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Capítulo 4 – Campo de refugiados de Dadaab: o desafio da contemporaneidade

4.1. O significado das palavras e os sentidos geográficos

Palavras.... Luminosas, repetidas, percebidas, deixadas em um trajeto científico de percepções e experiências geográficas. Qual o papel dos significados das palavras na dimensão geográfica? A geografia nada mais é do que a relação dos seres humanos com o espaço, a sua experiência. Os nomes dos lugares são atribuídos através dessas relações. Ao realizar uma reflexão sobre os significados das palavras, que parecem tão soltas e despretensiosas, todo um contexto é revelado. Para a Geografia, esse contexto ganha forma através de uma espacialidade, territorialidades e temporalidades. Como bem afirmou Michel Foucault (2000b, p. 155) o significado “das palavras é a luz mais segura que se possa consultar”.

A primeira palavra que surgiu como um emaranhado de questionamentos para pesquisa foi “Dadaab”. O que significaria essa palavra que sempre ocupou uma centralidade? Teria o seu significado alguma relevância na descrição e constituição desse lugar? A hipótese era que sim, e a resposta que só foi dada 1 ano e meio depois, não só a confirmou, mas reuniu as outras palavras que se destacaram durante a pesquisa e estão presentes no transcorrer do texto. Palavras que quando somadas deram a contextualização desse campo de refugiados. Dadaad é uma palavra da língua somali, escrita originalmente como “Dhadhaab” e possui como tradução a palavra “rocha” (FIGURA 70), como citado anteriormente.

FIGURA 70 - Diagrama das principais palavras que resumem e reafirmam o significado do campo de refugiados de Dadaab.

Fonte: SILVA, Daniela F. 2015.

Campo de refugiados de "Dadaab" (Rocha) Fronteiras Encontros Conflitos Resistência Redes In-between Espera Território do não pertencer Desespero Migração Forçada (Fuga) Contenção Territorial

O nome dos lugares é estudado pela toponímia, que de acordo com Paul Claval (2001) “é uma herança preciosa das culturas passadas”, assim como o “batismo do espaço” vai além da sua referência, “trata-se de uma verdadeira tomada de posse (simbólica ou real) do espaço” (CLAVAL apud SEEMANN, 2005, p. 209).

Este campo de refugiados é formado por diferentes nacionalidades, mas 95,3% são somalis (UNHCR/KENYA, 2015). Como foi visto no capítulo 3, essa região do Quênia é historicamente de origem somali, e o seu significado não poderia ser diferente. Expressa a

resistência e a “resiliência”, palavra muito utilizada na referência aos refugiados somalis133, que

historicamente convivem com as condições adversas das características naturais em muitas regiões de seu país, como ressalta o jornalista polonês Ryszard Kapuscinski em sua experiência de viagem da cidade de Berbera para Las Anod, localizadas na parte setentrional da Somália,

atual região de Somalilândia134. Nessa jornada o autor descreve a forte relação existente entre

o povo somali, as condições naturais de seu país e a sua tradição do pastoreio nômade, principalmente de camelos, muito presente no campo de refugiados de Dadaab (FIGURA 71). FIGURA 71 – Refugiado somali no comércio de camelos na extensão Dagahaley do campo de refugiados de Dadaab.

Fonte: ENGHOFF, B. et al. In Search of Protection and Livelihoods: Socio-economic and Environmental Impacts of Dadaab Refugee Camps on Host Communities. Report for the Royal Danish Embassy, the Republic of Kenya and the Norwegian Embassy, 2010. Disponível em: <http://reliefweb.int/report/kenya/search-protection- and-livelihoods-socio-economic-and-environmental-impacts-dadaab>. Acesso em: 01 nov. 2014.

133 Resiliência foi uma palavra muito abordada em artigos internacionais, científicos ou jornalísticos, escritos

sobre Dadaab e os refugiados somalis.

Acompanhando pastores nômades, seu modo de vida secular, nessa região desértica do

país e depois em sua passagem por um campo de ajuda humanitária internacional135 na cidade

de Gode (Etiópia), o autor relata a capacidade dos somalis de se adaptar a situações adversas: Embora, aparentemente, não se possa ver nada ao redor - apenas deserto e mais deserto -, esse solo está riscado por incontáveis pistas, estradas, veredas e trilhas, que, apesar de invisíveis sob areia e rochas, estão profundamente gravadas na memória dos povos que, há séculos, vagueiam por essa parte do mundo. Aqui se inicia o grande desafio somali, o jogo da sobrevivência – o jogo da vida. (...). Essa gente recebia apenas 3 litros de água por dia para tudo: para beber, lavar, cozinhar e lavar a roupa. Como alimento, mais meio quilo de milho por dia e um saquinho de açúcar, além de um pedaço de sabão por semana. Pois não é que os somalis conseguiam economizar uma parte dessa ração e vender milho e açúcar a negociantes no campo, juntando dinheiro para comprar um novo camelo para fugir para o deserto? (KAPUSCINSKI, 2002, p. 231, 233 e 234).

Essa intensa capacidade dos somalis de reinventar-se diante de adversidades e do não desenvolvimento de uma ideologia de dependência das agências de ajuda humanitária têm atraído a atenção de pesquisadores de diferentes países136 para estudá-los. Essa habilidade é visivelmente observada na construção de suas territorialidades em Dadaab, assim como a formação de espaços alternativos em mediação com as fortes proibições impostas pelo governo queniano.

O campo de refugiados de Dadaab tem um contexto de formação relacionado ao povo somali, mas os povos das diferentes nacionalidades que ali sobrevivem, também imprimem resistência, lutando pela superação diária dos desafios da vida nesse campo. Para Abulony Ojulu Okello, refugiado etíope da região de Gambela, a vida no campo de refugiados de Dadaab pode ser traduzida na superação diária dos muitos desafios existentes. “Se você não supera esses

desafios diariamente, eles acabam te superando.”137

A resposta do significado da palavra “Dadaab” não veio de pesquisadores ou funcionários de organizações internacionais que trabalham no campo. Ela foi respondida por

Abdullahi Said-Emkay138.

135 O autor não especificou se era um campo de refugiados, apenas que a ajuda humanitária também se estendia

para pastores nômades somalis que se encontravam perdidos ou em situação difícil no deserto.

136 Informação dada pelo antropólogo americano Paul Goldsmith em entrevista disponível no documentário

“Somali businesses in Eastleigh”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CugO03OTgN4>. Acesso em: 05 ago. 2015.

137 O depoimento de Abulony Ojulu Okello foi registrado pela organização internacional FilmAid, através do

projeto Dadaab Stories. O seu depoimento, registrado em vídeo, e o de outros refugiados, estão disponíveis em: <http://www.dadaabstories.org/>. Acesso em: 05 mar. 2016.

138 Abdullahi Said-Emkay mora no campo de refugiados de Dadaab, mas preferiu não se identificar como