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Deslocamento forçado de refugiados e deslocados internos da Etiópia ocasionados

Fonte: Philippe Rekacewicz, 2015. Disponível em: <http://visionscarto.net/des-terres-et-des-territoires>. Acesso em: 20 out. 2015.

A “financeirização da vida”119 é a centralização do dinheiro, no que se tem de mais importante, a vida. A distância entre um e o outro, tem diminuído. Para Milton Santos (2000, p. 18) o que se tem observado com o caráter “perverso” da globalização é “a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social”, tornando-se agora, o centro do mundo. As formas de obtê-lo não têm limites.

Nesse contexto, observa-se também, a existência de projetos de investimentos em terras

agrícolas desenvolvidos, segundo o jornal britânico The Guardian120, por importantes

universidades mundiais. Entre elas, a universidade de Harvard e outras grandes universidades americanas, que estão investindo, através de especuladores financeiros europeus, na compra ou arrendamento de grandes áreas de terras agrícolas no continente africano, podendo gerar com isto, o deslocamento forçado de milhares de pessoas, de acordo com pesquisas que estão sendo realizadas. Os pesquisadores, segundo a reportagem, afirmam que os investidores estrangeiros estão lucrando com a apropriação de terras, mas não estão desenvolvendo os benefícios prometidos às comunidades, incluindo também como consequência negativa o desenvolvimento de problemas ambientais pela exploração sem responsabilidades.

O mesmo relatório, citado na publicação, afirma que esses investimentos estão ocorrendo em sete países africanos, onde muitas universidades americanas têm investido pesadamente nos últimos anos.

Um desses países onde esses investimentos têm ocorrido é o Sudão do Sul. Mesmo em guerra civil desde 2013, esses processos têm se realizado. A desestabilização no país, parece facilitar essas negociações, uma vez que o número elevado de pessoas que se deslocam de maneira forçada (FIGURA 67 e 68), abandonam suas casas e terras. A mesma publicação do jornal britânico The Guardian afirma que as negociações envolvendo terras no Sudão do Sul, nos últimos anos, tiveram uma representativa venda de 9% de suas terras para as empresas Texas-based, Nile Trading and Development e uma cooperativa local, sem donos reconhecidos.

119 Essa reflexão foi inspirada no título da revista do Instituto Humanitas Unisinos, Financeirização da Vida, n.

468, 2015. Disponível em: <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?secao=468>. Acesso em: 05 nov. 2015.

120VIDAL, John; PROVOST, Claire. US universities in Africa 'land grab'. The Guardian, 08 jun. 2011. Disponível

em: <http://www.theguardian.com/world/2011/jun/08/us-universities-africa-land-grab>. Acesso em: 20 fev. 2016.

FIGURA 67 - Estatísticas das pessoas deslocadas internamente no Sudão do Sul.

Fonte: OXFAM, 2015. Disponível em: <http://victimasolvidadas.eldiario.es/>. Acesso em: 05 nov. 2015.

FIGURA 68 - Família de deslocados internos no Sudão do Sul prepara a escassa refeição em julho de 2014.

Fonte: Aljazeera, 2015. Disponível em: <http://www.aljazeera.com/indepth/inpictures/2015/06/world- refugee-day-150619120217942.html>. Acesso em: 23 dez. 2015.

Outros fatores, como as perseguições políticas e de origem homofóbica, devido a alguns

países africanos, como Quênia e Uganda, considerarem a homossexualidade um crime121,

completam o contexto de fatores que desencadeiam os deslocamentos forçados na África Oriental.

121 No campo de refugiados queniano de Kakuma, existe uma área específica para instalação dos refugiados de

Uganda, que fogem das perseguições homofóbicas em seu país. Em Uganda, em 2014, foi decretada uma lei que tornou a homossexualidade crime.

Nas reflexões do sociólogo Daniel Zamora (2016)122 sobre os pensamentos de Michel Foucault, em relação ao neoliberalismo e sua análise centralizada não nos atores que produzem a desigualdade, mas na sua distribuição ou “nos sistemas difusos de dominação”, percebe-se a urgência em questionar, de forma política, essa centralização da vida humana nos aspectos de mercado e finanças. Praticamente tudo virou moeda de troca ou tornou-se produto passível de ser consumido ou negociado. As incursões militares têm objetivos geopolíticos, mas são norteadas também, pela lógica do capitalismo atual. Como afirma Daniel Zamora é preciso “desmercadorizar as partes importantes da nossa vida” e limitar a ação do mercado. A distribuição dessa dominação é percebida na própria reprodução do sistema capitalista. Todos

o reproduzem, desde as grandes corporações econômicas aos refugiados em Dadaab123. Essas

reproduções, porém, muitas vezes passam despercebidas, em atos que costumam ser interpretados, como banais.

122 Observação do autor e sociólogo Daniel Zamora, expressa em entrevista para o Programa de Estudos Culturais

da universidade americana George Mason, realizada em 12 de março de 2016. Disponível em: <https://bfocal.wordpress.com/2016/03/16/entrevista-com-daniel-zamora-para-o-csc/>. Acesso em: 15 mar. 2016.

