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4. Interação humana e suas relações com as coisas

4.1 Perspectivas em design: metáforas intencionais para coisas não humanas

4.1.1 Design de artefatos auto-evidentes

Na primeira linha de design encontramos os estudos de ergonomia cognitiva e manuais desenvolvidos para o aperfeiçoamento de interfaces (Raskin, 2000; Shneiderman, 1997; Mandel, 1997). Algo tratado até como “a arte de representar zeros e uns numa tela de computador” (Johnson, 2001, p. 04). Seria a fusão da arte com a tecnologia o que Johnson defende como o conceito de design de interface (p.11). É deste autor também um conceito, em certa medida, apropriado ao termo interface:

“Em seu estilo mais simples, a palavra se refere a softwares que dão forma à interação entre usuários e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível à outra. Em outras palavras, a relação governada pela interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força física.” (p. 17, grifos do autor).

Ou ainda: “um computador deve representar-se a si mesmo ao usuário, numa linguagem que este compreenda” (p. 17). Note-se o quanto a visão de Johnson passeia por esta tendência auto-explicativa em design. Pensar em máquinas que se auto-explicam já

conota ações que adviriam dos próprios computadores, como se os projetos dos designers passassem a ser conduzidos intencionalmente pelos próprios computadores.

Dessa linha de pesquisas, teriam surgido e conseguido força as Interfaces

Gráficas do Usuário (Graphical User Interface - GUI), chamando atenção o comportamento

“interativo” que elas possibilitam. Mais do que formular comandos completos que estariam certos ou errados, o usuário faz ajustes graduais manipulando os objetos na tela, selecionando textos, desenhos, imagens ou outros, havendo retornos na forma de som, texto e imagem. Tais ajustes podem ser feitos e refeitos em diferentes direções, tantas vezes quantas o usuário desejar, por exemplo, agir com um processador de textos ou trabalhar com elementos em editores gráficos, numa série de ações. Se há alguma complexidade na tarefa, o uso pode ser complementado com menus, links e caixas de diálogo. Este tipo de trabalho tem sido chamado “manipulação direta”, por tratar-se de um ciclo de ações do usuário em direção à tela.

Este exemplo de relação possibilitado pelas interfaces gráficas reforça o argumento de que as intenções do autor (designers e programadores) podem vir “transparentes” na interface, e têm sua base num modelo de ação dos usuários que foge ao modelo da cognição situada. Isso porque poderíamos, com base nesta visão de cognição situada, dizer que antes de as ações dos usuários serem movidas por algum objetivo que, ilusoriamente, estaria em sua cabeça, a seqüência das ações vai sendo modificada através dos caminhos e dos sentidos efetuados pelos próprios usuários ao interpretarem suas ações. Esta interpretação feita pelos usuários é dependente de particularidades sociais e circunstanciais. No entanto e geralmente, justamente estas particularidades sociais e circunstanciais são negligenciadas por tais perspectivas de design (design de artefatos auto-evidentes).

Por exemplo, Norman (1988) contempla uma visão de usuário sem considerar os efeitos das ações sobre o ambiente, negligenciando, portanto, o reconhecimento de como as

seqüências de ações acontecem e se influenciam. Norman defende que há princípios psicológicos que podem ser seguidos para tornar as coisas inteligíveis e usáveis (p. 03). Com isso, é defensor de princípios de design como, por exemplo, visibilidade. A ausência de visibilidade tornaria difícil manusear alguns artefatos computacionais, assim como o excesso de visibilidade pode tornar algo que seria simples parecer complexo, intimidando o usuário. Segundo o autor, outros princípios, como pistas apropriadas e feedback às ações podem ser aprimorados através de estudos de uma psicologia preocupada em como as pessoas interagem com as coisas. Parte desta interação seria possível pelas habilidades cognitivas humanas para operar com coisas, e a outra parte viria da habilidade do designer em tornar as operações claras. Ou seja, seria possível fazer um mapeamento entre as ações pretendidas e as operações reais.

