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1. CONTEXTUALIZANDO O OBJETO EM ESTUDO

1.4. Desenvolvimento Urbano Sustentável, uma eterna busca

Voltando ao Estatuto da Cidade, este menciona (BRASIL, 2001, art.2º, inciso I) que o desenvolvimento pleno das funções sociais da cidade (que é um princípio Constitucional) supõe a realização plena do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e lazer, para as presentes e futuras gerações. Visto que o plano diretor, como foi apresentado no Item anterior, é o responsável pela definição do conteúdo da função social da propriedade, e esta função supõe o direito a cidades sustentáveis, caberia a esta Lei seguir o princípio do desenvolvimento sustentável. Mas seria mesmo possível alcançar um desenvolvimento urbano sustentável? Convém tecer algumas considerações para refletir acerca desta questão antes de prosseguir.

coisa e de aproveitar economicamente os seus produtos. e o direito de dispor é o direito de transferi-la, de aliená-la a outrem a qualquer título, não significando, porém, o direito de abusar da coisa, destruindo-a gratuitamente.

A relação sociedade-natureza tem-se modificado ao longo da história, estando relacionada com os diferentes modos de vida. Partiu de uma sociedade primitiva, onde não havia ainda uma separação homem-natureza e esta sequer era reconhecida como algo distinto do agrupamento humano, e chegou às sociedades de hoje, onde são tantas as formas desta relação que se torna difícil apresentar uma caracterização geral. Ao longo de todo este tempo, pode-se dizer que foram as conseqüências da Revolução Industrial, quando houve uma intensificação da degradação ambiental na sociedade capitalista, que deram início às preocupações ecológicas. No entanto, como diz Almino (2003, p.22), esta preocupação não significava a expressão de uma realidade que precisava ser urgentemente modificada, pois, se assim fosse, a ecologia não teria aguardado até a segunda metade do séc. XIX para se desenvolver.

Foi a partir da década de 1970 que a discussão sobre a cidade, o meio ambiente e a Terra, como recursos naturais finitos, passou a ganhar forças diante do poder público e da sociedade, revelando a importância de se ter um planejamento urbano e ambiental e trazendo o conceito de desenvolvimento sustentável para as cidades, entendido como um crescimento urbano que satisfaça às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades24. Pereira de Sá (2003, p.1) afirma que o rápido crescimento populacional, aliado à acelerada deterioração do meio ambiente, é responsável pela crescente ênfase na questão ecológica, que passou a fazer parte da preocupação, do planejamento e de variados discursos em diversos setores da sociedade.

Acredita-se que esta crescente ênfase também tenha sido impulsionada pelos organismos multilaterais, como o Banco Mundial, que passaram a incluir exigências de práticas sustentáveis como pré-requisito para financiamentos. Desta forma, um reencontro da cidade com a natureza começou a ser visto como uma necessidade, e este reencontro se daria, a partir deste momento, com o poder

24 Para um aprofundamento sobre este tema, importante resgate histórico foi desenvolvido por

Oliveira24 (1999), aonde o significado de “cidade sustentável” foi abordado a nível global e nacional, incluindo as temáticas Agenda 21 e Programas Habitat.

público e a sociedade buscando a melhoria da qualidade da vida urbana através de práticas sustentáveis que levariam a um desenvolvimento urbano sustentável.

Mas, se o próprio conceito de desenvolvimento sustentável é controvertido, podendo-se dizer que nos últimos tempos poucos conceitos têm sido tão utilizados e debatidos como este, não seria diferente com “desenvolvimento urbano sustentável”. Desde a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, a noção de desenvolvimento sustentável vem sendo debatida estando associada às políticas urbanas. Os debates sobre desenvolvimento, que de início tratavam apenas do desenvolvimento econômico e social foi “esverdeando”, principalmente nas agências multilaterais. Desta maneira, desde os princípios da Agenda 21, o debate sobre as políticas urbanas passou a incluir questões relacionadas ao meio- ambiente.

