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TELEOLOGIA E PRÁXIS: A SUBJETIVIDADE E OBJETIVIDADE DO TRABALHO

CAPITULO I AS ESFERAS ONTOLÓGICAS E A GÊNESE DO SER SOCIAL.

1.2. TELEOLOGIA E PRÁXIS: A SUBJETIVIDADE E OBJETIVIDADE DO TRABALHO

O que distingue o trabalho das demais atividades dos animais superiores é exatamente o caráter teleológico que intervém na ação humana. A objetivação do trabalho – na mediação com a natureza – exige a capacidade de antecipação na mente humana dos atos de modificação da natureza para a satisfação das necessidades humanas. Esta antecipação dos atos no âmbito da consciência, portanto no âmbito subjetivo, é o pensamento teleológico, ou seja, o estabelecimento de um fim a ser efetivado pela práxis. Este processo de antecipação dos atos, antes de sua objetivação na práxis, tem como elemento essencial de sua constituição, o reflexo da realidade na consciência dos indivíduos. Este reflexo da realidade constitui de forma consciente ou inconsciente, a base sobre a qual será estabelecida a finalidade do agir humano, que se concretizará através da práxis. Assim, fica evidente que o reflexo da realidade na consciência humana será a base das posições teleológicas que se constituirão em objetivações. Ou seja, a prévia ideação no âmbito subjetivo constitui-se num momento decisivo para a transformação da realidade.

A capacidade de trabalhar distingue-se de toda a esfera da natureza porque nela está presente o pôr teleológico, a prévia ideação de uma finalidade que é posta em prática pelo ser humano (práxis). Esta possibilidade de antecipar idealmente seus atos, escolher alternativas diante da realidade concreta e verificar a sua adequação aos fins teleologicamente postos constitui-se na gênese do ser social, no qual o trabalho é a unidade entre o pôr teleológico e a práxis; elementos distintos (um não é idêntico ao outro) que estão fundidos no trabalho.

O fato simples de que no trabalho se realiza um pôr teleológico é uma experiência elementar da vida cotidiana de todos os homens, tornando-se isto um componente ineliminável de qualquer

pensamento; desde os discursos cotidianos até a economia e a filosofia. Nesta altura a questão não é tomar partido pró ou contra o caráter teleológico do trabalho, antes, o verdadeiro problema consiste em submeter a um exame ontológico autenticamente crítico a generalização quase ilimitada – e novamente: desde a cotidianidade até ao mito, a religião e a filosofia – deste fato elementar (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 19). Lukács destaca que o caráter do pôr teleológico tem sua existência exclusiva no trabalho, discorda da existência de uma teleologia no âmbito da natureza ou em uma ordem cósmica ou religiosa. O pôr teleológico só existe no trabalho e é restrito ao seu âmbito dentro do ser social. Por esta razão é que o processo de desenvolvimento da totalidade social só pode ser compreendido em termos tendenciais, pois o desenvolvimento da totalidade envolve um conjunto de consequências do trabalho que não são possíveis de serem previamente determinados16. Neste sentido, deve ser excluída qualquer teleologia no âmbito do desenvolvimento da totalidade social, ao mesmo tempo em que o seu entendimento só é possível a partir do pôr teleológico na imediaticidade do trabalho.

O desenvolvimento da consciência da existência da totalidade social e de suas tendências, não cria nenhuma possibilidade de uma teleologia para além do trabalho na imediaticidade. Neste sentido, se reafirma que o reflexo da realidade na consciência do indivíduo é algo distinto da própria realidade. Por mais consciência que se tenha do caráter tendencial do desenvolvimento da totalidade social, o pôr teleológico se restringe a um campo delimitado da imediaticidade, e apresenta suas consequências no âmbito do desenvolvimento do ser social à medida que se integra à totalidade, mas não constitui em uma finalidade desta totalidade.