123 Essa reflexão refere-se também, aos projetos no setor agrícola e de infraestrutura, que estão sendo

desenvolvidos pelo Brasil em Moçambique, contestados por ocasionar deslocamentos populacionais forçados. Países que foram profundamente explorados, durante o período colonial e após sua independência, como o Brasil, reproduzem essa lógica capitalista, em seus territórios, e exportam essa incoerência para outros países. Sobre isso, pode ser consultado o documento: CLEMENTS, Elizabeth Alice; FERNANDES, Bernardo Mançano. Land Grabbing, Agribusiness and the Peasantry in Brazil and Mozambique. Agrarian South: Journal of Political Economy, 2013. Disponível em: <http://www.oplop.uff.br/sites/default/files/documentos/land_grabbing_agrib usiness_and_the_peasantry_in_brazil_and_mozambique.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2015.

3.2 Somália: uma geografia de conflitos.

“O campo de refugiados de Dadaab é uma tentativa de entrar na Somália e entender o seu contexto, sem entrar. A minha sensação era de ver 99% de somalis”.124

A importância da Somália no contexto de formação do campo de refugiados de Dadaab é percebida além do número expressivo e majoritário de refugiados somalis em todo o campo.

Um, entre muitos dos relatos desses refugiados, chamou a atenção125. Em dezembro de 2015,

um luto de 30 dias foi estabelecido em um pequeno vilarejo, próximo à cidade de Garissa, no nordeste do Quênia, chamado Saka. O sentimento de perda e a homenagem foram direcionados à morte de uma acácia de 320 anos.

A importância de uma árvore no continente africano, principalmente em regiões de clima mais seco, é não só reverenciada, como também transformada em um marco geográfico. Muitos vilarejos crescem em volta de apenas uma árvore, como no caso do vilarejo de Saka, que quando vista de uma distância considerável indica que ali é um ponto de encontros (KAPUSCINSKI, 2002). Foi nesta árvore, chamada pelos moradores de toda região nordeste do Quênia de “a anfitriã mais idosa”, que os costumes da população de origem somali desse vilarejo foram delineados em seu cotidiano funcionando como centro comunitário, hospital improvisado ou local de discussões e decisões políticas dessa comunidade, durante esses três

séculos de existência126. O vilarejo de Saka fica próximo ao campo de refugiados de Dadaab, o

que mostra que, esse é o contexto da região nordeste do Quênia, onde está localizado esse campo de refugiados (FIGURA 69).

124 Relato do jornalista brasileiro Alex Fisberg, que esteve em Dadaab em 2011. Entrevista realizada pelo Skype,

em 11 de setembro de 2015.

125 Relato do refugiado somali Suud Olat, em 30 de dezembro de 2015, expresso na rede social Facebook.

126Sudden death of a beloved 320 year-old acacia tree breaks hearts in north Kenya. Mail&Guardian Africa, 28

dez. 2015. Disponível em: <http://m.mgafrica.com/article/2015-12-28-death-of-320-year-old-acacia-tree-breaks- hearts-in-north-kenya?fb_ref=423b4fea493547faab7a55ee05e9cc21-Facebook>. Acesso em: 30 dez. 2015.

FIGURA 69 - Construções em volta de uma acácia no campo de refugiados de Dadaab.

Fonte: Fotógrafo Robin Hammond, Médicos sem Fronteiras (2015). Disponível em: <https://artsenzondergrenzen .nl/ontdekken/nieuws/kenia-onveiligheid-leidt-tot-terugschroeven-zorg-kamp-dadaab>. Acesso em: 20 dez. 2015.

A formação desse campo de refugiados está diretamente relacionada com a guerra civil da Somália. Ele foi formado em 1991, para dar refúgio aos que fugiam dessa guerra. Grande parte dessa população em desespero ultrapassou a fronteira com o Quênia, nessa região historicamente tão próxima. As fronteiras políticas, então estabelecidas, durante o processo de colonização, como enfatizado anteriormente, não refletem os limites territoriais construídos durante séculos pelos diversos povos africanos. A Somália é um importante exemplo dessa realidade. As tradições e, também a territorialidade, historicamente formados por esse povo, persistem e “transpassam”, ou vão além, dos limites políticos impostos pela colonização. Os limites territoriais do povo somali, antes da colonização e da divisão territorial imposta pelos países europeus, são conhecidos tradicionalmente pela definição de Grande Somália (MAPA 15). Os refugiados etíopes provenientes da região de Ogaden (Etiópia), localizada no mapa abaixo, demonstram em seus costumes e no vínculo, que possuem com os clãs seculares da Somália (MAPA 16), a tradição somali. A linha que os separa, como descrita no mapa 15, é “administrativa” 127.

127 Esse vínculo tão próximo, dos refugiados etíopes provenientes da região de Ogaden, foi destacado por Silja