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3 LIMITAÇÕES DO PODER DO CONTROLADOR COMO MECANISMO DE

3.3 Mecanismos de Proteção à Minoria em Operações de Transferência de Controle

3.3.1.1 Deveres Laterais dos Participantes de Contratos Associativos sob a Ótica dos

A discussão acerca do modelo mais eficiente de disciplina das relações entre os acionistas – mediante contrato ou positivação pelo legislador – decorre predominantemente da tentativa de investigar aquele que melhor acomoda os interesses dos acionistas e que confere proteção em boa medida aos acionistas não controladores.

O item 2.4.3 deste estudo adotou a feição contratual como mecanismo genuinamente eficaz na propagação das informações de que necessitam aqueles que decidam investir no capital de uma companhia fechada.

A celebração de contrato como mecanismo de proteção adicional ao anteparo legal pode ser vantajosa ou eficiente, sempre que os custos advindos de sua formalização sejam menores do que aqueles que possam ser enfrentados na submissão do acionista apenas ao regramento legal.

149 Ante a conjuntura brasileira, em que o sistema jurídico nem sempre é eficaz no tocante a impedir que os benefícios privados sejam aproveitados pelo controlador, os custos serão tão maiores quanto mais escassas forem as regras de proteção estabelecidas pelos próprios acionistas em acordos ou no estatuto da companhia.

Alie-se a isso a característica imanente das relações societárias que consiste na longa duração; e é neste ponto que a teoria dos contratos relacionais, ou de longa duração, ganha importância, justamente por se referir àquelas relações jurídicas complexas que perduram por tempo alongado, típicas da sociedade atual moderna e globalizada. Essa complexidade e prolongamento no tempo resultaram na inafastável necessidade de que essas relações não sejam relegadas apenas ao alvedrio das normas jurídicas, sob pena de que os acionistas tenham de recorrer às soluções engendradas pelos tribunais todas as vezes que não encontrar a solução para um dado impasse nos textos legais, o que, no ordenamento pátrio, costuma ser recorrente.

Ao discorrer acerca do contrato de sociedade como contrato de constituição de comunhão, Marcelo Adamek238 assim se manifesta:

[referido contrato é de] comunhão de escopo, de cooperação e, pois, duradouro – o que facilmente explica a relevância do fim comum na sociedade e a maior intensidade dos deveres acessórios ou laterais de conduta (Nebenpflichten) decorrentes da boa-fé objetiva, no âmbito da relação jurídica societária.

A teoria dos contratos relacionais está associada ao nome de Ian Macneil, jurista e professor da escola de Direito da Universidade Northwestern, de Chicago, a quem coube sistematizar uma série de estudos desenvolvidos por autores que sinalizaram entendimento similar às suas conclusões sobre o assunto. No plano do direito norte-americano, destaquem-se os estudos de John R. Erickson e Victor P. Goldberg239, William Whitford240, Robert E. Scott241, Duncan Kennedy242, Oliver

238 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Abuso de minoria em direito societário: abuso das posições subjetivas

minoritárias, p. 25.

239 ERICKSON, John R.; GOLDBERG, Victor P. Quantity and price adjustment in long-term contracts: a

case study of petroleum coke. Journal of Law and Economics, v. 30. n. 2, p. 369-398, 1987.

240 WHITFORD, William C. Ian Macneil’s contribution to contracts scholarship. Wisconsin Law Review, n.

3, p. 545-560, 1985; WHITFORD, William C. Contract law and the control of standardised terms in consumer contracts: an American report. European Review of Private Law, n. 2, 1995, p. 193-210; e Contracts and the new formalism: commentary. Wisconsin Law Review, n. 2, p. 631-643, 2004.

241 SCOTT, Robert E. Conflict and cooperation in long-term contracts. California Law Review, v. 75, n. 6, p.

2.005-2.054, 1987.

242 KENNEDY, Duncan. Distributive and paternalist motives in contract and tort law, with special reference

150 Williamson243. No direito europeu, os trabalhos mais relevantes foram produzidos por Christian Joerges244, Thomas Wilhelmsson245 e David Campbell246.

