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Segundo Kageyama (2008, p. 51) o debate sobre desenvolvimento rural ganhou espaço nas últimas três décadas, literaturas acadêmicas, documentos e ações de organizações mundiais passaram a se ocupar com este tema.

No Brasil, o debate sobre desenvolvimento rural é recente, teve inicio na década de 1960 quando ocorreu a estruturação dos serviços de extensão rural, que tinham como objetivo a inserção de novas tecnologias aos agricultores, aumentando a produção e a produtividade das lavouras de interesse internacional. É neste momento que “são estabelecidas as bases do processo de "modernização" da agricultura brasileira” (ALMEIDA, 2008 apud STEGE, 2011, p. 35). Sendo este momento intitulado de modernização conservadora (ALMEIDA, 2008

De acordo com Delgado (2001) essa modernização agrícola dos anos 60 trouxe:

[...] liberalidade da política de crédito rural, a prodigalidade dos incentivos fiscais (principalmente nas desonerações do Imposto de Renda e do Imposto Territorial Rural) e, ainda, o aporte direto e expressivo do gasto público na execução das políticas de fomento produtivo e comercial dirigidas às clientelas das entidades criadas ou recicladas no período (SNCR, Política de Garantia de Preço, PROAGRO, Pesquisa e Extensão Rural etc.). (DELDAGO, 2001, p. 165).

Ainda segundo o autor a modernização conservadora significou “[...] aumento dos indicadores técnicos de modernização agropecuária, aumento da produção e sua diversificação, e significativa alteração no padrão técnico do setor rural” (DELGADO, 2001, p.165) proporcionando a manutenção e até o aprofundamento da heterogenia da agricultura brasileira.

Na década seguinte, de 1970, a produção agrícola brasileira cresce em função da modernização de sua agricultura, o que transforma o meio rural em um lugar que recebe uma nova lógica de produção no campo e a divulga através de novas tecnologias e práticas para o setor agrícola. Esta nova lógica passa a fazer parte dos debates sobre desenvolvimento rural, que passaram a ter como base quatro pressupostos:

a) a ideia de desenvolvimento econômico e político; b) fim da autonomia técnica, econômica e cultural; c) da especialização da produção, e a inter- relação com a sociedade global; e, d) o surgimento de um novo agricultor competitivo e individualista. (ALMEIDA, 1997 apud STEGE, 2011, p. 35).

A modernização agrícola entendida por Silva (1996, p. 30-31) é um “processo genérico de crescente integração da agricultura no sistema capitalista industrial, especialmente por meio de mudanças tecnológicas e de ruptura das relações de produção arcaicas e do domínio do capital comercial”. Esta modernização então foi um processo que passou por várias décadas e se acentuo após os anos 60, e que durante este percurso apresentou três fases: a da constituição dos complexos agroindustriais(CAIs), a da industrialização da agricultura e, a mais recente, da integração de capitais intersetoriais sob o comando do capital financeiro.

A primeira é a fase da constituição dos complexos agroindustriais (CAIs), nos anos 60 – aqui se observa a integração das indústrias a montante (meios de produção para a agricultura) e a jusante (processamento de produtos agrícolas). A segunda fase é caracterizada como o período da

industrialização da agricultura; é quando a indústria, além e fornecer insumos para a produção agrícola, passa a ditar o rumo, as formas e o ritmo da mudança na base técnica das atividades rurais; é o momento da constituição do D12 para a agricultura. Por fim, a terceira fase é o período impulsionado, a princípio, pela constituição do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) e caracterizado pela fusão e integração de capitais intersetoriais, com predomínio do capital financeiro. (MELO, 2005, p. 15).

Então para Delgado (2009) existiram algumas características consensuais sobre a modernização conservadora da agricultura brasileira, que foram: 1 - a concentração nas regiões sul e sudeste dos créditos agrícolas subsidiados; 2 - o favorecimento de grandes e alguns médios produtores; 3 - privilégios quase que exclusivamente para produtos exportáveis; 4 - ligação intima da modernização agrícola com a internalização e; 5 - conjuntura internacional favorável e processo de saída de mão-de-obra do campo (êxodo rural). O autor afirmou ainda que estas características da modernização agrícola brasileira estão intimamente ligadas à ditadura militar vigente na época (DELGADO, 2009, p. 10).

