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2. PERCURSOS METODOLÓGICOS

2.2 Deslocamentos e mudanças

Ao longo da nossa escrita buscamos destacar e ilustrar o modo como a análise crítica do discurso, em nosso caso a abordagem de van Dijk e Fairclough, oferecem valiosas ferramentas para explorar as dimensões discursivas do mundo jornalístico, como também Verón e sua Teoria Social do Discurso. A ACD se preocupa, conforme explica Teun van Dijk (2009), em demonstrar “como mediante o texto e a fala em um contexto social e político se promove, reproduz e se combate o abuso de poder, a dominação e a desigualdade” (2009, p. 23).

Na perspectiva destes autores, o discurso dos meios de comunicação condiciona a concepção de uma cooperação por parte do público, já que informar consiste em expor uma forma de relato que implica a tomada de posição sobre os acontecimentos. Às vezes esta narrativa é explícita e outras implícita, mas o estudo da linguagem em seu contexto permite trazê-la à superfície. Analisar o discurso é "inevitavelmente um processo estruturado que, se feito corretamente, tem que revelar ideologias, valores e posições implícitas, mostrando assim que o discurso é sempre uma representação de um certo ponto de vista." (FOWLER, 1991, p. 209).

A contribuição de Bourdieu, neste campo, é decisiva para explicitar os mecanismos simbólicos entranhados nas mensagens que circulam no meio social, incluídas as de mídias massivas. O autor propõe que o que circula no mercado linguístico não é exatamente „a língua‟ corrente, “mas discursos estilisticamente caracterizados ao mesmo tempo do lado da produção (…), e do lado da recepção, na medida em que cada receptor contribui para produzir a mensagem que ele percebe e aprecia.” (BOURDIEU, 2008, p. 25, grifo do autor). Na perspectiva do sociólogo francês, isolar a linguagem de suas condições sociais de produção é ignorar que a resposta para a eficácia simbólica da comunicação não está na linguagem em si, mas no mundo social que a produziu. Logo, relações de comunicação são relações de poder fundadas em um arbítrio, em relações de violência simbólica, socialmente instituídas. Em „A Economia das trocas simbólicas‟, Bourdieu observa também

que o discurso não é uma simples troca de signos em situações de comunicação, mas o encontro de certas disposições sociais (habitus) com certos mercados simbólicos e seus “sistemas de formação de preços”. Esta afirmação revelar-se-á especialmente pertinente quando tratarmos das fontes utilizadas pelas mídias para veicular informes sobre a greve.

Outro aporte teórico-metodológico a destacar é a análise do discurso midiático empreendida por Charaudeau (2015), com ênfase no modo de organização descritiva dos fatos e de construção de significados das notícias. Esta pesquisa caracterizou-se, com foco na análise detalhada dos textos e seu contexto, por seu caráter essencialmente qualitativo, com a interpretação semântico-discursiva dos usos da linguagem jornalística. Por outro lado, adotamos também alguns procedimentos quantitativos no curso de toda a análise, de maneira a ampliar o escopo de elementos para a nossa leitura interpretativa. Concordamos, assim, com Bardin, quando descreve a análise de conteúdo como

[...] um conjunto de técnicas de análises das comunicações que tendem a obter indicadores (quantitativos ou não) por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, permitindo a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (contexto social) destas mensagens. (BARDIN, 1996, p. 32)

Na análise qualitativa, pretendemos, ao adentrar a categoria da emissão discursiva entendida como mediação per si, tomarmos ciência daquilo que Orlandi (1999, p. 15) define como “palavra em movimento, prática de linguagem”.

A construção do corpus e a análise estão intimamente ligadas: decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas (...) a melhor maneira de atender à constituição do corpus é construir montagens discursivas que obedeçam critérios que decorrem de princípios teóricos da análise de discurso, face aos objetivos da análise, e que permitam chegar à sua compreensão. (ORLANDI, 1999, p. 63) A análise do discurso, desse modo, destacará as dinâmicas textuais, como interfaces de uma mesma articulação discursiva que produz sentido nos relatos presentes no noticiário acerca da greve das universidades em 2015.

Trata-se de verificar, com base no cenário decalcado, em que medida os meios constroem e naturalizam um ponto de vista acerca do movimento social grevista nas instituições de ensino superior e, por outro lado, como estabelecem um modelo de percepção sobre as universidades brasileiras junto à opinião pública. Não nos deteremos na mediação estabelecida a partir da publicação das notícias – abordaremos essa questão de forma pontual, ao tratarmos de contribuições de autores que contemplam este tópico no interior da teoria da comunicação.

Nesta tese, reiteramos que esta análise implicou trabalhar com a noção de representação social, lato sensu, portanto com a constatação de que a maior parte do material que as mídias oferecem ao público tem algum tipo de relação com a realidade, ainda que de forma indireta, na medida em que as escolhas editoriais de cada empresa deste segmento produzem determinadas leituras sobre um fato ou evento. Essa mecânica de construção do sentido resulta, diz Charaudeau, “da imbricação das condições extradiscursivas e das realizações intradiscursivas” (2015, p. 40). Ou seja, as ideias que habitam os discursos nascem de uma lógica discursiva interiorizada e, simultaneamente, reagem ao peso das circunstâncias e dos interesses nos e pelos quais são produzidas.

Nos textos veiculados pelas mídias analisadas sobre a paralisação nas universidades, em 2015, observamos que os jornalistas utilizam diferentes estratégias discursivas na construção do noticiário que acompanha o dia a dia do movimento, ouvindo posicionamentos por vezes opostos, ainda que as abordagens sejam frequentemente ligeiras e superficiais. A FSP, por exemplo, comparativamente às demais fontes ouvidas e também aos outros veículos analisados, cedeu muito mais espaço ao MEC, cujo discurso foi pautado pela impessoalidade das notas e comunicados à imprensa. É possível constatar, ainda, que o acesso das fontes é desigual quando se trata do recurso ao discurso opinativo-argumentativo que impregna os editoriais e os artigos de opinião dos veículos que, de modo maciço, rechaçam os agentes sociais mobilizados e suas motivações ao debate sobre a universidade brasileira. Por outro lado, escasseiam análises em profundidade das questões que ciclicamente levam a paralisações de universidades, como verificado em 2015.