No Brasil, o tema foi estudado com profundidade pelo filósofo Ronaldo Porto Macedo Junior, para quem, “Apesar da tendência mundial apontar para o incremento das formas de cooperação econômica fundadas na confiança, os estudos empíricos disponíveis revelam que no Brasil ainda domina uma cultura empresarial bastante antagonista e conflitiva”247.

O tema aplica-se, mormente, nas contratações de longo prazo e complexas (relational contracts), as quais se encontram em ponto diametralmente oposto ao dos contratos autônomos, instantâneos ou descontínuos (discrete contracts).

As características marcantes dos contratos descontínuos fundam-se na roupagem das relações impessoais por eles reguladas, além de trazerem para o presente situações futuras, bem como constituírem elemento de barganha entre partes instrumentalmente orientadas, devendo haver mútuo consentimento das partes para que o negócio seja entabulado.

Assim, o fator descontinuidade associa-se à ideia de que cada ato contratual é considerado um ato isolado, independente e autônomo, tendo como critério orientador a

impessoalidade, que se consubstancia em um simples ato de reciprocidade, o qual se mede pelo equivalente em dinheiro, por meio de um mínimo de breves contatos.

Não é de surpreender que pouco importa a qualidade das partes contratantes, a

performance contratual ou o planejamento futuro da relação, o que dá forma à característica presentificadora desse contrato, i.e., todos os seus elementos são constituídos

243 WILLIAMSON, O. Transaction-cost economics: the governance of contractual relations. Journal of Law

and Economics, v. 22, n. 2, p. 233-261, 1979.

244 JOERGES, Christian. Relational contract theory in a comparative perspective: tensions between contract

and antitrust law principles in the assessment of contract relations between automobile manufacturers and their dealers in Germany. (Symposium: Law, private governance and continuing relationships). Wisconsin

Law Review, n. 3, p. 581-613,1985.

245 WILHELMSSON, Thomas. Questions for a critical contract law and a contradictory answer: contract as

social cooperation. In: ________. (Ed.). Perspectives of critical contract law. Aldershot: Dartmouth, 1993. p. 9 e ss.

246 CAMPBELL, David. Relational contract and the nature of private ordering: a comment on Vincent-Jones.

Indiana Journal of Global Legal Studies, v. 14, p. 279-300, 2007.

247 MACEDO JR., Ronaldo Porto Macedo. Contratos relacionais no direito brasileiro. Disponível em:

151 apenas no presente, não havendo que se cogitar em detalhar a performance das partes ou despender maior atenção com tratativas prévias para acerto dos pormenores do contrato.

Os contratos descontínuos ainda assumem um contorno predominantemente de

barganha instrumental, uma vez que se adota como premissa a existência de relação entre as partes que impulsiona os termos da troca com a finalidade de atingir os próprios, exclusivos e individuais. Fala-se, portanto, em uma postura essencialmente egoísta, individualista e instrumental de cada participante da negociação contratual. Em outros termos, cada uma das partes procurará, pelos meios de que dispõe, buscar a maior vantagem econômica para si. Associada a essa característica, os contratos descontínuos também não devem prescindir do mútuo consentimento, uma vez que se presume que os termos da troca configuram resultado da barganha instrumental estabelecida livremente entre as partes.

Conforme bem sintetiza Ronaldo Porto Macedo Junior, “A função do contrato descontínuo é a troca ou transferência da inteira responsabilidade de benefícios e de ônus particulares de uma parte para a outra”248, ou seja, na venda e compra de um bem, o proprietário do dinheiro se desfaz dos benefícios e ônus envolvidos na propriedade da pecúnia em favor dos ônus e benefícios inerentes ao bem, seguindo o mesmo trilhar o então proprietário do bem.

Na outra ponta, situam-se os contratos relacionais, que possuem como principal característica a longa duração das relações por eles disciplinadas. Esses contratos, de modo geral, integram relações complexas entre diversas partes, nas quais são determinantes os vínculos pessoais, de confiança, solidariedade e cooperação.