O pensamento de Norman está baseado na idéia de que um bom “modelo conceitual” pode servir para predizer os efeitos de nossas ações. Este modelo advém das idéias que as pessoas têm de si mesmas, dos outros, do ambiente e das coisas do mundo. Tais modelos seriam formados através da experiência, treinamento e instrução. De acordo com essas idéias, há um modelo mental do designer e um modelo mental do usuário (desenvolvido através da interação com sistemas). O designer espera que o modelo mental do usuário corresponda ao seu próprio modelo mental, mas não estando ambos em uma interação direta, é apenas através da imagem do sistema (termo preferido por Norman, mas que poderíamos chamar interface) que a comunicação acontece. Os problemas de uso viriam de incompatibilidades nos modelos, quando a imagem do sistema é incoerente ou inadequada, incompleta ou contraditória, gerando dificuldades ou problemas no uso.

Um maior conhecimento dos indivíduos em situações reais, inseridos em suas práticas culturais, talvez lançasse luzes válidas para destrinchar o “paradoxo da tecnologia” comentado por Norman (1998, p. 30-31): O desenvolvimento da tecnologia segue uma curva

em U – começando com um alto grau de complexidade, atingindo um nível mais baixo e confortável, voltando, então, a crescer, com a adição de novas funções ao artefato. O paradoxo é que uma mesma tecnologia desenvolvida para simplificar a vida (por proporcionar mais funções), também complicaria a vida, porque o instrumento se torna mais difícil ao uso.

Mas nos parece contraditório conciliar os pressupostos para um estudo de indivíduos em situações reais com a idéia de modelos mentais cara à Norman13.

Defender uma cognição distribuída (Hutchins, 1990), como defendemos, leva-nos a considerarmos o ambiente como um recurso cognitivo que pode ser usado tão bem quanto recursos psíquicos, tais como a memória de longo prazo, por exemplo. Essas idéias causam mudanças na ênfase dada a alguns aspectos da interação humano-computador.

A idéia de intencionalidade, por exemplo, se tomada a partir dos argumentos da cognição situada (Suchman, 1987) e distribuída (Hutchins, 1991), é vista não como algo que estaria previamente na cabeça dos sujeitos e conduziria a algum objetivo, mas como algo que se transforma na própria atividade cognitiva por parte dos sujeitos engajados numa situação. Não há um conjunto de objetivos prévios às ações, num espaço de problema, o que há é uma atividade cognitiva que se dá só e tão somente numa integração do indivíduo em sociedade.

Mas como conceber o termo interação, ou pensarmos uma metáfora conversacional, se tomarmos as atividades com computadores como um jogo de linguagem14 que se dá entre as intencionalidades dos usuários (que produzem também sentido no uso) e um artefato incapaz de atingir as dimensões intencionais nessa atividade? Esta questão torna- se uma espécie de paradoxo para os estudos em design que miram a construção de máquinas auto-evidentes. Paradoxo que se complexifica com as tentativas de dotar a máquina com uma

13 O pensamento de Norman atualmente já avança em relação aos seus primeiros trabalhos, tornando o contexto

algo imprescindível ao bom desenvolvimento de artefatos (Norman e Draper, 1986).

14 Embora não aprofundemos a idéia deste pensador, achamos interessante marcar que nossa concepção de linguagem tem fortes ligações com a idéia de jogos de linguagem do segundo Wittgenstein (1996), o de Investigações Filosóficas, pela necessidade de tomá-la contextualmente e toda emergência de significados ser algo da ordem da interação.

certa intencionalidade, e vão além das interfaces gráficas do usuário ou outros padrões cuja ênfase esteja nas intenções dos designers, e na idéia de que estas podem ser desvendadas no uso. Então, uma outra tendência dos trabalhos em design é encontrada principalmente entre aqueles que estudam a Inteligência Artificial e miram o desenvolvimento desta suposta “certa intencionalidade” às máquinas.