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1. Introdução

2.2 Conceitos relacionados ao Design

2.2.1 Design Ergonômico

Desde seus primórdios, a ergonomia centrou seu domínio na análise do trabalho, entretanto nas últimas décadas – também pela aproximação das máquinas às atividades cotidianas – a Ergonomia ampliou seu foco para os objetos do dia-a-dia, e sua prática tem fundamentado o ‘Design Ergonômico’, ou seja, “[...] a aplicação do conhecimento ergonômico no projeto de dispositivos tecnológicos, com o objetivo de alcançar produtos e sistemas seguros, confortáveis, eficientes, efetivos e aceitáveis” (PASCHOARELLI 2003, p. 8).

Segundo Iida (2006) “a Ergonomia, desde o início, foi considerada como um dos principais fatores do Design, possibilitando elaborar projetos bem adaptados às capacidades e limitações dos consumidores/usuários”.

Contudo, ao observar-se a história e, principalmente, o início do Design, Niemeyer (2006) relata a incipiente industrialização como um período de grande confusão quanto à concepção formal de produtos, e que isto se deu devido a influência das correntes artísticas que atribuíam à produção industrial soluções com forte apelo estético. Nas primeiras décadas do Século XX, o funcionalismo surge, e por meio dele a função como sinônimo de qualidade. Mas é só após a II Guerra Mundial que as teorias ergonômicas começam a ser aplicadas no desenvolvimento de produtos (NIEMEYER, 2006).

A ideia de adequação dos objetos ao homem, no entanto, existe desde os primórdios da humanidade, afinal, “caçadores pré-históricos já fabricavam armas de pedra lascada há 2 milhões de anos, adaptando- as à anatomia de suas mãos” (IIDA, 2016, p.263).

Assim, inicialmente, a Ergonomia contribuiu para o projeto de interfaces amigáveis, que conforme mostra Iida (2006) tem focado seus estudos e sua aplicação em temas como: desempenho sensorial e motor; gastos energéticos; dimensionamentos antropométricos; processos cognitivos; análise de erros e acidentes; fadiga, estresse e doenças ocupacionais; organização do trabalho; e estudo dos fatores ambientais.

Este escopo é ampliado, quanto à interação Design e Ergonomia, para o desenvolvimento de produtos por Soares (1998) que afirma que

A ergonomia e, mais especificamente, a ergonomia do produto (a área de estudo que objetiva sistematicamente analisar os artefatos e sua interação com os seres humanos) pode ser considerada como uma ferramenta fundamental na busca de qualidade na concepção do produto. Os produtos ergonomicamente bem concebidos são aqueles que consideram uma grande variedade de utilizadores - o utilizador cotidiano, os curiosos, os idosos, as crianças, os homens, as mulheres, os saudáveis e os insalubres - oferecendo segurança, eficiência, conforto e satisfação estética em condições normais de uso e sob condições previsíveis de uso indevido. Embora, em geral, nem todos os fatores de satisfação do

usuário sejam necessariamente ergonômicos, produtos ergonomicamente bem projetados visam garantir a satisfação do usuário.

Para Gomes Filho (2006), quando se fala de produtos industriais, a relação usuário-produto vinculada aos conceitos de ergonomia e usabilidade trata da operacionalidade de um produto, a qual em Design define-se como sendo as “ações ou atos físicos realizados por qualquer usuário para utilizar um produto e fazê-lo funcionar e, de modo amplo, para manejar ou controlar qualquer coisa” (p.67).

Porém, nas últimas décadas, há um consenso de que “o bom design torna um produto útil, autônomo e em sintonia com seu ambiente” (BUTI, 2006). Mas existem ainda fatores relevantes ao design e que enfatizam o que Buti (2006) chamou de “aspectos psicológicos da relação produto-usuário”. Ou seja, trata- se do design aliado a ergonomia que é de fácil identificação e busca gerar confiança no próprio produto e criar uma interface usuário-máquina ideal, sem desconsiderar certas qualidades técnicas (propriedades de manipulação, facilidade de limpeza, ruído produzido, clareza do manual de instruções). Buti (2006) defende que o “design ergonômico deve ser considerado como uma forma de enfrentar os tópicos do planejamento, colocando o homem no centro do processo”.

Norman (2006) destaca que produtos bem projetados são fáceis de interpretar e entender por conterem pistas visíveis para seu funcionamento. Para este autor, o princípio que guia a maioria dos produtos considerados de Design ergonômico é aquele que diz que “forma segue função”, afinal, esses produtos devem indicar como e para o que eles foram destinados a ser usado.

