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Desigualdades raciais na atenção a saúde

Diversos fatores influenciam na atenção à saúde da população, fazendo com que os problemas de saúde atinjam a população de maneira diferenciada. Vários estudos mostram que ocorrências de doenças e eventos de saúde são socialmente determinadas, refletindo diferenças biológicas, distinções sociais e iniquidades sociais, tendo como expressão as desigualdades em saúde (106,107,108). Tais desigualdades são mais prevalentes em determinados grupos sociais, dentre eles, a população negra (109,110, 111, 112,113,114,115).

De acordo com Monteiro e Maio (2008:121;123):

As interfaces entre raça, medicina e saúde pública estiverem em voga entre as ultimas décadas do século XIX e os anos 40 do século XX, enquanto fontes inspiradoras de políticas públicas (...) Só no alvorecer do século XXI voltam à cena pública as relações entre raça e saúde, a partir da proposta de criação de uma política focal direcionada à população negra. Esta se baseia na concepção de que as desigualdades raciais repercutem de forma específica na esfera da saúde pública e, por conseguinte, devem ser objeto de ação governamental para superá-las. (116)

56 Assim, a variável raça vem sendo utilizada no ensino e pesquisa médica e das ciências sociais em saúde, com o intuito de verificar de que forma tal variável influencia nas situações de saúde e doença da população. A categorização racial nos estudos científicos permite dar visibilidade aos fatores não genéticos das enfermidades, ao abordar possíveis diferenças entre brancos e negros no que diz respeito a qualidade de vida, aos riscos de adquirir determinadas doenças e resposta aos tratamentos, além de diferenciação no acesso aos serviços de saúde.

De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (108), existe um consenso dos estudiosos brasileiros acerca de doenças e agravos a saúde dos negros. Para eles, as doenças podem ser agrupadas como: 1) adquiridas em condições desfavoráveis; 2) de evolução agravada ou de tratamento difícil; 3) geneticamente determinadas, por exemplo, a anemia falciforme, doença hereditária mais predominante na população negra. Dentre as doenças relacionadas no primeiro grupo está a desnutrição, anemia ferropriva, DST/HIV/Aids, mortalidade infantil elevada, abortos sépticos etc. Portanto, a promoção da equidade no país depende também de uma abordagem específica destas doenças ou agravos.

No que diz respeito à saúde materno infantil, alguns estudos mostram a disparidade das condições de saúde quando relacionado à raça/cor (108,117,118,110,119,120,121,122). Tais estudos são fundamentais, pois evidenciam as desigualdades existentes a partir de indicadores de acesso e cobertura aos serviços de pré-natal e parto, de maiores chances de haver mortalidade materna e infantil, de maior prevalência de insegurança alimentar e desnutrição etc.

Grande parte destes estudos destacam os efeitos negativos do racismo no processo de saúde e doença tendo em vista que tal realidade provoca maiores taxas de adoecimento e morte por causas evitáveis, quantidade maior de doenças associado a menor atenção à saúde (113,123,124). De acordo com Filho (2012:54) “homens negros de 10 a 29 anos apresentam risco de morrer 80% maior do que os jovens brancos. Mulheres negras da mesma idade, o risco é de 30% maior do que o apresentado para as brancas” (114).

57 Ao analisar a evolução das assimetrias de cor ou raça no Brasil no período entre 1998 e 2008, Paixão et al (125) destaca que entre os anos de 2001 e 2007, cerca de 392 mil pessoas que faleceram no Brasil não tiveram a causa de suas mortes conhecida por falta de assistência médica, sendo que a situação afetou pretos e pardos com maior intensidade. Mostra ainda, a partir de alguns indicadores sociais, que as diferenças de acesso à saúde da população negra compromete o princípio da equidade. O estudo revela um percentual maior de busca de atendimento preventivo por pessoas brancas em comparação aos pretos e pardos. Em relação a busca por tratamento curativo, os pretos e pardos, apareceram com percentual maior em todas as regiões brasileiras.

Aponta ainda que entre 1998 e 2008 ocorreu um aumento da procura dos postos e centros de saúde pela população brasileira, numa proporção maior para a população negra. Por outro lado, estudo de Goes (2012:263) realizado em Salvador demonstra que (126):

mesmo sendo as mulheres negras as maiores usuárias dos serviços do SUS, as mulheres

brancas referem ser mais bem atendidas. Essa análise pode indicar como as instituições ainda estão preenchidas de preconceitos e discriminações em relação à raça/cor, comprometendo o acesso das pessoas e a utilização dos serviços de saúde, com base nesse requisito.

Dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS) de 2006 também mostraram desvantagens da população negra. Apontaram um menor percentual de negras que realizaram seis consultas durante o pré-natal e que consultam no puerpério. O nível de mortalidade infantil foi 25% maior em crianças menores de um ano cujas mães se autodeclaram negras, o risco de morrer antes de completar cinco anos de vida é 29% mais elevadas nas crianças negras se comparado com os filhos de mães brancas, a incidência de insegurança alimentar moderada e grave também é mais elevada em domicílios cuja entrevistada era negra (127).

Os estudos da relação entre raça e saúde no Brasil indicaram, a partir dos indicadores sociais que os negros vivenciam condições de vida e saúde desfavoráveis e precárias e menor qualidade de atenção, além de perfil desvantajoso se comparado à população branca brasileira. Desta forma, verifica-se que apesar da legislação não

58 distinguir grupos populacionais, as desigualdades sociais comprometem a saúde da população negra demandando ações concretas por parte do Estado de forma a enfrentar a situação e garantir que os princípios da equidade, universalidade e integralidade sejam efetivados no âmbito do SUS. De acordo com Xavier (2012:202) “a política de saúde esconde-se sob um discurso universalista, que resiste em eliminar as desigualdades acumuladas pelas populações reconhecidamente em desvantagem social, e como política pública, a Saúde Integral da População Negra revela sua inconsistência”(128).

Apesar da constatação de tais desigualdades no estado de saúde bem como nos diferenciais de utilização dos serviços de saúde pelos negros, ainda são reduzidas as investigações com recorte racial que abrange o Brasil em sua totalidade. Geralmente são realizadas pesquisas regionais ou que abordam somente alguns Estados brasileiros, priorizando as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. São escassos os estudos que abordam a realidade das regiões Norte e Nordeste, destacando a discussão étnico-racial e menores ainda a quantidade de estudos voltados a caracterizar e analisar as diferenças não só regionais, mas também as desigualdades raciais focando populações que apresentam, maior vulnerabilidade social como, por exemplo, quilombolas e indígenas.