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Fundamentos da avaliação da Insegurança Alimentar

Parte I Enquadramento Teórico

3.2 Fundamentos da avaliação da Insegurança Alimentar

A avaliação da IA permite caracterizar e monitorizar a SA, ajudando a compreender este aspecto básico do bem-estar da população e a identificar subgrupos populacionais ou regionais que vivem em condições desfavorecidas (Bickel, Nord, Price, Hamilton, & Cook, 2000).

Dada a complexidade do constructo, poderá ser necessário um conjunto de instrumentos para avaliar e monitorizar as diversas dimensões do conceito (Ballard, Kepple, & Cafiero, 2013). Cada método gera um tipo diferente de indicador com diferentes desafios para a sua aplicação, análise e interpretação. Existem diversos métodos de avaliação do fenómeno da IA, cada um com particularidades e uma óptica muito própria, pelo que se tornam complementares. Alguns métodos avaliam a IA ao nível populacional, enquanto outros dirigem a sua avaliação ao nível do indivíduo ou ao nível do agregado (Galesi, Quesada, & Oliveira, 2009). A avaliação de ingestão alimentar, a avaliação antropometria e estado de saúde de indivíduos e a aplicação de escalas para avaliar a IA são métodos que devem ser frequentemente aplicados às populações, e quanto maior o número de ferramentas aplicadas, maior o número de aspectos analisados e por conseguinte, mais completa e rigorosa se torna a avaliação e respetiva classificação de possível IA.

O método de estimativa da quantidade de energia (Kcal/kJ) disponível por habitante de um país, baseia-se em alimentos e em pesquisas de orçamentos domésticos, com recurso a informações nacionais sobre stocks, produção, importação e exportação e desperdício alimentar. Contudo, os países precisam de ter disponíveis dados sobre o total de energia (Kcal/kJ) e a população do ano a analisar, a ingestão energética média, o coeficiente de variação da ingestão e o valor de referência que estabelece a necessidade energética mínima per capita. Este método de baixo custo, permite comparações entre países e possibilita a análise das tendências da disponibilidade energética ao longo do tempo. Contudo, estas informações podem ser imprecisas. Entre as desvantagens encontram-se o facto de não avaliar o acesso aos alimentos ou a qualidade da alimentação, bem como coloca enfase no consumo médio energético e não na sua distribuição ao longo do dia, classificando como segurança alimentar o consumo energético acima das necessidades mínimas. Desta forma, os consumos médios não não correspondem ao consumo individual. Portanto e, exemplificando, podem existir indivíduos a consumir 3000kcal e indivíduos a ingerir 500kcal e assim assumir-se que o consumo energético está acima das necessidades mínimas. Por outro lado, não é

existem períodos do dia em que não há qualquer ingestão energética, ficando esta concentrada numa ou em mais refeições possíveis de realizar. Desta forma, apesar de, em média a população ser classificada como segura, pode não corresponde à realidade. Acresce ainda que não permite identificar grupos vulneráreis à IA (Pérez-Escamilla & Segall-Correa, 2008; Segall-Corrêa, 2007).

As Pesquisas de Orçamentos Domésticos (POD) são também usadas para avaliar a ingestão e são baseadas em entrevistas ao nível do domicílio. São recolhidas através de um dos membros do agregado familiar informações sobre o rendimento, preços e quantidades de alimentos, incluindo os de produção própria. Apontam-se como vantagens a possibilidade de realizar avaliações da adequação da energia proveniente de alimentos ao nível dos domicílios, da variedade alimentar e dos gastos com a alimentação face ao rendimento, o que possibilita identificar os agregados em situação de IA. Ao referir-se à ingestão per capita da família exige a motivação e colaboração de cada morador para investigar/indicar a sua ingestão de alimentos, o que constitui uma limitação deste método. Também a dificuldade em estimar a quantidade de alimento consumido fora da casa se afigura como desvantagem. A padronização metodológica entre países, o reduzido número de países que o aplicam anualmente, para além do elevado custo que a aplicação deste método requer e o investimento em colaboradores de diversas áreas, torna difícil a sua aplicação nacional anualmente. Por fim, a conversão dos alimentos disponíveis em energia ingerida envolve uma grande margem de erro (Pérez-Escamilla & Segall-Correa, 2008).

A Avaliação do Consumo Dietético Individual (ACDI) constitui mais um método para avaliação da IA e permite analisar o consumo alimentar actual, a quantidade e qualidade da alimentação e desta forma identificar agregados familiares e indivíduos em risco. Para o efeito, podem ser utilizados diferentes métodos para avaliar a ingestão alimentar, tais como o questionário de frequência alimentar (QFA), inquérito às 24 horas anteriores ou o diário alimentar. Contudo, o sucesso da aplicação destes instrumentos depende da memória do entrevistado, e está sujeito à alta variabilidade intrapessoal na ingestão de alimentos/nutrientes. De igual modo, a dificuldade para estimar o tamanho das porções, a omissão de alimentos, a incerteza dos requerimentos humanos de alguns nutrientes e do conteúdo encontrado nas tabelas de composição de alimentos são apontados como desvantagens.

