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A DESNECESSIDADE DE INSTITUIR A REGULAÇÃO ESTATAL PARA AS EXERIÊNCIAS DE ECONOMIA DE COMPARTILHAMENTO

CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO PARA A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DE MOBILIDADE URBANA

5.1 A DESNECESSIDADE DE INSTITUIR A REGULAÇÃO ESTATAL PARA AS EXERIÊNCIAS DE ECONOMIA DE COMPARTILHAMENTO

Em consonância com o que fora delimitado nos pontos anteriores, vê-se que a economia compartilhada introduz dinâmicas inovadoras no mercado consumidor e incita, naturalmente, discussões acerca da temática regulatória. Nas tratativas iniciais desse capítulo, viu-se o conceito de regulação, bem como algumas de suas modalidades, com foco na descrição da autorregulação. A compreensão acerca dos desdobramentos regulatórios da economia de

272 Idem, p. 239.

273 NONET, Phillippe; SELZNICK, Philip, apud RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes; MACHADO, Igor Suzzano. Repressão, autonomia e responsividade: o direito que se exerce nas delegacias de polícia no Brasil.

compartilhamento está associada ao fato de que esse fenômeno não interfere apenas sobre os sujeitos diretamente engajados, mas, também, os operadores do mercado tradicional.

No decorrer do estudo, foi analisada a conjuntura de adaptação e, até, de hostilidade das empresas tradicionais ante a eclosão de inovações econômicas, sendo singular, portanto, lembrar-se dessas companhias enquanto sujeitos diretamente afetados pelo crescimento das sharing economy. Os consumidores, ainda que não estejam conectados de forma direta às tendências do mercado, têm interesse na dinâmica regulatória em comento por tratar-se de um assunto cujos reflexos são difusos para a sociedade274.

Cumpre esclarecer que as plataformas de economias compartilhadas designam iniciativas empreendedoras, e não somente meros sites ou aplicativos, cujo propósito é desenvolver as estruturas negociais, ao contrário, são estruturas em processo de consolidação do mercado e, portanto, precisam de uma política regulatória receptiva, principalmente estimulante quanto à inovação. Na realidade, a regulação em comento atua no mercado como two-sided platforms, ou ‘plataformas de duas pontas’, que são plataformas que atuam na coesão de interesses de dois grupamentos contrapostos de usuários, os quais realizam funções diferentes em transações comerciais entre si e com a plataforma275.

Por entendimento lógico, as duas pontas são criadas dessa forma com o intuito de reduzir os custos operacionais e facilitar o seu funcionamento, a exemplo do que fora delimitado sobre o aplicativo uber, com os motoristas de um lado e os passageiros, de outro. De acordo com a plataforma e as duas pontas, há uma flexibilidade agradável aos motoristas, tendo em vista a possibilidade de manter um emprego fixo e aderir às corridas como método complementar de renda, ou, ainda, mediante sua conveniência pessoal.

Diante dessas premissas, a pergunta central desse capítulo é: É necessário propor um sistema de regulação estatal sobre as atividades de compartilhamento?

A resposta é simples: não. Após a análise minuciosa das características da mobilidade urbana brasileira, com dados numéricos indicando seu colapso e provável estagnação futura, além dos conceitos de smart city e economias colaborativas associadas ao sistema de transporte nacional, constatou-se que a governabilidade contemporânea não condiz com a realidade das tendências econômicas e as necessidades sociais. Em outras palavras, o modo de gestão

274 SCANDIUZZI, Ana Carolina Fialho. Os desafios regulatórios da economia do compartilhamento. Monografia em Direito – Escola de Direito de Brasília, Brasília, 2016, p. 29-41.

administrativa atual não está solucionando as problemáticas porque, dentre outras razões, não se coaduna com a perspectiva urbanística das cidades, com as demandas sociais, tampouco com o comportamento participativo do cidadão.

É por esse motivo que emerge no cenário nacional mudanças de comportamento como a apatia dos brasileiros frente às mudanças oriundas de iniciativas governamentais, assim como também se constata sua inserção como agente atuante nos temas de ordem coletiva. A projeção de cidades inteligentes, dotadas de governança inteligente e intensa aplicabilidade tecnológica é vista como alternativa viável à correção dos problemas urbanos detectados. Nesse sentido, utilizando-se como parâmetro o crescimento das economias de compartilhamento, com ênfase da utilização do Uber enquanto plataforma digital alternativa à locomoção dos cidadãos vê-se que seu funcionamento deve ocorrer de forma autônoma, assim como as demais iniciativas econômicas colaborativas.

Outro aspecto de singular relevância é que essa modalidade encontra maior espaço para a imposição de princípios e normas de conteúdo ético, despidas de juridicidade típica e obrigatória da regulação estatal. Sobre tal vertente, merece destaque um aspecto que gera intenso debate jurídico, qual seja, a desnecessária multiplicidade de normas jurídicas

reguladoras do mercado276. Embora esse não seja o foco desse estudo, cumpre tecer algumas

assertivas sobre esse assunto.

