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5. ANÁLISE DO CORPUS DA PESQUISA

4.3 Jornalismo digital e suas interfaces

A opção por incluir no corpus de pesquisa um portal de notícias genuíno, ou seja, concebido para atuar como meio de comunicação online desde o batismo, caso do G1, braço na web do Grupo Globo, deveu-se ao nosso entendimento de que a escalada crescente deste tipo de mídia merecia comparecer em uma análise comparativa, em relação a mídias tradicionais, do teor veiculado sobre a greve de 2015.

A disseminação da Internet e as novas mídias sociais (blogs, Facebook, Twitter etc.) vem ocorrendo de maneira acelerada, nos últimos anos, nas democracias ocidentais, resultando em um processo de fragmentação da mídia e da audiencia, como constata Azevedo (2011), estudioso dos jogos de poder entre os meios de comunicação e as práticas políticas brasileiras. No contexto descrito pelo autor, o consumo da mídia tradicional diminui e o consumo das novas mídias é crescente, e um dos efeitos decorrentes desse fenômeno é a

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perda da universalidade do público, que tende a se estruturar em nichos a partir de preferencias ideológicas, políticas e culturais. “Esse processo, se, por um lado, democratiza a informação, por outro, estaria ameaçando o jornalismo baseado na ideia da objetividade (e dirigido para um público universal) e levando a uma “partidarização” da notícia.” (AZEVEDO, 2011, p. 90). Este viés, na perspectiva da homogeinização dos textos, é compartilhado por Chauí.

A multimídia potencializa a indistinção entre as mensagens e entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas em um mesmo padrão cognitivo e sensorial, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis.(…) Em suma, como nas mídias tradicionais, o simbólico é devorado pelas imagens, os contextos semânticos são fragmentados e unificados com a mistura de sentidos aleatórios.” (CHAUÍ, 2006, p. 70)

A plataforma digital72, como aponta Ferrari (2010), oferece a possibilidade de vincular notícias sobre o mesmo tema em diferentes links que se repetem ao longo dos dias e são alimentados, por um grupo de comunicação com diversas rádios e emissoras de TV coligadas pelo país. Sem as restrições espaciais do veículo impresso, conforme pontua Castells (2008)73, os meios digitais oferecem uma frequência maior de informações sobre um acontecimento por contar com recursos do jornalismo digital, como é exemplo a narrativa transmídia74, que facilitam a disseminação e a remissão a outros textos. Em nosso corpus de pesquisa, vale lembrar, todas as matérias veiculadas sobre a greve foram extraídas das respectivas plataformas digitais, no caso dos três jornais que ainda mantêm o formato impresso. Ainda assim, observamos como o portal G1, concebido para noticiar no formato exclusivamente digital, fez um uso mais explícito do recurso de remissão a

72“Tudo indica que a mídia de massa do século XXI será muito diferente da atual – seja pela personalização do conteúdo, pela interatividade ou pelo dinamismo do noticiário. Com milhões de usuários simultâneos, os portais são o melhor indício de como será essa nova mídia.” (FERRARI, 2010, p. 37)

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O crescente interesse dos meios de comunicação corporativos pelas formas de comunicação através da internet é, na realidade, o reflexo do surgimento de uma nova forma de comunicação socializada. (CASTELLS, 2008, p. 20)

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O emaranhado de informações que irá caracterizá-la compõe uma estrutura semelhante à de uma rede, onde os diversos pontos se conectam para compor o todo. Assim também é o hipertexto ou hipermídia, reflexo desta rede. (JENKINS, 2009 apud SANTOS, 2015).

outros textos já veiculados em sua plataforma e matérias a ele relacionados, os chamados hiperlinks75.

Atende-se, neste caso, o que Santos (2016) define como uma das modalidades de repensar a prática jornalística, adequando-a a possibilidades oferecidas pelas novas mídias e também à reconfiguração dos processos de recepção, que se tornou uma preocupação comum aos meios de comunicação, “especialmente aqueles já inseridos em um mercado movido pelo surgimento de novas possibilidades de interação com os leitores e produtores de informação da era digital”. (SANTOS, 2016, p. 67). Este processo, porém, não está isento de conflitos e indefinições, ao contrário, como aponta o sociólogo espanhol Manuel Castells, uma das referências teóricas do debate sobre o impacto social do mundo digital, para quem o novo campo de comunicação de nossa época surge através de um processo de mudança multidimensional configurado pelos conflitos enraizados na estrutura contraditória de interesses e valores que constituem a sociedade. (CASTELLS, 2009, p. 91).