Nota-se que, para a maior parte dos teóricos, o objetivo da Ergonomia aplicada ao Design está em tornar um objeto intuitivo para o maior número de pessoas possível. Entretanto, esta é uma definição bastante simplória sob vários aspectos. Bernsen (1989), por exemplo, diz que “a ideia de que a forma segue função é básica [...], mas isso não significa apenas que o projeto deve cumprir a função ‘dada’ do produto: o design também é uma interpretação contínua do que é a função”, e na atualidade bem se sabe que novas demandas funcionais são estabelecidas e deve-se buscar atende-las.

Além disso, cada vez mais, compreende-se que o conceito de função quando atribuído a um ‘produto de uso’ não trata apenas da função efetiva do objeto, mas de toda e qualquer necessidade do usuário. Isto posto, diz-se que “não existe função, existem funções” de um produto, e “temos o mau hábito de usar a palavra ‘função’ de modo impreciso, para abranger conceitos e valores bastante distintos entre si” (CARDOSO, 2012, p.101).

O que é corroborado pela afirmação de Buti (2006), para a qual “o Design Ergonômico baseia-se na definição ativa de um produto por meio de análise de uso e de suas características e suas outras necessidades” tendo como objetivo conceber produtos de qualidade adaptados aos seus usuários. Este autor destaca que parece haver pouca distinção entre necessidades puramente comerciais e as do usuário

final, e segundo ele, a Ergonomia “se preocupa com a reação ou resposta de um produto às necessidades funcionais do usuário no cotidiano e às suas características psicofisiológicas”.

Neste ponto, a Ergonomia vai ao encontro das práticas do Design que para Santa Rosa (2016) envolvem a busca de meios para identificar as necessidades, os objetivos e as especificidades de usuários potenciais, procurando também compreender o contexto de utilização. Assim, vale colocar em destaque que a práxis do Design Ergonômico utiliza de variados métodos e ferramentas, que buscam formar um processo unificado orientado para a definição de produtos e sistemas adaptados para uso humano.

Buti (2006) reforça esta ideia, pois de acordo com ele para tornar os produtos industriais ergonômicos é necessário realizar uma avaliação objetiva (utilizando técnicas para a definição de dados quantificáveis) e a coleta e comparação das experiências subjetivas de usuários potenciais (que fornecem informações sobre as tendências).

É particularmente importante fazer uma análise dos possíveis padrões de comportamento do usuário em relação ao produto, sejam estes adequados ou impróprios, para que as informações possam ser reunidas sobre possíveis dificuldades que possam encontrar. [...] O feedback, seja positivo ou negativo, que um produto recebe do usuário, é uma parte fundamental do processo a partir do qual as ideias inovadoras podem ser desenhadas (BUTI, 2006).

Outro ponto bastante relevante é descrito por Iida (2016), pois segundo o autor, durante o desenvolvimento de um projeto pode ocorrer de chegar-se a uma ‘alternativa tecnicamente perfeita’ para uma determinada função, mas que apresenta problemas de usabilidade ou é pouco agradável. E neste caso o projetista em questão deve gerar mais alternativas, mesmo que signifique uma pequena perda do desempenho técnico. Afinal, ”[...] em empresas modernas e competitivas, esse resultado significa atender às necessidades e aos desejos dos consumidores e do mercado” (p.268).

Em resumo, pode-se dizer que a qualidade técnica depende dos aspectos materiais; a usabilidade, dos aspectos anatômico-fisiológicos; e a agradabilidade, dos aspectos emocionais. Os produtos ainda têm outras características importantes, como preço, marca e moda, mas [...] fogem do escopo da ergonomia. (IIDA, 2016, p.267)

Butis (2006) discute que esta dicotomia está relacionada ao racionalismo que sustentou por muito tempo que "o que é certo é bonito", priorizando os aspectos funcionais sobre os formais, e gerando a ideia de que “a imagem de um produto é uma entidade desprezível em termos de avaliação e, ainda mais, que um produto ergonomicamente correto é provavelmente antiestético”.

Este autor reforçou inclusive a importância de criar métodos de investigação rigorosos que possibilitem medir beleza, analisar a forma e a cor, que para ele estão relacionados ao significado de um produto em relação à cultura e à história daqueles que os percebem e sistematizou algumas diretrizes, descritas na tabela 4 (BUTI, 2006).

Tabela 4. Comparação de métodos de análise para produtos já realizados e aqueles em fase de planejamento.

