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ÍNDICE DE QUADROS

1 PORQUE E COMO ESTUDAR A SAÚDE NAS IDADES MAIS AVANÇADAS? AVANÇADAS?

1.8 Desigualdades em saúde Por que o espaço importa?

O espaço na sua totalidade é representado pelos elementos nele contidos: os homens, as instituições, o meio ecológico e a infraestrutura, podendo sofrer variações qualitativas e quantitativas, mesmo assim apresentam uma realidade única e total (SANTOS, 1992). Desta maneira o homem, além de ser o habitante de um determinado lugar, passa a ser também o produtor, o consumidor e membro de uma classe social, e ocupante particular e especial no espaço, definindo assim o seu valor (SANTOS, 1993).

Considera-se, portanto, que o espaço é resultado da ação da sociedade sobre a natureza, e que sua configuração incorpora a estrutura social e a consequência da dinâmica dessa complexa organização e interações, compreendendo todos esses elementos inclusive o físico (SANTOS, 1980; CARMO; ANDRADE; BARRETO, 1995).

Santos (1992) enfatiza que a forma de ocupação do espaço repercutirá no futuro, sendo intrínseco aos determinantes das condições de vida. Portanto, o espaço passa a ser produto das decisões que conduzem sua organização, de acordo com os critérios de predominância econômica e social, percebendo a sua historicidade. Por isso, para estudar o espaço há que se valer dos enfoques interdisciplinares que requerem da geografia uma constante interação com as ciências do homem e da vida (FERREIRA, 1991).

Considerando esse entendimento, a epidemiologia concebe o espaço geográfico como uma perspectiva ímpar, que possibilita apreender as interações que permeiam a ocorrência da saúde e doença nas populações (SILVA, 1997). Entender como o espaço se constitui, retomando a sua historicidade, possibilita alcançar a realidade sem excluir sua complexidade. Para Paim (1997) o processo de produção e distribuição da doença e a constituição do espaço têm os mesmos determinantes, sendo que este último representa as condições de vida dos elementos que o ocupam, expressa a mediação capaz de informar algumas relações entre a sociedade e a saúde.

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Sobre isso, no século V a. c. Hipócrates já fazia os primeiros registros sobre a relação entre a doença e os fatores externos ao indivíduo em sua primeira obra conhecida que trata da geografia médica: Dos ares, dos mares e dos lugares. Enfatizava a importância do modo de vida dos indivíduos, assim como a influência dos ventos, água, solo e localização das cidades em relação ao sol, na ocorrência da doença (COSTA; TEIXEIRA, 1999).

Barata (2005) apresenta alguns estudiosos que em sua concepção poderiam ser enquadrados na categoria de fundadores da epidemiologia social, pois buscam explicar os padrões de adoecimento através dos vínculos entre a saúde e a sociedade, e as diferentes correntes teóricas vigentes na epidemiologia social, que tem destaque em Louis René Villermé, na França em 1826, Edwin Chadwick, em 1842, sobre a situação de saúde das classes trabalhadoras na Inglaterra, e Friedrich Engels, na Inglaterra em 1884. Tanto Villermé quanto Engels analisaram dados de saúde disponíveis em registros, demonstrando que as taxas de mortalidade eram superiores em populações de menor renda, respectivamente em Paris e Londres. Rudoulf Virchow, na Alemanha em 1847, desenvolveu uma teoria de epidemias que enfatiza as circunstâncias sociais que permitem a propagação da doença (WAITZKIN, 2006).

Numa concepção ambientalista, destacam-se os estudos de John Snow em 1855 (COSTA; TEIXEIRA, 1999) considerado um marco na constituição da epidemiologia, que, por meio da distribuição espacial e o modo de transmissão da cólera em Londres, no início da Revolução Industrial e Científica, consegue identificar o veículo de transmissão da doença antes mesmo da descoberta dos micróbios.

Segundo Krieger (2001), o indivíduo é portador do estado de saúde que é resultante das trajetórias da exposição pessoal ao longo do tempo, conforme a história de cada qual no seu contexto social, econômico, político e tecnológico, onde essas trajetórias aconteceram.

