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Do Superior Tribunal de Justiça

O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade não é uma regra, pois, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e assim dar preferência pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho.

Diante disso, e com base na ementa do acórdão abaixo, a posse do estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho legítimo, foi atestada pelo Tribunal de origem diante das inúmeras fotos de família e eventos sociais, boletins escolares, convites de formatura e casamento, além da robusta prova testemunhal, cujos depoimentos, mesmo na qualidade de informantes, foram uníssonos no relato de que os adotandos eram reconhecidos como filhos, tanto no tratamento como no sobrenome que ostentavam, e assim eram apresentados ao meio social.

Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO

DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO

SOCIOAFETIVA. ADOÇÃO PÓSTUMA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO ADOTANTE FALECIDO. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

1. Em que pese o art. 42, § 6º, do ECA estabelecer ser possível a adoção ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento de adoção, a jurisprudência evoluiu progressivamente para, em situações excepcionais, reconhecer a possibilidade jurídica do pedido de adoção póstuma, quando, embora não tenha ajuizado a ação em vida, ficar demonstrado, de forma inequívoca, que, diante de longa relação de afetividade, o falecido pretendia realizar o procedimento. 2. Segundo os precedentes desta Corte, a comprovação da inequívoca vontade do falecido em adotar segue as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. Nesse sentido: REsp 1.663.137/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 15/08/2017, DJe de 22/08/2017; REsp 1.500.999/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, julgado em 12/04/2016, DJe de 19/04/2016. 3. A posse do estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho legítimo, foi atestada pelo Tribunal de origem diante das inúmeras

fotos de família e eventos sociais, boletins escolares, convites de formatura e casamento, além da robusta prova testemunhal, cujos relatos foram uníssonos em demonstrar que os adotandos eram reconhecidos como filhos, tanto no tratamento como no sobrenome que ostentavam, e assim eram apresentados ao meio social. 4. Afastada a impossibilidade jurídica do pedido, na situação concreta o pedido de adoção post mortem deve ser apreciado, mesmo na ausência de expresso início de formalização do processo em vida, já que é possível extrair dos autos, dentro do contexto de uma sólida relação socioafetiva construída, que a real intenção do de cujus era assumir os adotandos como filhos. 5. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL A QUE SE DA PROVIMENTO, EM DECISÃO UNÂNIME. (BRASIL, 2020).

Como visto, os precedentes acima orientam que a identificação da inequívoca vontade do falecido em adotar segue as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. Dessa forma, a adoção póstuma se estabeleceu pois foi reconhecido a paternidade socioafetiva. Ou seja, a intenção do de cujus era assumir os adotandos como filhos, porém, mesmo na ausência da formalização do processo em vida, foi possível pelo fato de existir, entre os mesmos, uma sólida relação socioafetiva.

Com base nos conflitos entre paternidade socioafetiva e biológica o STJ passa a reconhecer a superioridade da relação afetiva em face da biológica, como se demonstra no seguinte caso, onde o pai socioafetivo, mesmo não tendo certeza quanto à paternidade, registrou a criança como sendo sua filha, passando, a partir de então, a tratá-la como tal, afirmando que "pai é quem cria", e o mesmo sempre demonstrou interesse em continuar se responsabilizando pela criação da menor. Vejamos:

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE

PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE

NASCIMENTO. FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA.

MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS.

RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL.

SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. O propósito recursal diz

respeito à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e biológica (multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados modelos de família veda a hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI n. 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista do conceito de família surge o debate relacionada à multiparentalidade, rompendo com o modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e reconhecendo a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE n. 898.060/SC, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/8/2017, fixou a seguinte tese: "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais." 5. O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho. 6. As instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carreadas aos autos, notadamente o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse em formar vínculo afetivo com a menor e, em contrapartida, o pai socioafetivo assiste (e pretende continuar assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou comprovado, ainda, que a ação foi ajuizada exclusivamente no interesse da genitora, que se vale da criança para conseguir atingir suas pretensões. 7. Ressalva-se, contudo, o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, da menor pleitear a inclusão do nome do pai biológico em seu registro civil ao atingir a maioridade, momento em que poderá avaliar, de forma independente e autônoma, a conveniência do ato. 8. Recurso especial desprovido. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, EM DECISÃO UNÂNIME. (BRASIL, 2020).

Outrossim, deve-se ressaltar que ficou demonstrado que a criança tem sido assistida material e afetivamente pelo pai socioafetivo, sendo que este, afirma que continuará dispensando amor e carinho necessários à filha, ao contrário do pai biológico, que não demonstra nenhum interesse no registro ou a pretensão de se aproximar afetivamente da criança.

De acordo com o art. 42, § 1º, do ECA, é vedado aos avós adotarem descendentes. Porém, em circunstâncias excepcionais, levando em consideração o princípio do melhor interesse da criança se torna possível haver uma nova

interpretação da legislação atinente ao caso. Nesse sentido, há situação especifica que pode ser demonstrada e analisada.

Ementa: CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO POR AVÓS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO

MENOR. PADRÃO HERMENÊUTICO DO ECA. 01 – Pedido de

adoção deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento, por impossibilidade psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual. 02 - O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação específica que é analisada. 03. Os elementos usualmente elencados como justificadores da vedação à adoção por ascendentes são: i) a possível confusão na estrutura familiar; ii) problemas decorrentes de questões hereditárias; iii) fraudes previdenciárias e, iv) a inocuidade da medida em termos de transferência de amor/afeto para o adotando. 04. Tangenciando à questão previdenciária e às questões hereditárias, diante das circunstâncias fática presentes – idade do adotando e anuência dos demais herdeiros com a adoção, circunscreve-se a questão posta a desate em dizer se a adoção conspira contra a proteção do menor, ou ao revés, vai ao encontro de seus interesses. 05. Tirado do substrato fático disponível, que a família resultante desse singular arranjo, contempla, hoje, como filho e irmão, a pessoa do adotante, a aplicação simplista da norma prevista no art. 42, § 1º, do ECA, sem as ponderações do “prumo hermenêutico” do art. 6º do ECA, criaria a extravagante situação da própria lei estar ratificando a ruptura de uma família socioafetiva, construída ao longo de quase duas décadas com o adotante vivendo, plenamente, esses papéis intrafamiliares. 06. Recurso especial conhecido e provido. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DA PROVIMENTO, EM DECISÃO UNÂNIME. (BRASIL, 2020).

Sob esse cenário, cabe ponderar que os adotantes já detinham a guarda do menor, e não obstante isso, buscaram incrementar essa relação, por via da adoção, para uma situação de parentalidade socioafetiva. Ou seja, pretendiam agregar à assistência material e psicológica o desejo da maternidade/paternidade em relação ao seu neto, criando como se filho fosse.

No caso em questão, não se pode olvidar que todos os demais poderes próprios da parentalidade sempre foram exercidos pelos adotantes (avós), porém, somente buscam cristalizar a relação de fato. Não há motivação maior do que está: a de cunho íntimo, pois os demais poderes próprios da parentalidade já eram/são

exercidos pelos recorrentes, que buscam cristalizar, tão-só, a relação de fato, que se enquadra perfeitamente na parentalidade socioafetiva, pois nela se acha, inequivocamente, a “posse do estado de filho”.

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