Um dos desdobramentos relevantes do trabalho é que este pressupõe que a consciência dos indivíduos adquira um caráter de

16 É importante destacar que esta relação contraditória entre o pôr teleológico individual e o

desenvolvimento tendencial da totalidade social tem como consequência a eliminação de qualquer determinismo no âmbito da totalidade social. Por mais adequada e consciente que seja o pôr teleológico dos indivíduos diante do desenvolvimento tendencial da totalidade social, esta teleologia é exclusiva ao âmbito do trabalho, suas conseqüências (sic) sociais vão além da finalidade posta e se desdobram, extensiva e intensivamente, em novas alternativas para o pôr teleológico, sem jamais se constituírem em uma teleologia da totalidade social, isto é, na inexistência de um sujeito para esta totalidade social.

reflexo da realidade. O fato de o reflexo ser algo distinto da realidade implica no estabelecimento da diferenciação entre sujeito e objeto. Pois, à medida que a consciência sobre determinada “realidade” não pode ser confundida com a própria realidade, o sujeito se afasta da realidade tendo como referência o seu reflexo17.

No reflexo da realidade como premissa da presença de fim e meio no trabalho, se realiza uma separação, um afastamento do homem do seu ambiente, uma tomada de distância que se manifesta claramente no confrontamento mútuo entre sujeito e objeto. No reflexo da realidade a reprodução se destaca da realidade reproduzida, coagulando-se numa “realidade” própria da consciência. Pusemos entre aspas a palavra realidade, porque, na consciência, ela é apenas reproduzida; nasce uma nova forma de objetividade, mas não uma realidade, e – exatamente em sentido ontológico – não é possível que a reprodução seja da mesma natureza daquilo que ela reproduz e muito menos idêntica a ela. Pelo contrário, no plano ontológico o ser social se subdivide em dois momentos heterogêneos, que do ponto de vista do ser não só estão defronte um ao outro como coisas heterogêneas, mas são até mesmo opostas: o ser e o seu reflexo na consciência (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 38) (Grifo nosso).

Esta distinção fundamental entre a realidade e seu reflexo na consciência, a partir da relação entre teleologia e práxis – presente no trabalho – é outra característica exclusiva do ser social. A base ontológica da distinção entre sujeito e objeto se fundamenta no caráter diferenciado da objetividade da realidade refletida em relação à objetividade do ser-precisamente-assim18. Contudo, realidade e seu reflexo constituem-se em momentos heterogêneos do pôr teleológico.

17 Evidentemente todo distanciamento ou aproximação entre sujeito e objeto não deve ser

submetido a uma polarização dogmatizante. Na medida em que o ser social vai se desenvolvendo o campo do conhecido torna-se continuamente mais amplo, porém sem jamais eliminar esta diferenciação entre a realidade e o seu reflexo na consciência dos indivíduos.

18 O ser-precisamente-assim da realidade é o resultado de uma indivisível e contraditória

unidade dialética, que se expressa em um momento histórico determinado. É a objetividade exterior ao indivíduo, independente de sua consciência.

No trabalho, o reflexo da realidade é o pressuposto para o estabelecimento dos meios e fins a serem objetivados. Trata-se do processo em que a objetividade do reflexo dá origem a novas formas de objetividade exteriores aos indivíduos. Estas objetividades serão os pressupostos para novas posições teleológicas, ou seja, o trabalho terá como objeto causalidades postas anteriormente. Neste sentido, o reflexo da realidade

por um lado, é o exato oposto de qualquer ser, precisamente porque ele é reflexo e não ser; por outro lado e ao mesmo tempo, é o meio através do qual surgem novas objetividades no ser social, por meio do qual se realiza a sua reprodução no mesmo nível ou em um nível mais alto. Deste modo, a consciência que reflete a realidade adquire um certo caráter de possibilidade (LUKÁCS, 1981. L. 2. Vol. 01, p. 39).

A objetividade do reflexo permite ao indivíduo antecipar os meios necessários para a realização do pôr teleológico, escolhendo entre as alternativas, aquela que julga mais adequada aos seus objetivos. Este caráter de possibilidade presente no reflexo é essencial para o desenvolvimento de novas objetividades através do trabalho, imprimindo às legalidades causais da natureza algo de radicalmente novo, o caráter de causalidade posta teleologicamente.

Os desdobramentos da relação entre teleologia e causalidade sobre o desenvolvimento do ser social se efetivam de forma contínua na ampliação intensiva e extensiva das possibilidades do pôr teleológico. Neste sentido, o entendimento sobre as legalidades causais – presentes nas distintas esferas ontológicas – é essencial para o desenvolvimento adequado do trabalho aos fins humanamente estabelecidos.

1.3. TELEOLOGIA E CAUSALIDADE ESPONTÂNEA DA