É comum a crença de que os seres humanos, ao se concentrarem num determinado espaço físico, aceleram os processos de degradação ambiental. De acordo com esta lógica, a degradação ambiental cresce na proporção em que a concentração populacional aumenta. Acselrad (1999, p.79) menciona que, desde o Relatório Brundtland diversas matrizes discursivas25 têm sido associadas à noção de sustentabilidade, entre estas: a da eficiência, da escala, da equidade, da auto- suficiência e da ética, e que, para se afirmar que algo é sustentável, é preciso realizar uma comparação entre dois momentos situados no tempo: entre passado e presente, entre presente e futuro. Desta maneira, as políticas públicas que visam o ordenamento das cidades com a minimização do atual quadro de injustiça social, não podem fugir a esta comparação.

A sustentabilidade é uma noção a que se pode recorrer para tornar objetivos diferentes representações e idéias (ACSELRAD, 1999, p. 80).

O conceito de sustentabilidade urbana, neste contexto, faria parte de um tipo de idealização, de utopia, que, de acordo com Veiga (2004, p.4), no sentido

25 Maiores esclarecimentos sobre estas matrizes podem ser encontrados no texto: Discursos da

sustentabilidade urbana, publicado na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, nº1/ maio de 1999.

filosófico contemporâneo significa uma visão de futuro sobre a qual uma civilização cria seus projetos, fundamentando seus objetivos, ideais e suas esperanças. Assim, embora as boas intenções sejam praticamente inquestionáveis, sabe-se da grande dificuldade de se implementarem ações apoiadas numa solidariedade capitalista, visto que o conceito de sustentabilidade traz consigo um discurso de manutenção do capitalismo em nível global (COSTA, 2000, p.62). Essa mesma idéia é defendida por Harvey (1996, P.148) ao argumentar que todo esse debate em torno de ecoescassez, limites naturais, superpopulação e sustentabilidade é um debate sobre a preservação de uma ordem social específica e não um debate acerca da preservação da natureza em si.

Em síntese, a incorporação do termo sustentável às questões urbanas reflete o alargamento das bases conceituais e a multiplicação da quantidade de estudos voltados para as questões ambientais, mas numa realidade repleta de limitações. Moura (2000, p.64) menciona que a recente evolução de experiências de planejamento e de práticas urbanas parece ter assumido o desenvolvimento sustentável como a principal meta a orientar as propostas de ação. Isto não significa que, por ser meta, seja simples de se alcançar. Tome-se como exemplo o tratamento dado às políticas públicas no Brasil que, em geral, são tratadas pela administração pública de forma setorizada.Vitte (2002, p.34) enfatiza que a dimensão ambiental demanda interfaces que desfaçam os limites rígidos, podendo desta maneira se tornar mais eficaz e efetiva além de demandar uma “leitura do território” e pressupor um debate público, no qual informações e conhecimentos circulem. A autora sugere ainda que seja recuperado o significado da política tendo como referência a noção de cidade política da antiguidade greco-romana e colocando o debate ecológico em seu devido lugar: subordinado à questão política e como uma referência nas práticas de planejamento urbano e de gestão de cidades. Um meio ambiente sadio e preservado seria uma das expressões desta conquista.

Através do exposto, reforça-se a importância de abordagens que tratem do uso e ocupação do solo, pois a gestão social da terra levando-se em consideração critérios de proteção ao meio ambiente, necessita ser tratada no atual contexto de

uma sociedade capitalista, já que não se pode fugir deste. Segundo Harvey (1992, p.78), após o urbanismo progressista da era moderna, que pode ser analisado sob diversos aspectos, tanto positivos quanto negativos, no urbanismo pós-moderno tem dominado uma visão fragmentada do tecido urbano, acabando por ser uma prática orientada para o mercado e não para fins sociais, substituindo o zoneamento do planejador do urbanismo progressista por um zoneamento do mercado, que resulta em gentrificação (elitização) e nada faz pelos mais pobres.

Nesta visão fragmentada, entende-se que a sustentabilidade urbana inclui, mas transcende a questão ambiental, na busca por um direcionamento para a atuação do poder público, aonde é incorporada como um pré-requisito sem o qual os “planos ou projetos” não estariam atualizados. Desta maneira, as dimensões institucional, financeira e política do planejamento das cidades, aliadas à dimensão ambiental, devem incluir a recuperação de mais-valias fundiárias como um princípio de justiça social na busca por cidades sustentáveis, com qualidade de vida, espaços e recursos ambientais duráveis em prol da própria manutenção da espécie humana.