Produtos e Sistemas Já realizado Em planejamento

Objetivos - verificar a qualidade ergonômica - certificar a qualidade ergonômica - introduzir qualidade ergonômica desde a fase de desenho Produtos (material ou

simulação de computador)

- existente e funcional

- ideia não-material (em papel ou computador)

- modelos não funcionais

- protótipos parcialmente funcionais Aspectos objetivos

- dados extraídos da análise e testes laboratoriais

- dados extraídos de análises e testes parciais em modelos e protótipos - dados extraídos de análises e testes em produtos Similares

Aspectos subjetivos

- avaliação especializada para comparação com padrões e regulamentos

- análise de uso com sujeitos

- uso da análise de aspectos parciais em modelos e protótipos

- extrapolação de análises de uso em produtos relevantes

Aspectos emocionais

- análise da aceitação do produto com sujeitos, para comparação com outros produtos da mesma

categoria.

- análise da aceitação do produto com sujeitos para a definição, descrição e avaliação de parâmetros relevantes. Fonte: Traduzido de Butis, 2006.

Entre os que trabalham com ergonomia muitos ainda resistem em considerar a forma de um produto e seus significados. Na edição mais recente de seu livro ‘Ergonomia: Projeto e produção’ Iida (2016) discutiu tais conotações e principalmente as emoções decorrentes dela sob o ponto de vista da Ergonomia e evidencia que os critérios de natureza funcional são mais fáceis de elaborar, enquanto os de natureza emocional são mais complexos, subjetivos, e de difícil avaliação. Segundo este autor “os próprios usuários/consumidores encontram dificuldades para descrever as características consideradas atrativas ou agradáveis que desejariam”.

É um desafio para designers projetar objetos funcionalmente adequados, com aplicação da ergonomia e que ainda se destaquem por suas qualidades estéticas, simbólicas e fatores emocionais. “Em linguagem popular, pode-se dizer que o bom deve ser aliado ao bonito. E cada um resulta da aplicação de um conjunto de conhecimentos e metodologias próprias” (IIDA, 2006), que são designadas por fatores racionais e fatores emocionais de um projeto (Tabela 5).

Tabela 5. Os fatores do design.

Fonte: Iida, 2006.

Em cada tipo de produto, poderá haver predominância de um dos fatores. Devendo-se buscar um equilíbrio adequado entre elas para cada tipo de produto. Afinal, na atualidade, cada vez menos as tecnologias de diferentes empresas se diferenciam, ao que se pode afirmar que sem os fatores emocionais, que norteiam a agradabilidade, dificilmente um produto será destaque no mercado.

Fabricantes, pressionados pelo mercado, tem tirado vantagens e “preferem alterar os aspectos de agradabilidade e de usabilidade dos produtos porque as qualidades técnicas não são tão visíveis ao consumir e também são de mais difícil modificação”. E por outro lado, existem muitos “produtos que são tecnicamente bem resolvidos, mas carecem das qualidades de usabilidade e agradabilidade, para que sejam atraentes ao consumidor” (IIDA, 2016, p.267).

Assim, também por questões relacionadas ao mercado, elaborar projetos que busquem proporcionar um uso efetivo e que também valorize os aspectos emocionais de um produto deve ser um dos objetivos do Design. Afinal, se uma pessoa decidir que não gosta de um produto, em seu primeiro contato emocional, dificilmente essa opinião será modificada posteriormente, pelos benefícios funcionais (IIDA, 2006), e reciprocamente, mesmo que um produto seja aceito em seu primeiro contato emocional, se as questões relacionadas ao uso não forem bem estabelecidas isso pode levar os usuários a frustação e ao abandono desse produto.

Fatores Racionais Fatores Emocionais

Bom Bonito

Função prática Função estética Função simbólica Funcionalidade -Utilidade Beleza - Enfeites - Decoração Usabilidade - Ergonomia Técnicas - Materiais - Processos - Acabamentos - Cultura - Sociedade - Moda - Tendências Análises técnicas - Análise da função - Análise da tarefa - Análise morfológica - MAP - QFD Métodos determinísticos Sínteses holísticas Percepção global - Visão - Audição - Olfato - Tato Métodos criativos Física Química Biologia Engenharias Arte Psicologia Antropologia Sociologia

Neste sentido, deve haver grande interação entre designers e demais profissionais responsáveis pelo projeto, desde as fases iniciais de um projeto que busque proporcionar uma interação usuário-produto que integre uso efetivo e critérios emocionais.

Assim, nota-se que o Design Ergonômico, área que tem gerado diversos estudos – e por meio deles, conceitos e métodos – é uma área que tem ganhado novos escopos, a fim de ficar ajustada a contemporaneidade e seus desafios, e certamente emoção é um deles.

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