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A DETERMINAÇÃO REFLEXIVA ENTRE TELEOLOGIA E CAUSALIDADE E A GÊNESE DA LIBERDADE.

CAPITULO II TRABALHO COMO MODELO DE TODA A PRÁXIS SOCIAL E O DESDOBRAMENTO DO COMPLEXO DA

2.1. A DETERMINAÇÃO REFLEXIVA ENTRE TELEOLOGIA E CAUSALIDADE E A GÊNESE DA LIBERDADE.

As contingências naturais e sociais nas quais o indivíduo singular está submetido condicionam a sua sobrevivência. Esta determinação natural e social é mediada pela consciência dos indivíduos no processo de trabalho, estejam eles conscientes disto ou não. Neste sentido, Lukács afirma que o ser social é um ser que dá respostas diante das circunstâncias históricas e sociais determinadas. Na medida em que o ser social desenvolve, intensiva e extensivamente sua capacidade de

compreender a realidade do “ser-precisamente-assim”, as possibilidades de ação diante das contingências se ampliam, podendo ser formuladas distintas respostas em face de uma mesma determinação, portanto, distintas alternativas do pôr teleológico.

A liberdade está presente na escolha de alternativas – estas são fruto da interação entre sujeito e objeto – em que as respostas são postas pelos indivíduos singulares diante de necessidades presentes em cada momento histórico determinado. Contudo, suas respostas não apenas satisfazem as necessidades dadas, mas têm consequências de ir além da finalidade posta.

Dar resposta a uma necessidade posta não se equipara a nenhuma condição na natureza, pois a satisfação das necessidades é paulatinamente mais social, na medida em que através do trabalho realiza determinada transformação da natureza e, ao mesmo tempo, transforma a si próprio. Isto porque os resultados do trabalho – das opções entre as respostas alternativas (possibilidades) – constituem-se em uma nova realidade sobre a qual, novas respostas são possíveis, e até inimagináveis para momentos históricos distintos.

O homem não transforma a natureza isoladamente, esta transformação ocorre dentro de uma organicidade social. Mesmo as mais primitivas formas de trabalho já apresentam elementos claros de uma interação social. Tal condição já está presente até mesmo na esfera da natureza, em que o processo de reprodução dos animais já pressupõe um grau mínimo de interação entre indivíduos isolados. Mesmo as complexas estruturas de sociabilidade presente nos animais superiores são profundamente diversas daquela surgida do trabalho. Neste, se processa uma intensificação da sua divisão social a partir do pôr teleológico – um processo de escolhas entre as alternativas de transformação da realidade. Esta determinação orgânica entre teleologia e causalidade – unificadas exclusivamente pelo trabalho – evidencia o surgimento do complexo da liberdade.

A gênese da liberdade é um desdobramento do trabalho, e se constitui noutra característica exclusiva do ser social, e pode ser sintetizada como a ampliação das capacidades do trabalho em satisfazer necessidades.

Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter intermediário: ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria-prima, objeto do trabalho, etc.) como

orgânica, inter-relação que pode até estar situada em pontos determinados da série a que nos referimos, mas antes de mais nada assinala a passagem, no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social (LUKÁCS, 1981, L 2 vol. 01, p. 14).

No momento em que o trabalho se constitui como um pôr teleológico, combinando o momento ideal e a práxis – portanto desenvolvendo as capacidades produtivas do trabalho, uma maior sociabilidade social e o recuo das barreiras naturais – o campo da liberdade se desenvolve como possibilidades alternativas presentes na determinação reflexiva entre teleologia e causalidade. Para Lukács, Hegel formula adequadamente esta relação ontológica presente no trabalho indicando que:

Nas suas aulas de Jena de l805 diz ele (Hegel): “A atividade própria da natureza – elasticidade da mola, água, vento, – é empregada para realizar, na sua existência sensível, algo inteiramente diverso daquilo que ela quereria fazer, (de tal modo que) a sua ação cega é transformada numa ação conforme a um fim, no contrário de si mesma…”, enquanto o homem “deixa que a natureza se desgaste, fica olhando tranqüilamente, (sic) governando apenas, com pouco esforço, o conjunto…” (LUKÁCS, 1981, L. 2. Vol. 01, p. 26).

Hegel deixa evidente a relação da causalidade como automovimento, “sua ação cega” no âmbito da natureza e a teleologia “ação conforme a um fim”, posta pelos indivíduos que “governando apenas” a natureza realizam seus objetivos. Lukács enfatiza que

Hegel descreveu um aspecto ontologicamente determinante do papel que a causalidade natural tem no processo de trabalho: sem que haja nenhuma transformação interna do objeto, das forças da natureza, surge algo inteiramente novo; o homem que trabalha pode inserir suas propriedades, as leis do seu movimento, em combinações completamente novas e atribuir-lhes outras funções e modos de operar completamente

novos. Considerando, porém, que isto só pode acontecer no interior do caráter ontológico insuprimível das leis da natureza, a única mudança das categorias naturais só pode consistir no fato de que estas – em sentido ontológico – tornam-se postas; o seu caráter de ser-postas é a mediação da sua subordinação à determinante posição teleológica, mediante a qual, ao mesmo tempo em que se realiza um entrelaçamento, posto, de causalidade e teleologia, se tem um objeto, um processo, etc. unitariamente homogêneo (LUKÁCS, 1981, L. 2. Vol. 01, p. 27).

