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Em relação ao estado de Mato Grosso, um estudo desenvolvido pelo Instituto Socioambiental (ISA, 2005) aponta alta taxa de desflorestamento em reservas legais obrigatórias das propriedades rurais. Para o trabalho o ISA (2005) utilizou dados do Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais do estado de Mato Grosso e os dados de desflorestamento de 2003 e 2004 do INPE. Os resultados mostram que no período foram desflorestados 85.283 hectares em reservas legais registradas no sistema estadual pelos proprietários, sendo que este desflorestamento em reservas legais correspondeu a 31% de todo o desflorestamento ocorrido em Mato Grosso no período 2003- 2004. Isso quer dizer que, no período 2003-2004, 31% do desflorestamento realizado em Mato Grosso foi totalmente ilegal. O estudo também concluiu que as propriedades que já possuíam mais de 20% da área desflorestados, já com passivo ambiental, continuavam desflorestando. Em números absolutos, as propriedades da classe de área entre 1.500 e 5.000 ha foram as que apresentaram maior superfície desflorestada em áreas de reserva

legal, seguidas pelas classes de 400 a 1.500 ha e de 5.000 a 10.000 ha. Em dados relativos, a classe de área que apresenta maior índice de desflorestamento é a que vai de 10.000 a 20.000 ha, seguida de longe pela classe de 100 a 400 ha e de 400 a 1.500 ha. Além disso, podemos concluir que a área desflorestada ilegalmente é superior aos dados apresentados pelo ISA, visto que o estudo considerou somente as propriedades cadastradas no sistema estadual, o que não compreende todas as propriedades de Mato Grosso.

Esta alta taxa de deflorestamento ilegal demonstra que as ações do Estado não conseguem coibir a atividade, mesmo que o proprietário da terra saiba que sua propriedade está sob fiscalização. Isso nos faz refletir sobre a eficácia das medidas chamadas “sustentáveis” na Amazônia, pois elas só podem ter sucesso com a legalidade. Como demonstraremos, o desflorestamento é apenas uma das práticas ilegais na Amazônia.

O maior produtor individual de soja do mundo e também (ou por esta razão) governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, frente à crise mundial de alimentos de 2008 declarou, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, que “não há como produzir mais comida sem fazer ocupação de novas áreas e a retirada de árvores”. De acordo com a matéria, o governador de Mato Grosso afirmou que a crise dos alimentos vai se agravar e será necessário discutir se preservamos a natureza ou produzimos alimentos. Segundo o discurso de Maggi, o estado de Mato Grosso respeitou as leis no passado e "nenhum estado com essa potencialidade econômica tem tantos cuidados ambientais." Ainda segundo o Governador, as terras já abertas e utilizadas pela pecuária extensiva não são adequadas para a expansão do setor agrícola do agronegócio, sendo necessário abrir novas áreas. (VARGAS/FOLHA DE SÃO PAULO, 25 abril 2008). Mas se Maggi afirma que novas terras são necessárias para produção de alimentos (entendamos soja), o Presidente Lula, na defesa de outro setor do agronegócio - os agrocombustíveis -, afirmou no seu discurso na FAO em 2008, na ocasião das discussões sobre a crise mundial de alimentos, que no Brasil há grande disponibilidade de terras exploráveis que não são utilizadas (77 milhões, segundo os dados apresentados pelo Presidente) e ainda mais 40 milhões de hectares de pastagens degradas e subutilizadas. Por isso, o Presidente defendeu que há possibilidade de expandir a produção de agrocombustíveis (especialmente álcool) sem haver necessidade de ocupar novas áreas na Amazônia ou de reduzir a área plantada com alimentos. (FOLHA DE SÃO PAULO, 03 jun. 2008). Desta forma, talvez o discurso em defesa da ocupação de novas áreas possa ser explicado por um dado do Instituto FNP, que estuda o setor do agronegócio. De acordo com o instituto, em 2007 houve uma valorização de 17,83% das terras em regiões agrícolas brasileiras e a valorização tende a continuar em 2008. (FORTES/FOLHA DE SÃO PAULO, 10 fev. 2008). Eis o discurso controverso e unilateral do agronegócio, lucro na produção e na especulação! Quanto às afirmações de

Lula, devemos considerar que, para produção de agrocombustíveis no Brasil, pode não haver concorrência por terra, porém, caso a produção de agrocombustíveis aumente significativamente, os recursos produtivos da agricultura, grande parte financiado pelo Estado e limitados, serão utilizados nas culturas para agrocombustíveis em detrimento da produção de alimentos.

