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5. PRODUÇÃO DISCURSIVA DE UM PERFIL IDENTITÁRIO PARA O

5.1. EIXO A: CONTRADIÇÕES NAS MEMÓRIAS SOBRE SABERES

5.1.3. Deslizamentos de sentido do lugar de aluno

Aqui destacamos, através das metáforas e contradições, o movimento ou deslizamentos de sentido (ORLANDI, 2001, p. 44; 2007, p.80) acerca do papel de aluno em relação à universidade Nas marcas discursivas em destaque, ora há representações de culpa ou desleixo do egresso enquanto estudante por não ter-se dedicado o suficiente para aproveitar melhor o curso, ora o estudante é representado como dedicado, sujeito de sua aprendizagem numa universidade que contribuiu muito em fundamentação teórica. Como abordamos acima, Jaime, Raimundo, Ariana, Cristina e Irene indicam traços de perfil de aluno que aprendeu a gostar de ler, gostar de aprender, a procurar conhecimento, gostar de pesquisar, engajado no movimento estudantil, em experiências de extensão universitária relacionadas ao ensino e pesquisa vinculadas às disciplinas consideradas relevantes pra profissão e pra vida. Vejamos então nas falas de Raimundo e Tamires marcas textuais indicando o aluno como relapso, num contexto que reforça a universidade como boa formadora de pedagogos.

Raimundo - Lamento assim, em parte, porque se eu tivesse a cabeça de hoje eu teria procurado mais, acho que eu acabei pecando em alguns sentidos em algumas áreas, mas uma coisa que eu aprendi muito foi buscar conhecimento, não ficar só esperando, é uma coisa que eu vi e que eu aprendi na universidade, até então eu não sabia, ficava naquela de esperar mesmo o professor trazer conhecimento, ser só uma esponja pra absorver. Aqui, o professor Raimundo reforça a importância da universidade ao deixar emergir do discurso que, ainda que tenha aprendido buscar conhecimento (deixando de ser uma esponja passiva de absorção de conhecimento) sua dedicação ao curso de Pedagogia poderia ter sido melhor, que teria procurado aprender mais se tivesse a cabeça de hoje, pois acabou pecando em algumas áreas. Com estas metáforas, entende-se que a cabeça de ontem, da

época do curso de graduação, correspondia a um sujeito menos maduro e menos responsável para com sua formação, o que deixa entrever que o curso de Pedagogia ofereceu mais oportunidades de aprendizagem do que Raimundo conseguiu aproveitar. Veja-se abaixo, trechos a respeito do que estamos dizendo:

Noutro momento de sua fala Raimundo destaca que não teria aprendido com mais qualidade na universidade por sua própria culpa e não por culpa da instituição universidade (os professores), ideia reforçada pela metáfora “estudei de maneira muito ‘vaga” ao falar de suas leituras preferidas, referindo-se à forma como estudou sobre pensadores importantes durante a graduação, tais como Emília Ferreiro. Porém, ainda que Raimundo sugira que sua graduação não contribuiu de forma decisiva ou profunda com sua formação, as marcas discursivas não por culpa dos professores, mas eu acho que por desinteresse mesmo meu ressaltam mais uma vez sua responsabilidade e a relevância da academia. Outra metáfora que reforça esse efeito de sentido é “passei pela universidade”, com a qual Raimundo sugere que suas aprendizagens universitárias foram superficiais, sem aprofundamento, sem solidez, como se o sujeito, na universidade, não tivesse ‘parado’, dedicado mais tempo pra se envolver com profundidade nos estudos e na vida acadêmica (no ensino, na pesquisa, na extensão, na monitoria, no movimento estudantil...?), tal qual um viajante apressado que não se permite um tempo de parada para apreciar as belezas e detalhes de uma paisagem natural ou de um monumento histórico num roteiro turístico.

Raimundo - Gosto de ler um ou outro artigo, principalmente de... dos pensadores, porque às vezes eu fico com essa impressão de que eu passei pela universidade mas muitos pensadores que a gente estudou, que eu estudei, estudei de uma maneira muito vaga. (...) Não por culpa dos professores, mas eu acho que por desinteresse mesmo meu, ou ... sei lá...

