• Nenhum resultado encontrado

Racismo Institucional, Desigualdades raciais na Saúde e implementação de Políticas Públicas específicas

A enorme desigualdade social e, particularmente, a alta concentração de renda, são fatores fundamentais para explicar a magnitude da pobreza no país. Pobreza que tem como característica a heterogeneidade, sendo influenciada por questões como raça, sexo, posição na família, ciclo de vida, idade. Estas especificidades determinam formas diferenciadas de vivenciar a pobreza e suas possibilidades de superação. Os negros são os mais atingidos pela situação de vulnerabilidade econômica, sendo portanto, fundamental incluir a dimensão racial nas políticas de combate à pobreza, à exclusão social e de geração de emprego e renda.

Vários indicadores sociais mostram que os negros possuem maiores desvantagens sociais. Assim, ainda que seja positiva a implementação de políticas transversais, ou seja, a incorporação pelos órgãos governamentais de enfoques específicos às políticas universais, tais ações não substituem as políticas específicas. A importância das políticas focalizadas está justamente em restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais que apesar de legalmente pertencer a todos, somente alguns grupos tem acesso. Nesse sentido, as políticas afirmativas e/ou políticas específicas, como as cotas e outras, são estratégias para ampliar a universalidade das políticas públicas.

53 Universalidade nas políticas públicas significa o Estado garantir acesso a todos os direitos para todas as pessoas, reduzindo assim as desigualdades econômicas e sociais e superando a exclusão de muitos aos direitos de cidadania.

As políticas universais “são aquelas que atendem a todo o corpo de cidadãos indiscriminadamente”. Já as políticas focalistas “são aquelas em que se defende que o Estado atue não de forma universal, mas concentrando nas camadas mais pobres e excluídas da população” (Costa, 2006:16) (99). Por sua vez, as políticas afirmativas “em contraste com as políticas de oportunidades iguais, é uma política que reconhece os obstáculos sociais, para determinados grupos, de fato existentes” (Silvério, 2007) (100).

De acordo com Guimarães (2002:70) (63):

Apesar das evidências estatísticas, as políticas de ação afirmativa (as únicas que visam reparar erros do passado), atualmente propostas pelas lideranças negras, tem sido rejeitadas com base tanto em argumentos de classe (tais políticas beneficiariam apenas os negros de classe média), quanto de raça (não haveria propriamente uma comunidade negra no Brasil, ou seja, uma identidade negra precisamente definida).

A ideia de que as políticas públicas devem ser instrumentos de correção de desigualdades e distribuição de renda decorre das lutas sociais do final do século XIX, e foi consolidada com a instituição das políticas sociais. As políticas sociais têm a função de distribuir renda, reduzir desigualdades e corrigir efeitos negativos das políticas econômicas. Por isso, tem sido defendida por muitos a ideia de que as políticas sociais devem ser públicas e universais, ou seja, deve-se garantir o acesso igualitário a serviços públicos de qualidade, independente de sexo, raça ou classe social, sendo esta uma forma de reduzir desigualdades sociais.

De outro lado, no entanto, há por parte de muitos pesquisadores, militantes e agentes públicos a visão de que somente as políticas universais não são capazes de promover a equidade de acesso a bens e direitos a todos os cidadãos (101,102). Apesar de esse ser um tema controverso e complexo, de forma sucinta, vale destacar que uma das justificativas para a existência de políticas específicas é o potencial que possuem de reparar desvantagens históricas que afetam determinados grupos,

54 fornecendo, desta forma, legitimidade social a implementação de políticas com recortes específicos (100, 103).

No Brasil, os cidadãos convivem com inequidades sociais que se multiplicam e que se materializa em discriminações de determinados grupos. Bárbara Starfield (2011:01) conceitua inequidade como “a presença de diferenças sistemáticas e potencialmente remediáveis entre grupos populacionais, definidas social, econômica ou geograficamente”. A autora aponta ainda que as desigualdades são diferenças entre os indivíduos que não necessariamente são remediáveis (5). Portanto, as relações sociais estão perpassadas por inequidades econômicas que historicamente são combinadas com questões de gênero, raça, idade etc (104).

Desta forma, as políticas de redução das inequidades deve considerar a questão do racismo que persiste no Brasil e que provoca o agravamento das vulnerabilidades a que está exposto este segmento. Particularmente no caso da saúde, foco do presente trabalho, destaca-se a necessidade de combater o racismo institucional que (105):

constitui-se na produção sistemática da segregação étnico-racial, nos processos institucionais. Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho, resultantes de ignorância, falta de atenção, preconceitos ou estereótipos racistas.

O racismo institucional é também chamado de discriminação indireta, tendo em vista que em muitas situações ele se apresenta velado, ou seja, os atos não são declarados explicitamente, por isso, não são facilmente detectados ou comprovados. De acordo com Jaccoud (2008) ele atua no nível das organizações, a partir de procedimentos cotidianos promovendo o acesso diferenciado a serviços e bens. Por isso, a autora afirma que “O conceito de racismo institucional permite uma melhor percepção acerca dos mecanismos de produção e reprodução das desigualdades raciais, inclusive no que tange às políticas públicas (Jaccoud, 2008:136) (104). Assim, as instituições operam de forma a reproduzir práticas discriminatórias, ainda que não consciente.

55 dependem da adoção de medidas de políticas específicas e afirmativas que tenham por objetivo combater as desigualdades provocadas nas instituições. Jaccoud afirma que “o racismo institucional se instaura no cotidiano organizacional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando de forma ampla, mesmo que difusa, desigualdades e iniquidades” (2008:36) (104). Por isso, ainda que se reconheça a importância da implementação de políticas universais, percebe-se que são insuficientes tanto para reparar as desigualdades históricas, bem como de compensar de maneira eficiente as consequências negativas provocadas pelo racismo. O preconceito e a discriminação limitam ou põem em desvantagem os grupos raciais discriminados para o acesso as políticas e ações como, por exemplo, no campo da saúde, como veremos a seguir.