A estratificação espacial tem sido usada como forma de avaliação de condição social. O mecanismo de valorização do solo urbano e auto-segregação dão origem aos processos de segregação espacial, que produzem fortes diferenciais intraurbanos, onde se destacam as desigualdades sociais (MORAES; COSTA, 1987). Desta forma, segregação

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socioespacial pode ser caracterizada pela distribuição espacial da população em função do poder financeiro, ou posição social, de seus habitantes. Os segmentos de maior poder financeiro encontram-se nas áreas mais valorizadas da cidade, por sua vez, a população de baixa renda é ―empurrada‖ para as áreas periféricas ou os chamados ―enclaves de exclusão‖, as favelas por exemplo. As desigualdades, portanto, dão origem ao espaço geográfico, que estabelece uma determinada organização social, econômica e de mecanismos de mercado (SANTOS, 1980). Por outro lado, o espaço assim constituído é o produtor e reprodutor de desigualdades. A segregação por parte das classes menos favorecidas, em algumas situações pode parecer voluntária, porém, ela só o é porque essas populações têm dificuldade em se integrar ao restante da comunidade, sendo impelida a viver em zonas degradadas ou sem condições, contudo mantendo uma identidade, quer seja cultural, social ou financeira; nesse sentido considera-se ―segregação imposta‖ (GASPAR, 2003).

A cultura e as normas são atributos das comunidades, e essas sofrem alterações pelas práticas sociais, que refletem consideravelmente sobre as condições de saúde. Tais teses reforçam o papel do espaço geográfico na configuração de uma cadeia de riscos a que são submetidas populações mais pobres (DIDERIVHSEN; EVANS; WHITEHEAD, 2001). Destacam-se primeiramente as que estão sujeitas a maiores graus de exposição a diversos e combinados fatores de risco, tais como as atividades econômicas que produzem maiores riscos à vida humana e maiores danos à qualidade do ar e da água se concentram em áreas mais pobres (ACSELRAD, 2004). Em segundo lugar, essas populações estão mais vulneráveis, tanto social quanto institucionalmente, no que se refere a suas características em termos de status social, político e econômico, etnicidade, gênero, idade, entre outros (FREITAS et al., 2002). Por fim, os eventos adversos à saúde têm suas consequências ampliadas nessas populações devido à dificuldade de acesso a serviços de saúde e práticas terapêuticas.

1.9 Geoprocessamento e saúde

Análises espaciais sobre padrões epidemiológicos não procuram indicar associações causais no nível individual. Mas, quando se trata de investigação do impacto de

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processos e estruturas sociais na determinação de eventos de saúde, pode ser um instrumento relevante (MARSHALL, 1991), pois a categoria espaço tem importância particular na avaliação das condições de saúde de determinada população, e relações com o ambiente físico e social.

O conhecimento da estrutura e dinâmica espacial possibilita caracterizar a situação em que ocorrem os eventos de saúde; a análise de situações concretas das populações sujeitas a riscos de natureza difusa, e permite o planejamento de ações de controle, alocação de recursos e a preparação de ações de emergência (BARRETO; CARMO; NORONHA, 1993).

Em consequência do conjunto de elementos inter-relacionados presente no espaço, torna-se impossível determinar relações diretas e unívocas de causalidade entre condições ambientais e de saúde, em especial quando se trata de saúde de adultos e idosos. Por isso, o geoprocessamento de informações socioambientais e de saúde é uma ferramenta que possibilita identificar a estrutura social, econômica e ambiental, associadas às possibilidades de enfrentamento de problemas de saúde (BARCELLOS; BASTOS, 1996).

O geoprocessamento agrega um conjunto de tecnologias desenvolvido para a coleta e tratamento de informações espaciais com objetivos específicos, executadas por sistemas próprios para cada aplicação. Os sistemas de informações geográficas (SIG) têm se tornado ferramentas de grande utilidade quando aplicados particularmente na área da Saúde, pois possui capacidade de integrar diversas operações, como captura, armazenamento, manipulação, seleção e busca de informação, análise e apresentação de dados, contribuem para compreender o processo de ocorrência de eventos, predição, tendência, simulação de situações. O geoprocessamento constitui uma ferramenta que apresenta os resultados de investigações claramente compreendidos pela população (BROWN; SILVA JR.; GOMES, 1984; ROTHMAN, 1990).