Por sua vez Tamires, após classificar a discussão metodológica do curso de pedagogia como “fraquinha” e “empobrecida”, cai em contradição ao admitir que não “respirava” pedagogia, era uma aluna ausente do curso, pois trabalhava; que é acomodada, desiste fácil das coisas; que seu TCC não foi um trabalho assim “profuuuuundo, uma graaaannnde pesquisa”; que o estágio é “muito faz-de-conta”, “culpa dos alunos mesmo”, “a gente não vai fazer”, não interage de verdade com a professora, os alunos ficam alheios.

Tamires - eu era uma estudante que trabalhaaava, era funcionária pública, então tinha muita dificuldade de fazer coisas paralelas ao curso, eu era aquela aluna muito ausente, eu acho assim, do curso... a minha vida acadêmica não era assim muito...ah, eu respirava... não era muito não. (...) O estágio, olha... muito faz-de-conta, no estágio, acho que até culpa dos alunos mesmo, né,

culpa nossa, a gente vai ali, fica olhando, a gente não vai fazer, a gente não interage de verdade com a professora, com os alunos que a gente vai estagiar, a gente fica muito alheio àquilo ali, e eu acho até engraçado: que a gente fica alheio e ainda se acha no direito de julgar a professora (risos) Um dos grandes defeitos que eu tenho é o acomodamento, eu me acho muito acomodada. A qualquer dificuldade eu já desisto de ir à frente daquilo que eu quero fazer. Isso eu acho que é ruim, atrapalha um pouco a minha atuação profissional.

Ao fim deste eixo, ressaltamos que os processos discursivos reforçam sobremaneira a contribuição do curso de Pedagogia em propiciar muita fundamentação teórica através de metodologias de ensino articulando a pesquisa do TCC, experiências de extensão com minicursos e oficinas vinculadas às disciplinas e ao estágio. Isto é, destaca-se uma regularidade que possibilita um enfeixamento de sentidos em torno de uma relação de afetividade e reconhecimento para com o curso de Pedagogia e a universidade, pela relevante fundamentação teórica, filosófica e política proporcionada aos egressos, bem como propiciou condições para o desenvolvimento da capacidade de aprender, o que poderíamos chamar de autonomia intelectual e que os sujeitos chamam de “buscar conhecimento”, “saber argumentar”, “pensamento crítico”, “saber pensar”.

Os modos de operar dos discursos caracterizam-se frequentemente por efeitos metafóricos que valorizam o papel da universidade como experiência muito importante na vida pessoal/ profissional dos sujeitos. Reforçam este sentido, por exemplo, um sujeito pôr em sua filha o nome de um livro “marcante” “pela paixão da disciplina, era muito apaixonante” (no caso, Filosofia); e metáforas como “a universidade é um divisor de águas na vida da gente, (...) uma divisão, foi antes da universidade e depois da universidade”; “o curso de Pedagogia ele serve pra gente independente de tu atuar na área, foi um divisor de águas na minha vida! Pela formação humana, eu acho que a (...) Psicologia da Educação assim, me ajudou bastante a compreender, né...em relação a filhos, a sobrinhos, as pessoas mesmo”.

Porém, os operadores discursivos em destaque marcam como regularidade a presença de um conflito/dicotomia entre, de um lado, os saberes necessários ao trabalho do pedagogo na escola (docência, administração, coordenação, orientação escolar) e de outro lado os saberes oriundos do curso de Pedagogia. Nesse conflito, emerge de forma significativa a crítica de não serem priorizados no curso os aspectos de instrumentalização didática, assim como há fortes evidências de que as condições de aprofundamento do tipo ‘prático’ são

disponibilizadas através de propostas de experiências pouco aproveitadas pelos alunos, tais como o estágio, a extensão e o próprio TCC.

5.2. EIXO B: DESLIZAMENTOS EM TORNO DA RELEVÂNCIA DA DOCÊNCIA NA