Chama-se “imaterialidade jornalística”, no dizer do professor Marcondes Filho (2009, p. 156), o novo caráter do jornalismo numa sociedade cada vez mais permeada por novos sistemas de comunicação e tecnologias de informação. Ele enxerga neste processo uma quebra radical dos métodos que definiram a atividade no século XX, como a expansão empresarial do setor ou a capacidade de as mídias definirem-se no espectro ideológico. No cenário atual, o texto e a prática jornalística sofrem uma transformação substancial, segundo o autor, que assim analisa o fenômeno do jornalismo na chamada era digital:

Tem-se, numa matéria única de página inteira ou de meia página de jornal uma série de blocos que são simplesmente agregados e que constituem uma diversidade dentro desse mesmo texto jornalístico. A sensação no final da leitura é de uma matéria que aspirou informar mas que manteve-se no plano das pinceladas gerais, de tal forma que o leitor sedento de notícias e conhecimento o continuará sendo após essa leitura. (MARCONDES FILHO, 2009, p. 157)

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Elemento básico de hipertexto, um hyperlink oferece um método de passar de um ponto no documento para outro ponto no mesmo documento ou em outro. (FERRARI, 2010, p. 144) Na prática, o hiperlink, como se usa grafa em português, consiste básicamente na prática de saltar de um barco a outro sem sair de um lago.

É visível, no entanto, a expansão do que Castells chama de „autocomunicação‟. O movimento grevista também tirou proveito das redes sociais e seus códigos de distribuição de opiniões, que também deram visibilidade ao movimento grevista. O ministro da Educação que permaneceu no cargo [abril a outubro]76, apenas um mês a mais que o período período da greve [maio a outubro], Renato Janine Ribeiro é detentor de um perfil bastante ativo e acessado no Facebook e, durante sua passagem pelo ministério, não deixou de utilizá-lo para posicionar-se sobre o movimento. Em 28/05, primeiro dia de paralisação, postou nesta rede social: “As greves só fazem sentido quando estiverem esgotados os canais de negociação”. A frase foi reproduzida em matéria do G1 e atribuída ao ministro, cargo público, não ao dono do perfil Renato Janine Ribeiro.

Também o Andes-SN utilizou as redes sociais para disseminar uma hashtag77 convidando ao diálogo governo-entidades, precedida de uma provocação relacionada à condição profissional de Janine, professor de Ética e Filosofia Política na USP. "Reflexão de Hegel: por que não #DialogaJanine!?" (FSP, 14/09). A matéria informa que “o questionamento, em tom irônico, é feito por professores de universidades federais em greve” e que “o principal sindicato da categoria publicou charges de filósofos, a exemplo de Janine, lamentando a falta de interlocução com o titular do MEC”, como nas charges de Descartes, Nietzche e do educador brasileiro Paulo Freire, que reproduzimos abaixo. As charges, assinadas por Nico, traziam ainda os filósofos Hegel, Rousseau, Sartre, além dos russos Lênin e Trotsky. Todas podiam ser baixadas em um site78 exclusivo para divulgação materiais visuais da campanha reivindicatória de 2015.

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Notícia da demissão do então ministro Renato Janine Ribeiro, cinco meses após a posse. Disponível no link:<http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/09/dilma-informa-renato-janine-que- ele-deixara-ministerio-da-educacao.html>. Acesso em 17/9/2017.

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Hashtag é um composto de palavras-chave, ou uma única palavra, precedido pelo símbolo cerquilha (#). Tags significam etiquetas e referem-se a palavras relevantes, que associadas ao símbolo #, se tornam hashtags amplamente utilizadas nas redes sociais. (SANTOS, 2016, p. 73)

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Disponível em: <https://grevenasfederaisandes.wordpress.com/informandes- especiais/materiais/>