• Nenhum resultado encontrado

Parte I Enquadramento Teórico

3.1 Determinantes da Segurança Alimentar

Tratando-se de um constructo abrangente e de natureza multidimensional, a SA sofre influência de diversos factores, os quais interagem entre si de forma complexa. De facto, uma variedade de agentes contribuidores podem causar ou mesmo perpetuar a IA (Lindberg, Lawrence, Gold, Friel, & Pegram, 2015). As políticas públicas de saúde e de apoio e protecção social assumem um lugar de destaque nesta temática, particularmente em populações vulneráveis como a população idosa. Dada a natureza diversa dos determinantes do estado nutricional das populações e os diferentes níveis sociais (macro, meso e micro) nos quais influem, a garantia da SA deverá necessariamente envolver aspectos das ciências naturais e das ciências sociais (Figura 5). Considerar o fenómeno da IA nos três níveis apresentados permite descortinar as causas básicas e as suas inter- relações e assim providenciar a identificação de indicadores referentes aos diversos determinantes de IA nas diferentes esferas.

Figura 5 - Determinantes múltiplos e intersectoriais associados à Segurança Alimentar e que se afectam entre si (adaptado de Kepple & Segall-Corrêa, 2011).

Macro( glocal e nacional)

Sistema político e económico mundial Políticas económicas e socais Politicas agrícolas e ambientais Reconhecimento da alimentação como direito

humano

Meso (regional e local) Preço dos alimentos

Custo de vida Emprego Discriminação Rede de apoio social Porgramas asssitenciais

Serviços de saúde e de educação Cultura alimentar Saneamento básico

Micro (domicílio e individual) Escolaridade Perfil demográfico Saúde Educação alimentar Hábitos alimentares Estabilidade financeira Emprego Programas de assistência Rede social

A implementação de políticas, isto é, um conjunto de acções e estratégias planeadas de modo a garantir a oferta e o acesso aos alimentos a toda a população, requer a participação e a articulação de entidades do governo e da sociedade civil, nos seus diferentes sectores - saúde, educação, agricultura, trabalho, meio ambiente- que permitam de forma sustentável e organizada a manutenção da segurança alimentar ao longo do tempo. A evidência indica que as políticas devem corresponder totalmente aos determinantes sociais de saúde e às múltiplas iniquidades relacionadas com a pobreza, género, idade, mobilidade, incapacidade, localização, cultura e estratégias de coping (Papan & Clow, 2015). A intersectoridade é um dos princípios primordiais destas políticas, pois são as acções coordenadas, conjuntas e articuladas entre as diferentes áreas de produção, de comercialização, do controlo da qualidade e do consumo que ditam a sua efectividade. O sucesso das mesmas é antagónico à acção isolada do Estado e da Sociedade. O crescimento económico é, de igual modo, um factor-chave para a redução efectiva da desnutrição e da fome. Contudo, tem de ser inclusiva e providenciar oportunidades para melhorar as condições de vida das pessoas mais pobres, nomeadamente aumentando a produtividade e rendimentos das famílias dos pequenos produtores (FAO, IFAD, & WFP., 2015).

A produção agro-alimentar deve, assim, ser integrada e considerar também a cultura, os aspectos socioeconómicos e ambientais. Em suma, a promoção de uma agricultura sustentável de ocupação do espaço agrário, que valorize as culturas alimentares locais e regionais e apoie os pequenos e médios produtores de alimentos promove a equidade de acesso e a inclusão social, para além de potenciar uma forma mais diversificada da oferta alimentar de qualidade à população.

A equidade afigura-se como uma das premissas básicas de uma política de Segurança Alimentar, uma vez que as desigualdades económicas são factores determinantes das situações de IA. As dificuldades decorrentes das condições socioeconómicas, coexistentes em situações de IA podem comprometer uma alimentação adequada e a saúde das populações, em particular dos grupos de maior risco nutricional. As repercussões da pobreza e das desigualdades sociais ultrapassam o acesso a uma alimentação adequada. A existência de desigualdades sociais e de acesso à saúde verificam-se e são características de ordem biológica, social, económica e geográfica (Murray, Gakidou, & Frenk, 1999) e que afecta a forma como a população vive e a consequente probabilidade de desenvolvimento de doenças intimamente relacionadas com os diferentes graus de desfavorecimento a nível social. Estas desigualdades surgem devido às circunstâncias em que as populações crescem, vivem, trabalham e

Pobreza Insegurança Alimentar Fome e Malnutrição Baixo desenvolvimento cognitivo e físico Problemas de saude Baixa Produtividade Aumento dos custos em saúde

envelhecem, bem como devido aos sistemas e políticas implementadas (Burity et al., 2010).

As diferenças no estado de saúde dos vários grupos populacionais estão associadas aos factores socioeconómicos e aos factores comportamentais como o estilo de vida e o acesso a cuidados de saúde (Burity et al., 2010). A pobreza e os baixos níveis de escolaridade, com as restrições económicas inerentes, reflectem-se nas dificuldades no acesso à alimentação e cuidados de saúde (Burity et al., 2010).

A IA pode ser causa mas também uma consequência para o aparecimento de doenças crónicas e pobreza (Lindberg et al., 2015). Assim, afigura-se importante compreender os conceitos e como se relacionam (FAO, 2008), uma vez que são fenómenos intimamente relacionados (Figura 6).

