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De acordo com a Lei n° 8069/90 de 13 de julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), esta reconhece expressamente como sendo o dever da família assegurar a criança e ao adolescente condições dignas de desenvolvimento. Ou seja, a responsabilidade dos pais é dever irrenunciável.

Porém, o dever de cuidado não diz somente respeito a simples imposição de contribuição financeira por partes dos genitores em relação a sua prole. Mas, sim, do dever que os pais têm em zelar pela integridade e dignidade dos seus filhos, considerando que a construção da personalidade individual se dá pela convivência harmoniosa e também pelo afeto entre os integrantes da família, sejam eles biológicos ou afetivos.

Amarilla (2014, p. 102) afirma que:

Pai poderá ser o genitor, o marido da mãe, o amante oficial, o companheiro da mãe, o avô, aquele que cria a criança, que dá o seu sobrenome, que reconhece a criança legal ou ritualmente, que fez a adoção, enfim, qualquer pessoa que exerça uma ou todas essas funções.

Dessa maneira, entende-se que o dever de cuidado fica a cargo das pessoas que se encontram em situação de controle ou comando na relação familiar. Nas relações entre pais e filhos, se caracterizam pela subordinação em virtude do poder familiar.

O afeto por envolver vários aspectos, engloba também a questão da responsabilização por parte do genitor, de acordo com Almeida (2019):

Engloba todos os aspectos que as relações afetivas envolvem, com destaque para o sentimento de responsabilidade para com a pessoa amada, ou seja, o afeto envolve um dever de cuidado, entre pais e filhos, avós e netos, companheiros e companheiras, enfim, entre todas as pessoas unidas pelo affectio familiae, que é o elemento definidor da família contemporânea, corolário do princípio da afetividade.

Várias são as consequências em crianças que não recebem esse cuidado, sendo extremamente marcantes de forma negativa durante a vida, principalmente em relação a personalidade e caráter. Sendo assim, é dever dos pais cuidar da sua prole, para que a mesma se desenvolva de forma saudável, estreitando os laços familiares de forma que seja positiva para a criança. Conclui-se, portanto, que a não prestação dessa conduta, de afetividade, por parte dos genitores em relação a prole, se constitui em ato ilícito, cabendo a reparação jurídica. Portanto, para Rocha, Scherbaum e Oliveira (2018, p. 111) “cuidar implica promover todos os atributos necessários ao desenvolvimento de quem seja filho, biológico ou adotivo, bem como daquele se tenha a guarda ou o simples dever de cuidado.”

Ao analisarmos o art. 229 da Constituição Federal/88, art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o art. 1.694 a 1.710 do Código Civil, fica claro que estabelecem aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, provendo o sustento, e proporcionando recursos e meios para que seu desenvolvimento se dê de forma saudável.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

Se houver omissão quanto a esses deveres e determinações judiciais por parte dos pais, o ECA, em seu artigo 249, prevê pena de multa:

Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

No Código Civil de 2002, esse princípio fica evidente no que consta dos incisos III e IV do art. 1.556:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

Na Constituição Federal de 1988, o princípio está elencado também no artigo 227, §7º, os quais seguem abaixo:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar- se- á em consideração o disposto no art. 204.

Já no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, o dever de cuidado dos genitores em relação a prole, é expressado em seu art. 4º:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Podemos observar que, apesar do poder familiar garantir aos pais a autoridade sobre seus filhos, também impõe àqueles a responsabilidade por estes. No entanto, a “obrigação de afetividade” se dá durante toda a vida, sejam eles maiores ou menores, consanguíneos ou afetivos. Mas, de maneira geral, principalmente enquanto criança e adolescente, pois é nessa etapa da vida que se faz mais necessário, em virtude do desenvolvimento psicológico e emocional da prole se dar de forma sadia, projetando-o para a vida em sociedade.

O dever que tem o pai, a mãe ou qualquer outro que ocupe o papel de responsável por uma criança deve ser exercido sob a égide legal da convivência humana, mas também permeado pelos laços afetivos, que tornam essa relação prazerosa, equilibrada e segura, tanto física, quanto emocionalmente, posto que a criança tem o direito de ser bem cuidada e amparada em seus estudos, lazer, saúde, necessidades materiais, de ser preparada para uma profissão e outros.