Segundo Navarro (2001) na década de 70, os governos militares implantaram nas regiões mais pobres do Brasil, um conjunto de medidas voltadas para o desenvolvimento rural como proposta de uma suposta melhoria.

[...] a transformação social e econômica – e a melhoria do bem-estar das populações rurais mais pobres – foi entendida como o resultado “natural” do processo de mudança produtiva na agricultura. Este último foi meramente identificado como a absorção das novas tecnologias do padrão tecnológico então difundido, acarretando aumentos da produção e da produtividade e, assim, uma suposta e virtuosa associação com aumentos de renda familiar, portanto, “desenvolvimento rural”. (NAVARRO, 2001, p. 83).

O inicio da década 1980 é marcado pela recessão, sendo representada pelas quedas volumosas no valor do PIB em 1981 e 1983, diminuição das safras 1980/81 e 1982/83 em função de problemas climáticos e mudança nas condições e financiamento da divida externa com o FMI (SILVA, 1996, p. 110-111). Neste período o Brasil implementou políticas de cunho neoliberais, pelo lado da produção agrícola elas vieram como uma “política agressiva de preços e contencionismo de credito, logrando-se a proteção da rentabilidade para determinados segmentos empresariais” (DELGADO, 1988, p. 83 apud SILVA, 1996, p. 112). Nesta década o tema desenvolvimento rural deixou de ser foco de debate e só ressurgindo na década de 90 (NAVARRO, 2001).

      

A década de 1980 no Brasil foi marcada pelo processo de democratização da sociedade brasileira, os movimentos sindicais se revitalizaram, e novos movimentos sociais ligados ao campo surgiram, os atores e as demandas dos trabalhos do meio rural se tornaram complexos, e começou a se criticar a modernização agrícola que se adotou até ali que desvinculava o conceito de rural do de agrícola assim como o de desenvolvimento rural do de modernidade agrícola (DELGADO, 2009, p. 4).

De acordo com Delgado (2001) a transição que ocorreu do padrão “modernização conservadora” para o regime da “liberalização comercial” na década de 1990 “é mediada por todo um período de desmontagem do aparato de intervenções no setor rural, montado desde 1930 e fortemente reciclado no período militar” (DELGADO, 2001, p. 166).

Portanto até a década de 90 as políticas e ações do governo brasileiro, destinadas as áreas rurais mais pobres e o acesso à modernização foram os temas debatidos no âmbito do desenvolvimento rural (NAVARRO, 2001). Com o seu ressurgimento nos anos noventa os temas passaram a ser a revalorização da sociedade rural, suas atividades produtivas, seu modo de vida e suas características socioculturais (MELO, 2005, p. 47).

Para Delgado (2009) a década de 1990 é

[...] decisiva para demarcar os termos em que a disputa se faz na sociedade brasileira em relação ao futuro das relações entre economia e agricultura - sobre o papel da agricultura na economia - e sobre a apropriação do significado do Brasil rural e do desenvolvimento rural. (DELGADO, 2009, p. 4).

Conforme Schneider (2010), o ressurgimento do debate sobre desenvolvimento rural se deve a quatro principais fatores. Primeiro, o caminho dos debates sobre a agricultura familiar e seu potencial como modelo econômico, social e produtivo para o povo brasileiro; segundo, o aumento da influência e ação do Estado no meio rural, via políticas para a agricultura familiar e ações ligadas à reforma agrária e segurança alimentar; terceiro, a transformações no setor ideológico e político e; quarto a sustentabilidade ambiental (SCHNEIDER, 2010, p. 515-517).

Ainda segundo Schneider (2010, p. 519-526) a partir da década de 90 o tema desenvolvimento rural é debatido por autores e pesquisadores que levam em consideração as seguintes abordagens:

1 - instituições, inovação e sustentabilidade;

2 - o novo rural brasileiro, as atividades não-agrícolas e políticas compensatórias; 3 - a “força da tradição” e os limites históricos e sociais ao desenvolvimento rural e; 4 - o enfoque agroalimentar para o desenvolvimento rural.

A primeira abordagem a das instituições, das inovações e da sustentabilidade, trata da valorização da agricultura e o reconhecimento de seu potencial dinamizador das economias locais.