O fenômeno do excesso de normas adquiriu expressões variadas de designação, como ‘inflação legislativa’, ‘hipernomia’, ‘hipertrofia da lei’, ‘elefantíase da lei’ e possivelmente outras indicadoras da quantidade exorbitante de criações legislativas após a Constituição

Federal de 1988277. Um estudo denominado ‘Quantidade de normas Editadas no Brasil – 19

anos da Constituição Federal’, feito em 2007, aferiu que foram editadas 3.628.013 (três milhões, seiscentos e vinte e oito mil e treze) normas jurídicas aplicáveis em todos os âmbitos do ordenamento jurídico nacional, o equivalente a bagatela de 523 normas editadas por dia, à época278.

276 EIZIRIK, Nelson. apud TRINDADE, Marcelo; SANTOS, Aline de Menezes. op. cit.

277 SOUZA, Clayton Ribeiro de. A inflação legislativa no contexto brasileiro. Revista da AGU, v. 11, nº 33, p. 37-64, set/2012, p. 15-16.

278 AMARAL, Gilberto Luiz do; et. al. Quantidade de normas editadas no brasil - 19 anos da constituição

federal. São Paulo: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, 2007. Disponível em: <http://www.ibpt.com.br/arquivos/estudos/QUANTIDADE_DE_NORMAS_-_19_ANOS_DA_CF_1988.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2018.

A sociedade moderna, de fato, tem um fascínio pela edição das normas jurídicas279 e, o faz, não pelo objetivo desenvolvimentista, apesar de essa ser a justificativa principal, mas, ao contrário, por motivações particulares de cunho político e ideológico. Por essa razão, há a intelecção por intermédio da qual, diante desse contexto, o legislador passa a elaborar cada vez mais diplomas legais com o objetivo de satisfazer os anseio e pressões sociais – além de seus interesses, claro -, prevalecendo, portanto, anseios diversos da real necessidade jurídico

normativa280. A inflação legislativa está em franca expansão e, no que pertine à

responsabilidade da referida realidade, há de se ponderar que não decorre apenas do descontrole do poder legislativo, mas, também, da contribuição dada pelos poderes executivo e judiciário (em menor escala) nesse sentido281.

Em paralelo ao crescimento exponencial de normas jurídicas e leis, a interpretação dos dispositivos torna-se cada vez mais complexa e, porque não dizer, “praticamente inacessível ao cidadão comum”. Essa situação assume uma gravidade maior ao se analisar a problemática sob a ótica do paradoxo democrático criado pela não compreensão das normas por parte dos seus destinatários282. Em síntese, fomentar ao processo de hipertrofia da lei consiste em uma violação feroz de direitos constitucionais, na medida em que o embaraço interpretativo dos dispositivos legais fere o acesso dos cidadãos ao gozo dos seus direitos.

A lei necessita, resumidamente, de fluidez a fim de ser compreendida pelos seus destinatários, assim como também de ser concisa, clara, simples e escrita da forma mais direta possível283. Nesse diapasão, é evidente que o aumento de aparatos normativos, inclusive em seara regulatória, contribui para o fenômeno da hipernomia e, como visto, sem qualquer efetividade prática. Dessa maneira, reforça-se a conclusão de que o modelo arcaico de regulação não possui resolutividade, ainda mais em se tratando de um setor econômico que, como discutido, não está relacionado à prestação de serviços públicos, mas, à proposição de serviços de utilidade pública.

A autorregulação, sem dúvidas, opera como a alternativa mais coerente ao caso das share economy, cujas diretrizes apresentadas pelos seus agentes diretos devem preconizar pela suavidade, flexibilidade e, sobretudo, abertura e liberdade em relação às novas experiências

279 CARNELUTTI, Francesco apud SOUZA, Clayton Ribeiro de. op. cit., p. 2.

280 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 37. 281 SOUZA, Clayton Ribeiro de. op. cit., p. 4.

282 LAURENTIS, Lucas de; DIAS, Roberto. A qualidade legislativa no direito brasileiro: teorias, vícios e análise do caso RDC. Revista de Informação Legislativa, Brasília, nº 208, out/dez. 2015, p. 167-187, p.169.

para retroalimentar o ciclo de inovações e acompanhar o aprimoramento das mudanças tecnológicas e científicas da sociedade hodierna. Sem embargo, ao Estado cabe preservar os direitos dos consumidores, se necessário, por meio de regramentos mínimos à prestação dos serviços e ao oferecimento de bens284.

Diante do plexo de informações aludidas, especialmente sobre a discordância quanto à regulação tradicional, é crucial minuciar as características da autorregulação e como o seu funcionamento pode se transpor à realidade dos uberistas de modo a comportar essa economia compartilhada com eficiência e em observância das disposições constitucionais do ordenamento constitucional pátrio.

5.2 A AUTORREGULAÇÃO PARA AS ECONOMIAS COMPARTILHADAS E SUA