Ou seja, o dever de cuidado que os pais devem ter com relação a prole, se faz necessário através de bens materiais, conjuntamente com o cuidado, carinho, afeto e proteção, para que assim a criança ou adolescente possa crescer de forma sadia, com os cuidados básicos necessários. Dessa forma pode-se dizer que em todos os tipos de família, seja qual ela for, o dever de cuidado dos genitores em relação à sua prole deve existir. Nesse sentido, o dever de prestar afeto se dará principalmente no âmbito familiar. Santos (2011, p. 154-155) expõe:

Família é o lugar da afetividade, isto é, o lugar onde surge e se expressa, constituindo e desenvolvendo a personalidade dos seres humanos. Vimos também que as relações de família se caracterizam pela interdependência econômica e afetiva entre os seus membros, de onde surge a noção de que somos protegidos pelo grupo familiar, mas também somos responsáveis pela proteção dos demais membros do grupo.

Nessa seara, para caracterizar o dever de prestar afeto a qual deve permear as relações de família, pode-se citar a interdependência e responsabilidade como palavras-chave.

Nas palavras de Santos (2011, p. 155) a interdependência seria:

A interdependência gera na pessoa uma justa expectativa em relação ao comportamento da outra. O fato é que todos esperam que seus pais, seus irmãos etc. tenham um comportamento leal no que se refere à sua proteção econômica e afetiva. Do mesmo modo, espera-se que cada um dos membros tenha um comportamento leal em relação ao grupo.

Já com relação a responsabilidade, Santos (2011, p. 155) explica:

A responsabilidade está relacionada ao cumprimento adequado das regras de convivência ou à influência e ao controle que exercemos sobre as outras pessoas, de acordo com a natureza dos

relacionamentos. No caso dos relacionamentos familiares, tendo presente a relação de interdependência que os permeia, frequentemente uma pessoa encontra-se em uma situação de controle ou de domínio sobre outra, do que resulta a sua responsabilidade.

Em resumo, a afetividade é considerada uma necessidade humana, e todos dentro do núcleo familiar tem o dever de atender a essa necessidade. Nos casos em que não há prestação de condutas adequadas ao desenvolvimento e até mesmo não havendo manutenção da estrutura psíquica das pessoas que convivem nesse grupo familiar, constituem-se em ato ilícito, podendo recorrer a reparação jurídica.

Santos (2011, p. 156) classifica dois tipos de comportamentos, são eles o comportamento afetivo e comportamento pró-afetivo, vejamos:

Comportamento afetivo é aquele que corresponde exatamente ao estado afetivo do agente no momento da ação, enquanto o comportamento pró-afetivo não guarda necessariamente esta relação com os sentimentos, as emoções e as paixões que dominam o psiquismo da pessoa, no instante em que se comporta.

De forma abrangente, no comportamento pró-afetivo o direito pode exigir que uma pessoa se comporte de determinado modo, mesmo que não seja o real estado afetivo do obrigado, ou seja, pode-se exigir condutas que possibilitem o surgimento e desenvolvimento dos afetos. Porém, já no comportamento afetivo, não se pode impor a alguém que ame ou odeie determinada pessoa, ou seja, não se pode exigir juridicamente.

O dever de prestar comportamentos pró-afetivos fica a cargo daqueles que se encontram em situação de controle ou de comando dentro dos relacionamentos. Esse dever existe nas relações conjugais, entre cônjuges e entre companheiros e companheiras, por força dos deveres de lealdade e de mutua assistência, os quais são corolários do princípio da solidariedade. (SANTOS, 2011, p. 156).

Dessa forma, cabe salientar que o dever de cuidado, tanto material como afetivo, devem existir dentro dos grupos familiares. Possibilitando a criança que seu desenvolvimento se dê de forma saudável. O dever de cuidado é um direito decorrente da paternidade responsável dos genitores, ou daquele que está em situação de controle dentro do núcleo familiar.

3 VISÃO JURISPRUDENCIAL

A doutrina, bem como a jurisprudência desempenharam um papel fundamental na consolidação da categoria jurídica da afetividade no sistema brasileiro. Nesse sentido, são inúmeras as decisões que concederam efeitos jurídicos à afetividade em diversas situações concretas.

Será feita uma análise jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sobre qual a postura do judiciário em relação ao que tange a temática – afetividade no vínculo jurídico entre genitores e prole.

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