Dessa característica deflui outro fator predominante nos contratos relacionais, que diz respeito à mutabilidade constante, dado não ser possível que todos os seus termos sejam prévia e definitivamente estipulados, o que significa dizer que, no curso da sua

performance, diversos ajustes poderão ser realizados. Essa estrutura possui o objetivo declarado de promover a justiça contratual, não apenas no ato da celebração, mas também durante a sua execução e até mesmo após o seu término, encerrando uma postura dinâmica que se projeta para além do prazo de vigência contratual.

248 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo:

152 Disso decorre que o contrato relacional vai muito além do que apenas garantir margem de ajustes ao longo de sua execução, na medida em que ele estabelece um verdadeiro processo de cooperação entre os contratantes, levando a efeito uma maior

intensificação da troca de informações, divisão de atribuições e negociações sobre a distribuição de lucros.

Assim é que tanto a doutrina contratual neoclássica quanto o pensamento liberal neoclássico, que se fundam na premissa de que os agentes racionais agem no mercado de modo a maximizar as vantagens individuais249, têm dado lugar à edificação de relações pautadas pela solidariedade, confiança e cooperação.

O fenômeno da cooperação é definido por Ronaldo Porto Macedo Junior250 como “a associação com outra para benefício mútuo ou para a divisão mútua de ônus”. No conceito de solidariedade, por sua vez, existe a “idéia de uma unidade que produz ou está baseada na comunidade de interesses, objetivos, valores e padrões”. O autor ainda explica que a solidariedade “pode estar baseada numa relação cooperativa, mas o importante a destacar é o fato de que reporta-se a uma comunidade de valores e interesses e, neste sentido, ela tem um caráter necessariamente moral”.

Os princípios ora apontados assumem ainda maior expressão no contexto das relações entre os acionistas de companhias fechadas, nos quais a confiança, a colaboração e a solidariedade, bem como o reconhecimento das desigualdades de poder, constituem verdadeiros pilares que sustentam a concepção de que essa ainda é uma forma de associação atrativa ao investimento.

Muito embora o estudo em torno do tema contratos relacionais esteja direcionado, no mais das vezes, para as relações consumeristas, e até mesmo para as relações entre empresas, é no contrato de sociedade que ele se mostra mais eloquente. Assim é que para Ronaldo Porto Macedo Junior251, “os contratos relacionais aproximam-se mais do ideal de contrato de sociedade do que da compra e venda clássica”.

249 POSNER, Richard. The ethical and political basis of the efficiency norm in common law adjudication.

Hofstra Law Review, v. 8, p. 488-497, 1980.

250 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais no direito brasileiro. Revista USP, São Paulo,

v. 1, n. 1, 1999, p. 110.

153 Nas sociedades, as regras estabelecidas nos contratos relacionais assinalam uma postura menos substantiva e mais processual no sentido de que se regula a forma pela qual a revisão e os ajustes de planejamento que deverão se operar no seu curso, de modo que se aproxime muito da ideia de um acordo.

No clássico ensaio sobre contratos plurilaterais, de Tulio Ascarelli, muito embora ainda não se pudesse falar em uma teoria dos contratos relacionais propriamente dita, é possível identificar elementos que se harmonizam com a concepção dos contratos relacionais ora tratados.

De acordo com as lições do estudioso italiano, “os contratos plurilaterais prestam-se, pois, necessariamente e sempre, como contratos de execução continuada e, portanto, estão sempre sujeitos às normas próprias desta categoria de contratos”252. Assim é que, conforme já anotado, a principal característica dos contratos relacionais é justamente o seu prolongamento no tempo, o que se coaduna de modo inconteste com os contratos de sociedade – estes últimos sempre têm como objeto o exercício de uma atividade econômica e, como objetivo, a distribuição de lucros, isto é, os acionistas investem na companhia para que possam obter retorno financeiro mediante a distribuição de dividendos e essa não pode constituir uma relação spot, mas sim, um elo que se estende por um período continuado.

