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Desregulamentação: reflexos da extinção do Ministério do Trabalho na proteção e

3. DA INVISIBILIDADE SOCIAL À MARGINALIZAÇÃO DA PROTEÇÃO

3.3. Desregulamentação: reflexos da extinção do Ministério do Trabalho na proteção e

A primeira Medida Provisória editada pelo atual Presidente da República, de n.º 870/2019, teve por objeto a reestruturação dos Ministérios e da Presidência da República. O artigo 57 da referida norma prevê:

Art. 57. Ficam transformados:

I – o Ministério da Fazenda, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e o Ministério do Trabalho no Ministério da Economia.

Nos termos do artigo 31, XXXVI, a segurança e saúde no trabalho passaram a ser área de competência do Ministério da Economia. A referida Medida Provisória foi convertida na Lei n.º 13.844/2019, sem alterações quanto ao tema.

Na estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego, em sua organização anterior à extinção403, competia à Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT “formular e propor as diretrizes

e as normas de atuação da área de segurança e saúde do trabalhador” (artigo 1º, II, do Anexo IX da Portaria n.º 1.152/2017).

Nos termos do artigo 22 do referido Anexo, competia ao Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho – DSST, subordinado à SIT:

I - subsidiar a formulação e a proposição das diretrizes e das normas de atuação da área de segurança e saúde no trabalho;

II - planejar, supervisionar, orientar, coordenar e controlar a execução das atividades relacionadas com a inspeção dos ambientes e das condições de trabalho;

III - planejar, coordenar e orientar a execução do Programa de Alimentação do Trabalhador e da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho;

IV - planejar, supervisionar, orientar, coordenar e controlar as ações e as atividades de inspeção do trabalho na área de segurança e saúde;

V - subsidiar a formulação e a proposição das diretrizes para o aperfeiçoamento técnico-profissional e a gerência do pessoal da inspeção do trabalho, na área de segurança e saúde;

403 O regimento interno do MTE vigente à data de sua extinção foi aprovado por meio da Portaria n.º 1.152/2017, disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19407967/do1-2017- 11-13-portaria-n-1-153-de-30-de-outubro-de-2017-19407889. Acesso em 20/1/2020.

VI - coordenar as atividades voltadas para o desenvolvimento de programas e ações integradas de cooperação técnico-científica com organismos internacionais, na área de sua competência; e

VII - supervisionar, no âmbito de sua competência, a remessada legislação e dos atos administrativos de interesse da fiscalização do trabalho às Superintendências Regionais do Trabalho.

Em ato administrativo alinhado à sua competência institucional de proteção do valor trabalho, o Ministério do Trabalho disponibilizou para consulta pública, no período de 31/1/2017 a 31/5/2017, o texto técnico básico para criação de Norma Regulamentadora referente às atividades de Limpeza Urbana404, dispondo sobre “os requisitos mínimos para a

gestão da segurança, saúde e conforto nas atividades de limpeza urbana, sem prejuízo da observância das demais Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho.” (item 1.1).

O texto publicado por meio da Portaria n.º 609/2017 abrange “todos os trabalhadores das atividades de limpeza urbana, independente da forma de contratação.” Nos termos da Portaria, consideram-se da limpeza urbana, entre outras, as atividades que envolvem coleta de resíduos sólidos e varrição (item 1.2)405.

A norma regulamenta, ainda, aspectos da saúde psicossocial dos trabalhadores, prevendo expressamente o direito à implementação de condições de trabalho que eliminem a necessidade da gestão do nojo. Nesse sentido, o item “2.11 - O empregador deverá buscar soluções para que os odores provenientes dos resíduos sejam eliminados ou neutralizados, de forma a diminuir o impacto causado aos trabalhadores e a terceiros.”

A norma traz também dispositivos gerais a respeito da instalação de “áreas de vivência

ou pontos de apoio” nas rotas e, onde não for possível, a utilização de instalações sanitárias

móveis; a disponibilização de inventário contendo informações relativas à extensão da área de coleta ou varrição, às distâncias percorridas pelos trabalhadores e às condições do tráfego das vias nos horários de coleta; a instalação de câmera de marcha a ré; e o treinamento admissional e periódico a cada 6 meses; entre outras medidas.