Abramovay (2001, 2003) e Veiga (2001, 2002) afirmam que, em geral os agricultores familiares são empreendedores, que possuem capacidade inovadora, assim como interações com as instituições locais, onde estas interações possibilitam a ampliação e a agregação de valor, a redução de custos de transação e estimulo a economias de escopo. Essa “capacidade inovadora e empreendedora dos agricultores familiares é responsável pela diversificação social e produtiva dos territórios rurais em que vivem” (SCHNEIDER, 2010, p. 519).

A segunda abordagem, o novo rural brasileiro, as atividades não-agrícolas e as políticas compensatórias, trata da importância das atividades não-agrícolas na geração de emprego e renda no meio rural a partir do final do século XX (SCHNEIDER, 2010, p. 520-521).

Para Silva (1999, apud SCHNEIDER, 2010, p. 521) com a modernização conservadora ocorreu o aumento da base tecnológica da agropecuária brasileira com isso surge o novo rural brasileiro. Com ele surge “uma nova conformação econômica e demográfica que possui como característica fundamental a redução crescente das diferenças entre o urbano e o rural, especialmente no que se refere ao mercado de trabalho, devido ao crescimento da população ocupada em atividades não agrícolas” (SCHNEIDER, 2010, p. 521). Logo o rural “deixa de ser “sinônimo de atraso” e se desconecta da agricultura, que passa a ser apenas uma de suas atividades” (SCHNEIDER, 2010, p. 521).

De acordo com Schneider (2010) o novo rural brasileiro teria como composição três grupos de atividades:

[...] uma agropecuária moderna (agronegócio) baseada em commodities e intimamente ligada as agroindústrias; um conjunto de atividades não agrícolas ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviços e, por último, um conjunto de novas atividades agropecuárias, impulsionadas por nichos de mercado. (SCHNEIDER, 2010, p. 521).

Mesmo com toda esta modernidade o rural continuava tendo um lado atrasado em que persistia a vulnerabilidade e a pobreza em grande parcela da população rural (SCHNEIDER, 2010, p. 521). E que de acordo com Silva (2001) essa parcela da população “seria formada pelos excluídos e desorganizados que, além de não terem terra, emprego, educação, saúde e renda, não teriam sequer uma organização social que os mobilizasse” (SILVA, 2001 apud SCHNEIDER, 2010, p. 521).

Para Schneider ( 2010, p. 521) este novo rural teria como semblante as famílias “pluriativas”, que combinavam as atividades não-agrícolas com as agrícolas e proporcionando a globalização entre os espaços rurais e urbanos e entre os setores da agricultura, comércio e serviços.

A terceira abordagem, a “força da tradição” e os limites históricos e sociais ao desenvolvimento rural, que trata “dos condicionantes e potencialidades dos processos de mudança social no meio rural do Brasil” partindo da “análise da tradição política de tipo tradicional e patriarcal, que obstaculizaria não só as transformações estruturais, mas, fundamentalmente, as mudanças de natureza sociocultural” (SCHNEIDER, 2010, p. 522).

Ainda segundo o autor existem limites e dificuldades desde a formação social do Brasil que impedem quaisquer tipos de alteração “mais geral nas instituições, nas organizações sociais e, sobretudo, no Estado” (SCHNEIDER, 2010, p. 522).

Navarro (2001, p. 91) também acredita que existem dificuldades e limites na transformação de uma sociedade extremamente conservadora.

A quarta e última abordagem, a de um enfoque agroalimentar para o desenvolvimento rural, trata do “agronegócio e das cadeias agroalimentares sob uma perspectiva que, em geral, não é

aquela que subscreve a teoria econômica convencional (o mainstream)” (SCHNEIDER, 2010, p. 525).

Nesta abordagem os autores estudam as formas de como integrar os pequenos produtores agrícolas às cadeias agroindustriais ou agroalimentares, tendo em vista os impactos sociais causados por esse processo (SCHNEIDER, 2010, p. 525).

[...] não se trata apenas de examinar as formas de gestão, administração, tomada de decisão, formas de inovação, acesso a mercados e comercialização, que são usualmente os temas de interesse dos estudiosos do agronegócio, mas de entender em que condições os pequenos produtores e suas organizações podem fazer frente aos desafios colocados pela forma atual como o capitalismo opera na agricultura e na produção de alimentos. (SCHNEIDER, 2010, p. 525).

