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TELEOLOGIA E CAUSALIDADE ESPONTÂNEA DA NATUREZA.

CAPITULO I AS ESFERAS ONTOLÓGICAS E A GÊNESE DO SER SOCIAL.

1.3. TELEOLOGIA E CAUSALIDADE ESPONTÂNEA DA NATUREZA.

A determinação reflexiva entre teleologia e causalidade se constitui no processo de mediação do homem com a natureza. Neste sentido, o caráter teleológico do trabalho se explicita através da objetivação deste na práxis. Esta objetivação se realiza sobre as causalidades naturais, transformando-as por meio do pôr teleológico. O trabalho como mediador entre o ser social e a natureza, à medida que se

apropria das leis causais desta, cria objetividades novas inexistentes na natureza, na forma de causalidades postas. O fato de esta nova objetividade ser posta não altera o caráter de automovimento presente nas legalidades causais.

A causalidade é um princípio de automovimento que repousa sobre si mesmo e que mantém este caráter mesmo quando uma série causal tenha o seu ponto de partida num ato de consciência; a teleologia, ao contrário, por sua própria natureza, é uma categoria posta: todo processo teleológico implica numa finalidade e, portanto, numa consciência que estabelece um fim. Pôr, neste caso, não significa simplesmente assumir conscientemente, como acontece com outras categorias e especialmente com a causalidade; ao contrário, aqui, com o ato de pôr, a consciência dá início a um processo real, exatamente o processo teleológico (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 20). O processo teleológico articula o campo das causalidades espontâneas presentes na natureza com a definição da finalidade por parte do indivíduo, combinando o automovimento destas causalidades com as motivações dos indivíduos. A causalidade natural mediada pelo pôr teleológico se constitui em causalidade posta, isto é, em natureza mediada socialmente. Suas características naturais são ao mesmo tempo preservadas e transformadas pelo trabalho. O trabalho como mediador entre a sociedade e a natureza não suprime as legalidades desta, ao contrário, partindo destas legalidades explora as possibilidades de ação e de sua transformação continuamente mais ampliadas, dando origem a processos novos, tanto no âmbito social quanto na natureza, sem, contudo eliminar o caráter causal desta.

O pôr teleológico se constitui num momento exclusivo do trabalho, presente apenas no ser social. Tal aspecto implica também na diferenciação com determinadas reflexões filosóficas que, de forma consciente ou inconsciente, admitem o caráter teleológico em outras esferas de ser ou na própria história. Neste sentido, Lukács é categórico: “em conseqüência, (sic) conceber teleologicamente a natureza e a história implica não somente em que estas têm um fim, estão voltadas para um objetivo, mas também que a sua existência e o seu movimento no conjunto e nos detalhes devem ter um autor consciente” (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 20).

A existência da teleologia restrita ao trabalho na imediaticidade não converte o desenvolvimento do ser social em um desenvolvimento teleológico. Ao contrário, este desenvolvimento permanece tendencial, pois a relação entre teleologia e causalidade não anula o automovimento presente nas causalidades. Por mais amplo e intensivo que seja o conhecimento humano destas causalidades, elas não perdem o seu caráter espontâneo. Em face disto é essencial reafirmar que no âmbito da totalidade social não opera nenhum determinismo, ao contrário, seu desenvolvimento é fruto de interações contraditórias dos distintos complexos do ser social.

Lukács evidencia que para Marx, “o trabalho não é uma das muitas formas fenomênicas da teleologia em geral, mas o único lugar onde se pode demonstrar ontologicamente a presença de um verdadeiro pôr teleológico como momento efetivo da realidade material” (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 22). Esta restrição da teleologia ao trabalho (práxis humana) de maneira alguma altera a sua relevância e o seu significado:

Sua importância se torna tanto maior quanto mais se toma consciência de que o mais alto grau do ser que conhecemos, o social, se constitui como grau específico, se eleva a partir do grau em que está baseada a sua existência, o da vida orgânica, e se torna uma nova espécie autônoma de ser somente porque há nele este operar real do ato teleológico. Só é lícito falar do ser social quando se compreende que a sua gênese, o seu distinguir-se da sua própria base, o processo de tornar-se algo autônomo, se baseiam no trabalho, isto é, na continuada realização de posições teleológicas (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 24).