A pobreza é uma causa de fome e malnutrição e o rendimento é claramente um dos determinantes mais importantes da IA e da fome (Rose, 1999). Porém, a pobreza pode não ser um indicador muito sensível, uma vez que muitos agregados familiares que não se encontram em situação de pobreza são inseguros (Rose, 1999).

Os determinantes individuais que condicionam a adequação nutricional e o acesso físico e económico à alimentação são de uma importância vital para a problemática da IA. As redes de apoio social, das quais fazem parte as Instituições de solidariedade social e outras entidades responsáveis pelo fornecimento de refeições, como os CD e os Serviços de Apoio ao Domicílio (SAD), surgem nesta perspectiva, como importantes promotores

Figura 6 - Insegurança Alimentar, pobreza e malnutrição: ciclo interdependente.

um lado permitem o acesso à alimentação, por outro funcionam como elementos de combate ao isolamento social. De igual modo, os Familiares e os Amigos (isto é, a rede de apoio informal) representam formas essenciais de garantia da SA, quando o próprio não é auto-suficiente.

As preferências individuais, que condicionam grandemente o comportamento de consumo alimentar, expressam-se em diferentes padrões alimentares individuais e/ou familiares, os quais resultam da conjugação de formas de preparação e confecção de alimentos e das normas e crenças sociais e culturais com as condições socioeconómicas. Ainda no que respeita aos determinantes individuais, a literacia em matéria da alimentação e da saúde determina o consumo alimentar.

A malnutrição pode manifestar-se por desnutrição ou por obesidade (Ihab, Rohana, & Manan, 2015). A fome e a desnutrição são as formas mais gravosas da manifestação da IA (WHO, 2006), particularmente preocupante nos principais grupos de risco: população com baixos rendimentos e idosos (Ihab et al., 2015; Pinto, 2008).

Os factores individuais de cada ser humano, os recursos naturais, os sistemas económicos e os factores políticos e ideológicos são reconhecidos como causas básicas que dão um contributo significativo para o desenvolvimento da malnutrição (Gross, Schoeneberger, & Pfeifer, 2000). O estado nutricional é o resultado da ingestão alimentar e do estado de saúde. Um mau estado de saúde pode ser devido parcialmente ao acesso insuficiente aos cuidados de saúde, habitação sem condições e condições ambientais, e é possivelmente agravado pela malnutrição, a qual predispõe o indivíduo a doenças (Esquema 1).

Esquema 1 - Modelo causal entre o estado nutricional e os determinantes ecológicos ao nível dos agregados familiares (Adaptado de Gross, Schoeneberger, & Pfeifer, 2000).

Estado Nutricional Ingestão Alimentar Disponibilidade alimentar IA Produção Compra Doação Capacidade de cuidar Saúde Serviços de saúde Condições Ambientais

Com base no esquema que se segue (Esquema 2), as causas imediatas afectam o indivíduo, por sua vez as causas intermédias afectam os agregados familiares e a comunidade, e por fim as causas básicas afectam a estrutura da sociedade. O acesso imediato aos alimentos, o bom estado de saúde e um ambiente salutar podem não ser suficientes na garantia de um estado nutricional óptimo. A falta de cuidados de saúde e outros serviços apropriados para as famílias e para as comunidades é também um elemento necessário para o desenvolvimento da malnutrição. Apraz referir que a malnutrição devido a circunstâncias do foro social e a aspectos ambientais (como pobreza ou neglicência) tem a sua resolução, embora que lenta, no retomar do consumo alimentar variado, equilibrado e completo, e consequente aporte nutricional adequado (ASPEN, 2012).

Malnutrição

Acesso inadequado aos

alimentos Cuidados inadequados

Ambiente e cuidados de saúde insuficientes Ingestão alimentar

inadequada Doença

Factores ideológicos e políticos Estrutura Económica Recursos humanos, económicos e

organizacionais Manifestação Causas imediatas Causas intermédias Educação Causas Básicas

Desenvolvido pela UNICEF em 1991, este modelo relaciona os factores causais da malnutrição com os diferentes níveis socio-organizacionais. A malnutrição resulta de um aporte nutricional inadequado e de um mau estado de saúde, sendo estes dois factores causas imediatas de malnutrição- desnutrição ou excesso ponderal/obesidade (Gross, Schoeneberger, & Pfeifer, 2000)

Em face do exposto e à guisa de conclusão, a SA é um fenómeno revestido de uma grande complexidade, que se manifesta por inúmeras condições com múltiplas causas (FAO, IFAD, & WFP., 2015), conforme a Figura 7 evidencia. Constata-se, assim, a existência de determinantes intersectoriais em três níveis: nível mundial (macro), a comunidade (meso) e familiar e individual (micro), interagindo e afectando-se entre si (Kepple & Segall-Corrêa, 2011). Esta dinâmica demonstra que a abordagem ao fenómeno da IA não poderá ser menos do que interdisciplinar.

Figura 7 - Determinantes da Segurança Alimentar (adaptado de M. J. B. Gregório, 2014).

Disponibilidade de alimentos •Políticas Públicas •Produção e indústria Alimentar •Sistemas de distribuição •Rede de apoio social Acesso físico

e económico

• Políticas Públicas

• Produção e indústria Alimentar • Sistemas de distribuição • Redes de apoio social • Marketing e publicidade • Factores individuais Estabilidade e sustentabilidade •Políticas Públicas •Produção e indústria Alimentar •Sistemas de distribuição

Segurança

Alimentar