De uma forma geral dentro desta abordagem existe a quase unanimidade no discurso de vários autores de que na fase em que o capitalismo se encontra existem oportunidades de reprodução social e sobrevivência dos agricultores familiares enquanto geradores de alimentos, matérias- primas e fibras, e que esta oportunidade está ligada diretamente a capacidade que eles possuem de se inserir em um ambiente, produzir avanços tecnológicos, controlar o mercado e aprimorar as formas de planejamento e gestão de suas propriedades (SCHNEIDER, 2010, p. 525).

Outro ponto que esta abordagem trata é da capacidade do agricultor familiar atender às “demandas flexíveis” dos mercados cada vez mais exigentes e segmentadas, a partir do seu poder de criatividade e inovação (SCHNEIDER, 2010, p. 526).

Para Navarro, então, o desenvolvimento rural

[...] não se restringe ao “rural estritamente falando” – famílias rurais e produção agrícola – nem exclusivamente ao plano das interações sociais, também principalmente rurais – comunidades, bairros e distritos rurais, por exemplo –, mas necessariamente abarcam mudanças em diversas esferas da vida social as quais, se têm por limite mais imediato de realização o município, podem estender-se para horizontes territoriais mais extensos, como provavelmente ocorrerá em curto prazo. Parecem assim desaparecer definitivamente o corte rural-urbano e as formas de sociabilidade, igualmente demarcadas por tal segmentação. (NAVARRO, 2001, p. 97).

Portanto o desenvolvimento rural no Brasil dentro de uma visão ampla ainda não conseguiu “diagnósticos e conjuntos de propostas e estudos” (NAVARRO, 2001, p. 97) que fossem suficientes e capazes de servir de “instrumentos analíticos adequados à reconstrução do mundo rural e suas potencialidades sociais e produtivas, considerados os desafios e impasses existentes” (NAVARRO, 2001, p. 97). Mas pode-se afirmar que o mundo rural brasileiro não é mais apenas um conjunto de atividades agropecuárias e agroindustriais e sim um ambiente que adquiriu novas funções e novas formas de ocupação (SILVA, 1997, p. 44).

Esta última abordagem do desenvolvimento rural é a que melhor se encaixa na proposta que será utilizada neste estudo, pois ela trata da dimensão rural-urbano e vai além da capacidade produtiva que o meio rural possui de se reproduzir socialmente inserido nos mais diversos ambientes e criando inovações tecnológicas incorporando-se em um mercado competitivo e global.

Para finalizar este capítulo é importante destacar que após estudar as diversas visões de desenvolvimento rural e seu percurso no Brasil, torna-se possível definir qual conceito será utilizado neste estudo. Portanto a definição que será utilizada é a de multidimensionalidade do desenvolvimento rural, onde este desenvolvimento se faz através da relação das mais diversas dimensões, ou seja, social, demográfica, econômica e ambiental.

3 METODOLOGIA

O desenvolvimento rural por ser um processo multidimensional que engloba além do aspecto ambiental, as dimensões demográfica, econômica e social, e que objetiva melhorar a qualidade de vida, bem-estar e renda de sua população, através de mudanças socioeconômicas e ambientais, tornou-se objeto de mensuração no decorrer dos anos, para tanto surgiram estudos para construção de índices que medissem este desenvolvimento rural. Desta forma diversas metodologias foram desenvolvidas para calcular o desenvolvimento rural, algumas delas a partir de subíndices ou índices parciais, que representam as dimensões do desenvolvimento rural e que ao final a média das mesmas compõe um índice final (KAGEYAMA, 2004). Outras que utilizam da análise fatorial para juntar as diversas dimensões do desenvolvimento rural em fatores comuns que constroem um índice que determina o estágio do desenvolvimento rural (MELO; PARRÉ, 2007; STEGE; PARRÉ, 2011).

Sendo assim neste estudo se utiliza a metodologia desenvolvida por Kageyama (2004) que agrupa variáveis em índices parciais de dimensões sociais, populacionais, econômicas e ambientais e a média destes quatro índices parciais resulta em um índice final denominado Índice de Desenvolvimento Rural (IDR).