Este processo em que o “automovimento das causalidades”, através do pôr teleológico, passa a se constituir em causalidade posta – numa natureza que se diferencia do conjunto da natureza por ser teleologicamente posta – só é possível decorrente do trabalho como mediador entre o ser social e a natureza. As causalidades postas passam a se constituir na base sobre a qual, as novas posições teleológicas se realizam num processo intensivo e extensivo de desenvolvimento da sociabilidade do ser social, dinamizado pela contínua determinação reflexiva entre causalidade e teleologia. Este processo de transformação da natureza implica em um processo, em que o próprio ser social transforma a si mesmo e a sua natureza. Na medida em que a consciência vai paulatinamente se apropriando das causalidades presentes na natureza e na sociedade, as possibilidades da práxis se ampliam e se intensificam com o domínio sobre o meio, possibilitando que as posições teleológicas sejam continuamente mais heterogêneas.

Este domínio sobre o meio é a expressão da liberdade do sujeito de realizar, de distintas maneiras e de forma mais adequada entre os meios e os fins, a sua posição teleológica. Portanto, o campo da liberdade se amplia na medida em que se ampliam as possibilidades do pôr teleológico diante do caráter heterogêneo da realidade socialmente mediada.

A razão deste último fato é que, por um lado, a realização imediata do trabalho passa, aqui, por numerosíssimas, múltiplas e muitas vezes heterogêneas mediações e, por outro lado, o material no qual se verifica o movimento livre como forma da liberdade não é mais simplesmente a natureza, mas, no mais das vezes, já é o

intercâmbio orgânico da sociedade com essa ou até mesmo o processo do próprio ser social (LUKÁCS, 1981, L. 2. Vol. 01, p. 116).

Este caráter heterogêneo das posições teleológicas está diretamente vinculado ao processo de transformação das causalidades espontâneas da natureza em causalidades postas. Estas causalidades postas são essencialmente diferenciadas da esfera da natureza, na medida em que são veículos das posições teleológicas dos indivíduos, e se constituem de base para outras posições teleológicas, intensificando as formas socialmente mediadas de interação orgânica com a natureza. Este processo indica o caráter predominante do agir no ser social sobre as causalidades postas em relação às causalidades da natureza. Isto, contudo, como enfatizado várias vezes por Lukács, não elimina a causalidade espontânea da natureza, nem desconsidera os relevantes impactos deste automovimento no ser social. Esta caracterização do papel predominante das causalidades postas, apenas evidencia o papel da centralidade do trabalho no devir homem do homem, decorrente do caráter crescente da produtividade do trabalho, da ampliação da sociabilidade do ser social e do contínuo recuo das barreiras naturais.

O homem está em relação com as coisas do mundo exterior como meios de satisfazer suas necessidades. Mas os homens não começam de modo algum por achar-se, com isso, “numa relação teórica com as coisas do mundo exterior”. Como todo animal, eles as tomam {fangen}, por isso, para comer, para beber, etc.; portanto, não “se acham” em uma relação, mas se comportam ativamente, apoderam-se de certas coisas do mundo exterior pela ação, e então satisfazem suas necessidades. (Eles começam, portanto, com a produção) (MARX, 1962, p. 362 apud SILVA e ALVES, 2007, p. 16-17).

Este processo de interação orgânica entre o ser social e a natureza vai constituindo formas de mediação cada vez mais sociais. Formas inexistentes na natureza e que se colocam para o ser singular como uma “segunda natureza”. As causalidades postas são, portanto, a base de novas posições teleológicas, novas alternativas de decisões para o ser social. A esfera da liberdade está diretamente vinculada à capacidade de decidir, entre as alternativas possíveis, qual será a práxis

adequada à finalidade desejada. Neste nível ainda abstrato do debate sobre a liberdade é fundamental compreender que esta é uma estrutura ineliminável do pôr teleológico. É na escolha entre alternativas que o ser singular expressa sua liberdade de decisão e de ação. Lukács sintetiza da seguinte forma esta relação entre teleologia, causalidade, alternativas e liberdade no ser social.

Na gênese ontológica da liberdade a partir do trabalho, temos que partir do caráter alternativo das posições teleológicas nele existentes. Com efeito, é nessa alternativa que aparece, pela primeira vez, de forma claramente delineada, o fenômeno da liberdade, que é completamente estranho à natureza: no momento em que a consciência decide, em termos alternativos, que finalidade quer estabelecer e de que maneira quer transformar as séries causais correntes em séries causais postas, como meios de sua realização, surge um complexo dinâmico que não encontra paralelo na natureza. Só neste momento, portanto, é que se pode examinar o problema da liberdade em sua gênese ontológica. Numa primeira aproximação, a liberdade é aquele ato de consciência que dá origem a um novo ser posto por ele (LUKÁCS, 1981, L. 2. Vol. 01, p. 112) (Grifo nosso).

Esta “primeira aproximação” do complexo da liberdade evidencia sua base objetiva de existência, como “ato de consciência”, portanto, como realização de uma finalidade previamente determinada que atue sobre um objeto, não apenas um reflexo da realidade na consciência, mas como ação que “dá origem a um novo ser posto”.

A determinação reflexiva entre teleologia e causalidade – relações exclusivas da esfera do ser social –, constitui-se na base sobre a qual a liberdade irá se desenvolver. Contudo, esta aproximação inicial não deve deixar de ser caracterizada como parcial, pois o complexo da liberdade vai além do pôr teleológico primário de um ser singular, desdobra-se em um processo de desenvolvimento genérico do ser social, expressão do desenvolvimento conjunto da humanidade.

Objetivamente, o pôr teleológico tem como objeto de sua realização, não apenas causalidades naturais, mas fundamentalmente causalidades postas, esta sua base determina o horizonte de sua

realização. Esta relação entre determinismo e liberdade deve ser adequadamente equacionada para compreendermos a gênese e o desenvolvimento do complexo da liberdade.

2.2. SUJEITO E OBJETO E O DETERMINISMO SOCIAL DA