter dado à luz a John e de estar velha em um mundo em que todos são conservados novos, sendo essa transição, um símbolo interessante para evidenciar mais uma vez o velho (Malpaís) e o novo

43 (Londres). Apesar da curiosidade inicial, Linda logo é esquecida, até porque ninguém se importa com o velho, este pode ser descartado. Todos os olhos estão em John, pois ele é algo nunca visto antes.

A relação de John com o novo mundo é marcado mais uma vez por um choque cultural muito grande. Os relatos de Linda sobre a “civilização” eram sempre muito positivos, ao passo que John espera encontrar uma realidade magnífica, depara-se, no entanto, com um local onde ninguém está familiarizado com suas crenças e os ensinamentos da reserva. Além dessa estranheza, John é ainda usado por Bernard como uma forma de atrair os holofotes em sua direção. É a primeira vez que Bernard se vê popular e ele usa John para poder se manter desse modo. O “selvagem” logo percebe o que está acontecendo e recusa-se aparecer em público, buscando alívio em Shakespeare e na sua nova amizade com Helmholtz, que vê-se fascinado pelo autor tanto quanto pelo seu mais novo amigo.

No entanto, mesmo Helmholtz é incapaz de conceber muitas das ideias de Shakespeare, achando particularmente engraçado o fato de haverem famílias, mães, pais, filhos. Essa incapacidade de Helmholtz em visualizar tais aspectos sociais, mostra quão forte é seu condicionamento e criação. Por mais que ele se esforce, a ideia de família está fora da sua concepção de realidade. John, no entanto, sendo criado em Malpaís, tem uma visão completamente diferente das relações familiares e acredita nessas instituições sociais, tanto que para ele deve haver casamento para que duas pessoas possam fazer sexo.

Suas concepções sobre matrimônio e família, somados aos seus sentimentos por Lenina, o levam a finalmente declarar seu amor a ela, falando sobre casamento e outras coisas que Lenina é incapaz de compreender, dado o seu condicionamento. Lenina então, demonstra seus sentimentos do modo que sabe, oferecendo seu corpo a John, a que esse repudia intensamente, considerando isso um ato sujo e pecaminoso. John afasta Lenina com violência a chamando de cortesã. É durante esse desentendimento entre John e Lenina que John recebe um telefonema do hospital falando sobre o estado crítico de sua mãe.

Depois que Lenina recusa casar-se, John tem ainda outra experiência que o deixa muito abalado, ferindo tudo o que acredita. A morte de sua mãe, Linda, deixa John muito triste, um sentimento que já não se experimenta no novo mundo. O fato de haverem crianças sendo condicionadas para conceber a morte como algo feliz, observando Linda e John em um momento íntimo, no qual John sente a dor da perda possivelmente pela primeira vez, evidencia mais uma vez essa enorme parede entre duas culturas. Para as crianças que observam do outro lado do vidro uma mulher velha e gorda morrer enquanto um homem chora ao seu lado, é algo

44 completamente novo e estranho. A morte, para as crianças desse novo mundo, deve ser sempre algo positivo, apenas mais uma etapa da vida, mas o choro, além da cena toda, as deixam completamente confusas sobre como devem sentir-se.

A soma de todo choque cultural e social, além dos últimos acontecimentos com Lenina e a morte de sua mãe, fazem com que John perca completamente a cabeça, levando-o a culpar a Soma pela morte dela, além de levá-lo a tentar advertir insanamente as crianças sobre o uso dessa droga. John, nesse momento, expõe sua opinião acerca desse “novo mundo”, tentando convencer aqueles que ainda têm chance de mudarem de opinião. Esse é o momento em que o choque de culturas atinge seu pico e John passa a tentar convencer os outros de que tudo naquele mundo está errado e eles precisam mudar, como fica claro na passagem:

Vocês não querem ser homens? Sequer compreendem o que significa ser homem, o que é liberdade! – (...) - Não compreendem? – insistiu, mas não obteve resposta. – Pois bem! Então – prosseguiu em tom feroz -, então eu vou ensiná-los; vou obrigá-

los a ser livres, queiram ou não queiram! – e, abrindo uma janela que dava para o pátio

interno do Hospital, pôs-se a atirar para fora, aos punhados, as caixinhas de comprimido de soma. (HUXLEY, 2014, p. 256)

Como fica evidente na fala de John, na sua tentativa de libertar as crianças de seu estado de letargia causada pela soma, ele acaba fazendo o mesmo que o Estado, ao tentar obrigá-los a tornarem-se algo que não são capazes no momento, pois as crianças não tem noção da condição em que se encontram. Essa atitude de John representa de um modo irônico, a própria configuração da sociedade em Admirável Mundo Novo, já que quando essa foi organizada, a intenção era criar um ambiente perfeito, no qual todas as pessoas fossem felizes. Em partes, os “administradores mundiais” chegaram a essa perspectiva, porém, essa concretização só foi possível ao acabar com o livre arbítrio dos indivíduos, manipulando toda a sociedade. No momento em que John quer obrigar as crianças a “viverem” dentro da sua concepção de mundo, mesmo que suas intenções sejam de libertá-los, ele acaba justamente oprimindo-os, ignorando suas vontades e convicções.