404 O texto preliminar está disponível em: http://consultas-publicas.mte.gov.br/inter/consultas- publicas/exibirnainternet/exibirnormasnainternet.seam?cid=395. Acesso em: 27/1/2020.

405 Conforme explicado no tópico 2.1 desta pesquisa, o Termo de Referência do Edital de Pregão Eletrônico n.º 02/2018 assim define as atividades de coleta de lixo e de varrição: “2.8.1. Coleta e Transporte de Resíduos Sólidos - consistem no recolhimento de resíduos residenciais e comerciais (equiparados aos residenciais) (Classe II – NBR 10.004/2004 ABNT) dispostos de maneira regular pelo usuário do Serviço de Limpeza do Distrito Federal (excetuando-se os resíduos da construção civil e volumosos, de grandes geradores e resíduos da coleta seletiva); 2.8.10. Varrição de vias e Logradouros - compreende a varrição de todos os resíduos soltos nos logradouros, vias, sarjetas e calçadas, bem como seu acondicionamento em sacos plásticos, transporte aos pontos determinados e posterior coleta.”

Além disso, são dedicados capítulos específicos aos coletores e varredores de lixo. Quanto às condições de trabalho dos coletores, a norma prevê: a) direito de recusa quando os resíduos oferecerem risco à sua saúde ou segurança, considerando-se inadequadamente acondicionados os resíduos que possibilitem cortes, perfurações, esforço excessivo, acidentes, vazamentos, derramamentos, espalhamentos e surgimento de animais peçonhentos ou vetores de doenças; b) proibição do deslocamento de trabalhadores, mesmo em pequenos percursos, em estribos, plataformas, parachoques, assim como em carrocerias de caminhões, carretas, apoiados em tratores e/ou em outras situações que podem favorecer acidentes ou adoecimentos; e c) disponibilização de água, sabão e material para enxugo no veículo, com a finalidade de higienização das mãos do trabalhador (item 8).

Aos trabalhadores na varrição manual são previstos, entre outros, os seguintes direitos: a) elaboração de relatoria por parte do empregador, com a indicação dos roteiros e locais a serem utilizados para a realização de refeições e necessidade fisiológicas; b) indicação de ferramentas e instrumentos de trabalho adequadas às características antropométricas dos trabalhadores; c) vedação de acondicionamento de alimentos, bebidas e bens pessoais no lutocar, junto aos resíduos coletados; e d) fornecimento de água potável, filtrada e fresca em recipientes portáteis hermeticamente fechados (item 9).

Apesar da evolução jurídica que referida norma representa no que tange à progressividade dos patamares de tutela integral do cidadão trabalhador, tem-se que, na linha do influxo neoliberal que vem se instalando no cenário político brasileiro mais intensamente desde 2013406, o Ministério do Trabalho e Emprego foi extinto durante o Governo Bolsonaro,

por meio da Medida Provisória n.º 870/2019, convertida na Lei n.º 13.844/2019407. O órgão teve

suas atribuições divididas entre o Ministério da Economia, o Ministério da Cidadania e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Desde então não foram disponibilizadas informações oficiais a respeito da Norma Regulamentadora referente às atividades de Limpeza Urbana, do que se infere a possível interrupção das atividades relacionadas à sua elaboração.

406 A respeito do tema, conferir: SINGER, André Vitor. O Lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

407 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13844.htm. Acesso em 1º/12/2019.

Conclui-se que, por uma série de motivos de cunho social e cultural, os coletores de lixo urbano não vêm sendo reconhecidos como destinatários do direito fundamental ao trabalho digno. Embora a regulação específica da atividade de limpeza urbana pelo Poder Executivo representasse relevante progresso de ampliação do patamar civilizatório mínimo de direitos trabalhistas e, consequentemente, de efetivação do direito fundamental ao trabalho digno, a referida iniciativa não encontra contexto favorável no atual cenário neoliberal de flexibilização e desregulamentação do Direito do Trabalho.

Verifica-se que à invisibilidade social é somada a invisibilidade jurídica, consubstanciada na marginalização da proteção estatal e coletivamente negociada, em um processo circular e viciado de precarização das condições de trabalho, no qual a ausência de reconhecimento social e a desproteção jurídica reforçam-se mutuamente.

3.4. Revisitando os direitos fundamentais: a afirmação da dignidade do