Ainda em relação ao discurso do agronegócio, a visita do Presidente Lula a Gana mostra a contradição da produção de agrocombustíveis. Na ocasião foi instalada uma unidade da Embrapa naquele país. Um dos principais objetivos da estatal brasileira em Gana é contribuir para o desenvolvimento da produção de agrocombustíveis. A empresa brasileira Constram S/A irá produzir álcool em Gana para ser vendido à Suécia. (FOLHA ONLINE, 21 abril 2008). Vale a pena lembrar que em 2007 Gana estava em 155º lugar no

ranking do IDH, com 0,55, e a Suécia, em 6º lugar, com 0,96. Desta forma, que tipo de

desenvolvimento é possível a partir de relações tão desiguais que transforma a agricultura em mais um negócio do capital? Vemos que a agricultura se torna, no contexto da

globalização perversa, definida por Milton Santos (2003), uma mercadoria como qualquer

outra e sua produção e consumo são submetidos à lógica do lucro. A crise dos alimentos é mais um elemento que estará presente doravante no discurso do agronegócio e já compõe a dimensão imaterial de seu território. Como vemos, os discursos e as práticas do agronegócio são antagônicos, mas mesmo assim o presidente da república se transforma em um cacheiro viajante do agronegócio.

Retornando ao desflorestamento, os números oficiais do Ministério do Meio Ambiente também auxiliam no dimensionamento da ilegalidade no processo. Entre 2003 e 2007 o IBAMA e o MMA realizaram em suas ações conjuntas a apreensão de

aproximadamente 1.000.000 m3 de madeira ilegal; aplicação de cerca de 3 bilhões de reais

em multas; desconstituição de 1.500 empresas e prisão de 650 pessoas, sendo 121 servidores do IBAMA, 19 servidores públicos de outros órgãos e 510 madeireiros e lobistas. Em 2008 o IBAMA disponibilizou em seu site a relação das áreas embargadas em razão de crimes ambientais desde janeiro de 2007. São 4.157 áreas em todo o Brasil, sendo 2.708 (65,1%) nos estados da Amazônia Legal, principalmente Rondônia, Pará, Acre, Mato Grosso e Amazonas. Conforme o decreto 6.321 de 21 de dezembro de 2007, essas áreas não poderão ser utilizadas até sua recuperação e quem comprar produtos dessas propriedades poderá ser incriminado. Os responsáveis pelos crimes nas áreas são punidos com multas e restrição de crédito em bancos oficiais.

Sabemos que a ilegalidade e a corrupção nos confins da Amazônia vão além desses dados conhecidos. O Estado, apesar de todos os investimentos para detectar ações ilegais por meio de levantamentos via satélite, pelo sistema SIVAM ou fiscalização presencial, não consegue controlar a ambição das madeireiras, grileiros e fazendeiros na

Amazônia. Além da ação direta, é necessário que sejam realizadas ações indiretas que coíbam a territorialização do latifúndio e do agronegócio nesta região. Contudo, a ação do Estado através de programas como o Plano de Desenvolvimento do Centro-Oeste – 2007- 2020 e o Programa de Aceleração do Desenvolvimento (PAC) - 2007-2010, indicam o incentivo à ocupação efetiva da região pelo estabelecimento e intensificação de atividades produtivas agropecuárias, mineradoras e industriais. Para isso estão previstas ações de desenvolvimento da cadeia do agronegócio e melhoria na rede viária para escoamento da produção. A exploração legal de madeira na Amazônia é outra evidência do incentivo do Estado na continuação da ocupação da região. Em 2007 a exportação legal de madeira dos estados da Amazônia Legal somou 1,2 bilhões de dólares. Neste sentido, as ações de “sustentabilidade” na Amazônia parecem muito mais uma falsa resposta à sociedade do que uma vontade efetiva dos governos de conter o processo de ocupação e desflorestamento. O desflorestamento é o caráter mais primário para a delimitação da frente pioneira da fronteira agropecuária. O intenso desflorestamento é resultado da escolha do modelo agrário (que inclui o agrícola) sustentado por todos os governos desde o golpe militar de 1964. No processo de ocupação são cometidos diversos crimes ambientais. Como veremos mais adiante, é à custa da abertura constante de novas áreas que o agronegócio “progride” e a estrutura agrária atual é conservada.

9.2. Unidades de conservação e terras indígenas

Em 2007 as unidades de conservação federais e estaduais (mapa 9.5) eram 596 e totalizavam 99,7 milhões de hectares, sendo 98 milhões referentes às unidades de conservação em ambientes terrestres. Dessas unidades, 310 (41,5 milhões de ha) são de proteção integral e 286 (58,2 milhões de ha) de uso sustentável. Entre 1997 e 2007 foram criadas 251 unidades de conservação e acrescidos 51,35 milhões de hectares de unidades em ambientes terrestres. A distribuição territorial das unidades de conservação é desigual e a maior parte está no bioma amazônico, que concentra 74,2 milhões de hectares - 75,7% do total. Existem cinco tipos de unidades de proteção integral: estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e refúgios da vida silvestre. A habitação humana é proibida nessas unidades, sendo permitidas somente atividades educacionais, de pesquisa e de turismo ecológico, dependendo o regulamento específico de cada tipo. As unidades de uso sustentável são menos rígidas quanto à exploração da natureza e permitem a habitação humana. Essas unidades são tipificadas em sete: áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas da fauna, reservas de desenvolvimento sustentável e reservas

particulares do patrimônio natural. As reservas extrativistas e as reservas de desenvolvimento sustentável são especialmente dedicadas à exploração por populações tradicionais. Essas unidades admitem a exploração madeireira e a substituição da vegetação natural, de acordo com o plano de manejo das unidades.

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