O trabalho converte a causalidade espontânea da natureza em causalidade posta. Esta interação entre teleologia e causalidade efetiva- se numa determinação reflexiva, onde a “busca dos meios para realizar o fim não pode deixar de implicar um conhecimento objetivo do sistema causal dos objetos e dos processos cujo movimento pode levar a alcançar o fim posto” (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 25). Na medida em que o ser social vai se apropriando das leis causais da natureza, adquire consciência dos processos e movimentos da natureza em si, amplia o seu horizonte de possibilidades em estabelecer um fim e com que meios realizar este fim. Portanto, a identidade de identidade e não

identidade entre teleologia e causalidade desenvolve continuamente – de forma contraditória e unitária – os dois pólos da relação em que a causalidade espontânea da natureza passa a ser posta, incorpora a finalidade do pôr teleológico e, por outro lado, conforme as condições naturais vão sendo transformadas, as possibilidades de objetivação das posições teleológicas ampliam-se. Sendo assim, a consciência dos indivíduos que reflete sobre as causalidades espontâneas da natureza, ou sobre as causalidades teleologicamente posta, implica numa ampliação intensiva e extensivamente dos meios de realizar o trabalho. De tal maneira que a busca de meios

...tem uma dupla função: de um lado evidenciar aquilo que em si mesmo governa os objetos em questão independentemente de toda consciência; de outro lado, descobrir neles aquelas novas conexões, aquelas novas possíveis funções que, quando postas em movimento, tornam efetível o fim teleologicamente posto. No ser-em-si da pedra não há nenhuma intenção, e até nem sequer um indício da possibilidade de ser usada como faca ou como machado. Ela só pode adquirir uma tal função de instrumento quando suas propriedades objetivamente presentes, existentes em si mesmas, sejam adequadas para entrar numa combinação tal que torne isto possível (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 26).

Uma das relevantes consequências desta relação entre teleologia e causalidade, em especial na busca “dos objetos e processos naturais que precede a posição da causalidade na criação dos meios é constituída essencialmente por atos cognitivos reais, ainda que não haja, no decorrer, consciência expressa, e deste modo traz em si o início, a gênese da ciência” (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 31).

A consciência dos indivíduos sobre as propriedades causais presentes na natureza desdobra-se no processo de adequação dos meios aos fins teleologicamente postos, de tal maneira que a identificação dos meios constitui-se em um momento essencial para a concretização adequada dos fins. Com isto, o desenvolvimento adequado do reflexo das causalidades no âmbito da consciência dos indivíduos possibilita uma ampliação intensiva e extensiva da produtividade social do trabalho. Esta ampliação das possibilidades de realização do pôr teleológico mediado pelo conhecimento adequado da realidade

transforma não apenas o objeto do trabalho em causalidade posta, mas também desenvolve um sujeito próprio para a realização deste trabalho. Neste sentido, na mediação entre a natureza e a sociedade, não apenas a natureza é transformada, mas a própria sociedade é um resultado da realização do pôr teleológico.

Com o aumento da sociabilidade do ser social, as posições teleológicas individuais passam a ter como forma hegemônica, não a mera causalidade espontânea da natureza, mas sim a causalidade posta. Assim, as posições teleológicas de um indivíduo são para outro o ponto de partida das suas posições teleológicas, ou seja, a própria mediação com a natureza vai se constituindo cada vez mais social.

A ampliação intensiva e extensiva das posições teleológicas expressas num processo contínuo de divisão social do trabalho origina diferentes complexos integrantes da totalidade social. Estes complexos parciais se efetivam na imediaticidade das posições teleológicas individuais, e a interação contraditória destes complexos constitui a totalidade social. Com o aumento da produtividade social do trabalho ampliam-se as possibilidades de mediação entre a sociedade e a natureza. Esta ampliação de possibilidades adquire uma figura peculiar que é a divisão social do trabalho. Ou seja, à medida que a produtividade social do trabalho se intensifica vão surgindo novos campos de atuação e de mediação com a natureza que não eram possíveis em fases de desenvolvimento anteriores. Com este processo de divisão social do trabalho surgem determinadas atividades que não têm como elemento imediato de seu pôr teleológico, a natureza, isto é, surgem possibilidades de pôr teleológico dirigidas essencialmente à própria sociedade (como por exemplo, o complexo jurídico). Este novo pôr teleológico se distingue daquele que tem como elemento essencial de sua mediação, a natureza, pois seu objeto não está submetido às causalidades naturais. Ao contrário, este pôr teleológico tem como finalidade induzir aos outros indivíduos que se conduzam de determinada maneira ou que realizem determinado pôr teleológico.

1.4. TELEOLOGIA PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA: ENTRE A