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2.3. Turismo acessível na perspetiva da procura

2.3.2. O processo de tomada de decisão

2.3.2.1. Determinantes e influências

A tomada de decisão em turismo tem sido amplamente estudada, sendo muitos e diversificados os modelos encontrados, na bibliografia científica, para explicar este fenómeno. Na sua maioria, estes modelos entendem esta tomada de decisão como um processo, durante o qual o turista passa, sequencialmente, por diferentes fases em que vai tomando decisões sobre diferentes aspetos da viagem (Decrop, 2006). Este é um processo complexo que tem início com a decisão genérica de viajar ou não viajar, a partir da qual vão sendo tidos em consideração diferentes elementos do produto turístico compósito (onde ir, quando, com quem, quanto tempo, o que fazer, onde ficar, o que ver, etc.). A premissa básica destes modelos é a existência de motivação, a partir do qual se despoleta este processo (Dann, 1977; Mathieson & Wall, 1982; Middleton, 1994), estando intrinsecamente associada aos fatores push (contexto interno do indivíduo) e fatores pull (atributos do destino).

Não cabendo, nesta investigação, uma análise detalhada sobre as teorias e modelos de tomada de decisão em turismo, interessa-nos, sobretudo, beber das suas premissas básicas para, posteriormente, as incorporar num contexto específico, que nos permita explicar o processo de tomada de decisão por parte dos turistas com incapacidade.

À semelhança do que acontece com outros consumidores, a decisão de viajar é influenciada por um vasto conjunto de variáveis, entre os quais se destaca o ambiente social do indivíduo, que, no caso das pessoas com incapacidade, assume um papel mais determinante, na medida em que dependem muito mais dele. O estudo de Blichfeldt & Nicolaisen (2011) constitui, neste domínio, um valioso contributo para a compreensão desta questão. Ao procurar perceber os fatores que influenciam este processo, o autor chama a atenção para o facto de estes consumidores não agirem como consumidores

Capítulo 2:Turismo Acessível: O Estado da Arte

53 individuais. Comportam-se, antes, como membros de uma unidade de tomada de decisão de viagem em grupo12, em que a influência da componente da família nuclear é determinante, na medida em que existe uma maior dependência psicológica e física, em alguns casos, impeditiva.

Os estudos publicados sobre o processo de tomada de decisão dos turistas com incapacidade (ex: Burnett & Baker, 2001; Daniels et al., 2005; Darcy, 1998, 2002; Israeli, 2002; McKercher et al., 2003; Murray & Sproats, 1990; Ray & Ryder, 2003; Shaw & Coles, 2004; Smith, 1987; Turco et al., 1998; Yau et al., 2004) apontam para a necessidade de uma fase de planeamento da viagem muito mais demorada, onde se procura minimizar a incerteza associada à viagem e a ocorrência de problemas através de um processo de pesquisa de informação rigorosa e detalhada sobre os diferentes serviços envolvidos, incluindo a disponibilidade de assistentes de viagem.

O estudo realizado por Neumann & Reuber (2004) conclui que os fatores mais importantes para a escolha de um destino são, por ordem decrescente de importância, o alojamento, a existência e disponibilidade de meios adequados, que lhes permita a livre movimentação, a disponibilidade de excursões e de facilidades de lazer, a existência de atividades culturais e a receção e facilidade de comunicação. De uma forma geral, as condições de acessibilidade dos diferentes serviços são muito valorizadas na escolha de um destino. Mas há, também, necessidades diversificadas que requerem a disponibilidade de serviços de apoio a pessoas com incapacidade (atividades de vida diária, aluguer de carros, equipamentos específicos) ou da existência de equipamentos e serviços de saúde.

Israeli (2002) apresentou um método de classificar e valorizar os atributos dos sítios turísticos, utilizando um questionário relativo aos fatores de acessibilidade dos locais turísticos. Os resultados deste estudo exploratório sugeriram que, num contexto não compensatório, a não existência de um fator considerado importante pode gerar uma decisão de não visitar o local, independentemente de outros fatores que possam lá existir. Neste sentido, o autor defende o desenvolvimento de iniciativas operacionais e de marketing para, em primeiro lugar, aumentar a acessibilidade dos locais e, posteriormente, promover os melhoramentos necessários.

Tal equivale a dizer que os turistas com deficiências usam um processo de tomada de decisão diferente dos outros turistas, quando avaliam um sítio turístico. Para a maioria dos turistas, existe um certo trade-off, em que a ausência ou um nível mais baixo de um atributo pode ser compensado por um acréscimo de outro atributo. No entanto, para visitantes com deficiências, os atributos da acessibilidade raramente podem ser compensados por um acréscimo noutro atributo (Israeli, 2002).

Outros estudos têm incidido no processo de seleção de um dos componentes do produto turístico. O estudo de Darcy (2009) procurou analisar os critérios de seleção na escolha do alojamento e concluiu que, além das variáveis sociodemográficas, a seleção e

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Esta é aliás uma das críticas às teorias de tomada de decisão por se focarem apenas sobre o consumidor individual, ao passo que a maior parte dos consumidores (e especialmente em relação ao turismo) não agem como consumidores individuais.

as preferências pelas fontes de informação dependem da dimensão da deficiência e do nível das necessidades a ela associadas.

Entretanto, embora se reconheça a importância destes estudos para identificar necessidades específicas, relativas aos diferentes elementos do produto turístico e das suas condições de acessibilidade, é, também, muito importante perceber como é que os diferentes fatores que influenciam a decisão de viajar se inter-relacionam e, no seu conjunto, determinam a decisão, de viajar ou não, dos indivíduos com incapacidades.

Alguns investigadores (ex: Daniels et al.,2005; McKercher et al., 2003; Shaw & Coles, 2004) têm vindo a chamar a atenção para a necessidade de a investigação sobre este tópico considerar a experiência como um todo, procurando não se focar tanto sobre as questões e atributos específicos de acessibilidade. Mais do que eliminar as barreiras, é necessário oferecer um conjunto de condições efetivas, que se materializem de forma a tornar possível a participação na viagem.

Note-se que esta perspetiva de estudo tem sido abordada em alguns dos estudos mais recentes de comportamento do turista com incapacidade, como é o caso de Blichfeldt & Nicolaisen (2011) Daniels et al. (2005), McKercher et al. (2003), Shaw & Coles (2004) e Yau et al. (2004), que defendem a necessidade de a investigação tomar em consideração as experiências de viagem anteriores. Esta reflexão tem implícita a carreira de viagem própria de cada indivíduo (travel career13), de forma a procurar compreender o processo que leva as pessoas com deficiência a tornarem-se viajantes ativos apesar das dificuldades encontradas, e pressupõe analisar a interação dos diferentes fatores que influenciam a decisão e os comportamentos turísticos dos indivíduos.