A avaliação antropométrica é importante, uma vez que os dados antropométricos são indicadores directos do estado nutricional. Todavia, no que respeita à avaliação da IA, a sua intervenção é indirecta e muito limitada na avaliação desta problemática (Galesi et al., 2009), uma vez que indivíduos inseguros podem apresentar parâmetros

antropométricos dentro da normalidade ou mesmo em situações em que a restrição energética não se verifica, a qualidade nutricional da alimentação pode estar comprometida (Pérez-Escamilla & Segall-Correa, 2008).

As medidas antropométricas fornecem informações valiosas sobre o estado nutricional dos indivíduos, mas requerem um nível de especialização relativamente sofisticado para recolher e analisar os dados obtidos. Devido à complexa relação entre a SA e o baixo peso, bem como o excesso de peso, a utilidade das medidas antropométricas como indicadores indirectos da segurança alimentar dos agregados familiares é questionável (Adams, Grummer-strawn, & Chavez, 2003; E. A. Frongillo, 2003).

A evolução do conceito da IA levou a importantes avanços no desenvolvimento de escalas que avaliam a percepção e a experiência do indivíduo inseguro.

A US Household Food Insecurity Survey Module (US HFSSM), aplicada anualmente nos Estados Unidos desde 1995, serviu de modelo para outras escalas baseadas na experiência do próprio em diversos países (Ballard et al., 2013), a qual em conjunto com a The Household Food Insecurity Scale e a Caribbean Food Security Scale originou a Food Insecurity Experience Scale (FIES).

A FIES representou uma mudança significativa na abordagem à avaliação da IA comparativamente com os tradicionais métodos indirectos, uma vez que representa uma avaliação directa da experiência da IA, seja através de determinantes, como a disponibilidade alimentar, seja através das consequências, como as medidas antropométricas e outros sinais de malnutrição.

A FIES, desenvolvida pelo projeto Voices of the Hungry (VoH), é uma métrica baseada na experiência da gravidade da IA que depende das respostas directas das pessoas, que consiste em oito perguntas sobre o acesso das pessoas a alimentos adequados. Difere das abordagens tradicionais que avaliam indirectamente esta problemática, como a Prevalência da Subnutrição da FAO, as medidas de determinantes da segurança alimentar (como a disponibilidade ou a renda dos alimentos) e os resultados potenciais (como o estado nutricional), podendo ser usada para complementar dados antropométricos e identificar potenciais populações vulneráveis antes que a desnutrição se torne manifesta.

A presente escala questiona directamente ao participante se teve de comprometer a quantidade e qualidade alimentar devido a recursos económicos limitados ou por falta de

seguro, se responder negativamente a todas as questões, ou inseguro. Se identificada a insegurança, esta é dividida em IA ligeira, moderada e severa. Inclui desde a preocupação de que a comida possa acabar até a vivência de passar um dia todo sem comer. Quando não há nenhuma resposta positiva, a família é classificada em situação de segurança alimentar e a classificação da IA em diferentes gradientes corresponde a patamares diferenciados da soma dos pontos obtidos no questionário.

A FIES complementa o conjunto existente de indicadores de segurança alimentar. Usado em combinação com outras medidas, a FIES tem potencial para contribuir para uma compreensão mais abrangente das causas e consequências da IA e para fornecer informações para desenvolvimento de políticas e intervenções mais eficazes. Uma vez que a FIES é fácil de utilizar para profissionais e instituições de qualquer sector, a sua inclusão em diversos tipos de inquéritos pode ajudar a reforçar as ligações entre diferentes perspectivas sectoriais, por exemplo, entre agricultura, protecção social, saúde e nutrição.

As escalas de IA baseadas na experiência, como a FIES, representam um método simples, de rápida aplicação e menos dispendioso para medir a dimensão do fenómeno com base nos dados recolhidos a nível familiar ou individual. Mas não fornecem informações específicas sobre o consumo real de alimentos, a qualidade da alimentação e os gastos com a mesma, como os inquéritos às despesas das famílias e os inquéritos individuais sobre a ingestão de alimentos, mas centram-se mais amplamente nos comportamentos de consumo alimentar associados à experiência de IA devido ao acesso limitado aos alimentos. Por conseguinte, não devem ser vistos como substitutos, mas sim como complementos de outras medidas importantes (Ballard, Kepple, & Cafiero, 2013).