Na área da Vigilância em Saúde o SIG ajuda no planejamento e na definição de estratégias. Estudos na área da saúde que incorporam os SIG são relativamente recentes e ainda estão ligados a um conjunto de bases tecnológicas e metodológicas em fase de realização (BARCELLOS, 2008).

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Porém, a disponibilidade de acesso aos dados tem facilitado a análise mediante sistemas computacionais simples. O Brasil disponibiliza no setor saúde um extenso banco de dados, que abrange dados vitais, de morbidade, gerenciais e contábeis e que vêm sendo armazenados em diversos sistemas de informações: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS), Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), entre outros. Adotando a lógica do Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema de cobertura nacional e construção hierárquica, os dados desses sistemas de informações são reproduzidos no nível local e transmitidos, no sentido ascendente, para as outras esferas de governo (BARCELLOS, 2008).

Para que os dados em saúde sejam mapeados, os eventos de saúde devem ser relacionados a um conjunto de objetos geográficos ou unidades espaciais construídas anteriormente, tais como bairros, setores censitários, lotes ou trechos de logradouros, ou seja, é o diagnóstico atualizado da cartografia urbana existente nas cidades. Por outro lado os sistemas de informações em saúde precisam coletar e armazenar dados de endereço compatíveis com a estrutura de dados cartográficos (DRAMOWICZ, 2004). Assim a análise espacial dos dados permite localizar os casos segundo a distribuição em determinada área geográfica (COSTA; TEIXEIRA, 1999; MOREIRA; NICO; TOMITA, 2007) e pode contribuir para os estudos epidemiológicos baseados em construtos que utilizam a tríade pessoas-espaço-tempo.

Desse modo, é possível realizar estudos ecológicos de comparações entre situações de saúde de áreas geográficas distintas, podendo criar modelos estatísticos que incorporem o espaço como um dos fatores determinantes do processo saúde-doença nas diversas populações (BARCELLOS; BASTOS, 1996; CARVALHO; SOUZA-SANTOS, 2005).

Tendências de morbidade e mortalidade estudadas ao longo do tempo e do espaço podem auxiliar na formulação de políticas públicas que compreendem a saúde da população a partir do desfecho estudado.

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Alguns estudos têm sido realizados em capitais brasileiras, pretendendo associar indicadores socioeconômicos com os agravos à saúde por meio de diferenciais intraurbanos. Mendes (2012) descreveu as principais modificações ocorridas no perfil de mortalidade dos idosos no Estado de São Paulo entre 2000 e 2010 por tipo de causa de morte, por sexo e por faixa etária de idosos. Apresentou as principais modificações ocorridas e as taxas de mortalidade de idosos por regiões de saúde, para algumas das causas específicas mais importantes de mortalidade apontando diferenças significativas entre as regiões de saúde. Melo; Carvalho e Travassos (2006) buscaram analisar a distribuição espacial da mortalidade por infarto agudo do miocárdio nos bairros do Município do Rio de Janeiro, identificando áreas de sobre-risco e a relação espacial dos óbitos com a distribuição dos serviços de saúde. Evidenciaram causas que se concentraram nas áreas mais distantes do centro urbano da cidade e de maior carência de serviços: a correlação espacial observada na distribuição da mortalidade por infarto agudo do miocárdio mostrou-se condicionada à estrutura etária dos bairros e que os infartados tendem a ser atendidos próximo ao local de residência.

Assim, torna-se relevante entender que as diferenças sociais não se apresentam de forma homogênea na cidade; que existem diferenças consideráveis no perfil etário das regiões geográficas e a forma de organização social do espaço, como uma das estratégias para o entendimento da ocorrência e distribuição de agravos à saúde. Ademais, considerando que os serviços de saúde são organizados em base espacial, esses conhecimentos podem contribuir para adaptar as ações de saúde às necessidades diferenciadas da população.

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2 OBJETIVOS