É no meio dessa agitação, que aparecem Helmholtz e Bernard. O primeiro a aparecer é Helmholtz, o qual decide sua posição prontamente, colocando-se ao lado de John como se finalmente assumisse que pensa diferente e está pronto para lidar com as consequências disso. No entanto, Bernard, não consegue decidir o que fazer, provavelmente porque ele próprio não sabe no que acredita e não tem a coragem dos outros dois para fazer o que é necessário na hora em que as coisas ficarem complicadas. A polícia chega e acalma a todos, utilizando música sintética e gás de soma. Quando tudo foi estabilizado, Bernard, John e Helmholtz são levados até Mustafá Mond, um alfa-mais-mais, o administrador residente da Europa ocidental, o qual

45 tem uma visão muito diferente da maioria dos residentes, tendo sido ameaçado de ser banido para uma ilha por seus pensamentos não ortodoxos muitos anos antes, precisando então escolher entre permanecer servindo o Estado ou ir para uma ilha e poder libertar-se. Ele já leu livros considerados proibidos, como Shakespeare e a Bíblia Sagrada, assim como vários livros de filosofia. É considerado extremamente inteligente e excêntrico.

A sua fala, principalmente a direcionada a John é, na verdade, uma grande explicação sobre o porquê das coisas terem mudado tanto, sobre por que a literatura, a religião, as relações, tiveram de ser abandonadas. O administrador menciona que “um homem civilizado não tem porque suportar seja lá o que for de seriamente desagradável” (HUXLEY, 2014, p. 282), ou seja, a civilização por eles criada acabou com o sofrimento, a tragédia já não tem espaço nesse mundo, assim como a restrição ou qualquer outro meio de espera. Ao que, mais tarde, o selvagem rebate dizendo que: “é bem o modo de os senhores procederem. Livrar-se de tudo o que é desagradável, em vez de aprender a suportá-lo.” (HUXLEY, 2014, p. 284), essa passagem demonstra, primeiramente, a divergência de pensamentos entre a civilização, representada por Mustafá Mond e o velho mundo, representado por John. Na visão do novo mundo, a solução mais fácil para qualquer problema é descartá-lo, já para os antigos, não adianta fingir que não se vê algo, é preciso encontrar meios de resolver o problema.

A conversa entre Mustafá Mond e John evidência não apenas dois pensamentos divergentes, mas, principalmente, aponta para o fato de que cada um defende uma concepção de mundo baseada naquilo ao qual tiveram contato. Mustafá está imerso nesse novo mundo e é incapaz de conceber outro modo de vida que não seja aquele, já John, sendo um forasteiro, é capaz de trazer uma percepção completamente diferente para dentro daquele cenário, questionando Mustafá sobre as escolhas feitas e mostrando que tudo podia ser diferente. É interessante observar que apesar de ambos terem pensamentos contraditórios, eles entendem o pensamento um do outro, dialogando de forma bastante dialética e estabelecendo uma ligação intelectual. Após essa longa e franca conversa sobre a sociedade, cultura e religião, o administrador define que Bernard e Helmholtz serão enviados para uma ilha onde viverão o resto de seus dias. John, no entanto, não pode ser mandado para uma ilha, pois ainda querem estudá-lo.

Ao compreender a forma como as coisas funcionam no novo mundo, John sente que precisa ser purificado, dizendo a Bernard e Helmholtz que comeu a civilização e que essa a envenenou, fazendo com que ele engolisse sua própria perversidade (HUXLEY, 2014). Ele não pode voltar nem ficar, então decide partir, escolhendo uma casa distante de tudo para viver.

46 John escolheu ficar só por que não suportava a humanidade. Ele tampouco devia estar feliz em sua nova moradia, pois, para ele, a felicidade não era um sentimento positivo, desviando-o de seu caminho para alcançar a graça divina. Apenas a penitência e a dor consagrariam seu espírito para que enfim pudesse encontrar-se por completo. Justamente por isso, John flagelava seu próprio corpo, chicoteando sua carne buscando disciplinar-se. O contraste de John, repudiando a felicidade, o único dos sentimentos exaltados no novo mundo é novamente um embate entre o velho mundo e o novo.

Infelizmente essa solidão não dura muito tempo e o descobrem, aparecem repórteres de toda a parte para entrevistá-lo. Fazem um filme sobre ele, mostrando John flagelando o próprio corpo, o que atrai ainda mais pessoas, entre as quais está Lenina. A aparição de Lenina causa em John um estranhamento total, e em meio à multidão que grita para que ele use o chicote em si mesmo, ele tenta punir-se, afastando-se o máximo possível dela. A multidão ao ver a cena fica fascinada com o sofrimento e dor, extasiadas ela começa a cantar um dos cânticos comuns nas cerimônias para Ford. John não consegue resistir a isso e se junta a todos os outros participando dos cantos, do compartilhamento da soma e da orgia que se segue.

Essa oposição entre felicidade e sofrimento é tão grande que deixa a todos fascinados. O fato de haver pessoas admiradas, gritando para que John bata em si mesmo, evidencia o quão incrível era para elas visualizar um sentimento jamais visto antes. Assim como a dor causou

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