Outra característica relacional dos contratos de sociedade encontrada na doutrina de Ascarelli diz respeito à existência de diversas partes. É oportuno lembrar que a parte se caracteriza como um centro de interesses, capaz de assumir direitos e obrigações em uma dada relação jurídica. As pessoas ou os sujeitos, por seu turno, são nada mais do que os entes participantes do contrato, considerados em sua individualidade, de sorte que em um contrato tradicional não se admitem mais do que duas partes, podendo cada qual ser composta por diversos sujeitos, ao passo que, nos contratos plurilaterais, é possível a participação de mais de duas partes, podendo cada uma, igualmente, ser composta por diversas pessoas.

Disso resulta que, do mesmo modo como ocorre nos contratos de associação, em que há a possibilidade de existência de mais de duas partes, nos contratos relacionais “é comum o surgimento de verdadeiras redes de agentes e participantes, o que aumenta

252 ASCARELLI, Tullio. O contrato plurilateral. In: ________. Problemas das sociedades anônimas e direito

154 substancialmente a complexidade interna das relações”253. Já nos contratos descontínuos puros “há apenas duas partes (isto em boa medida porque a própria presença de outras partes automaticamente começa a criar circunstâncias geradoras de características relacionais”254. Verifica-se, então que “o oposto ocorre com os contratos relacionais, especialmente aqueles estabelecidos no interior da grande empresa ou corporação”255.

Outro fator que aproxima os contratos relacionais dos contratos plurilaterais de Ascarelli diz respeito ao fato de que em ambos os contratos não necessariamente haverá antagonismo entre as partes. Desse modo é que na dicção do autor italiano se sustenta que no momento da formação do contrato de sociedade, as partes têm interesses distintos e, no mais das vezes, antagônicos, tal como ocorre nos contratos de escambo256. Entretanto, uma vez constituída, a sociedade se presta a uma finalidade comum a todos os sócios, o que não significa o afastamento absoluto da possibilidade de conflitos durante a vida da sociedade.

Mais uma característica que denota a similitude dos contratos relacionais com os contratos de sociedade está ligada ao período de duração. De modo geral, é possível afirmar que “as transações descontínuas se iniciam abruptamente, duram pouco e terminam rapidamente, seja em razão do cumprimento contratual, seja em razão do rompimento em função da resolução ou resilição contratual”257. Além disso, nos contratos descontínuos, “o início e término da transação são produzidos num momento definido e único”258, ao passo que nos contratos relacionais a situação difere por completo, dado que o início e término não são tão claramente definidos. Na realidade dos contratos de associação, a função do contrato não finda quando executadas as obrigações das partes, como tradicionalmente sói acontecer com os demais contratos, “a execução das obrigações das partes constitui a premissa para uma atividade ulterior; a realização desta constitui a finalidade do contrato; este consiste, em substância, na organização de várias partes no desenvolvimento de uma atividade ulterior”259.

253 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 129. 254 Ibidem, p. 128-129.

255 Ibidem, p. 129.

256 As posições antagônicas podem ser vislumbradas, dentre outros, no âmbito da avaliação das contribuições

realizadas pelos sócios, na ingerência da administração da companhia e na distribuição de lucros e perdas.

257 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Op. cit., p. 131. 258 Ibidem, p. 132.

259 ASCARELLI, Tullio. O contrato plurilateral. In: ________. Problemas das sociedades anônimas e direito

155 A aproximação dos contratos relacionais com os contratos de associação ainda pode ser vista na característica de contratos abertos, apontada por Ascarelli260. Dizer que um contrato é aberto significa que há uma oferta permanente de adesão de novas partes, desde que satisfaçam a determinadas condições. Do mesmo modo, há a plena possibilidade de que os seus participantes se retirem do negócio. Essa hipótese é inconcebível nos demais contratos, os quais ficam limitados a apenas duas partes.

É indubitável que outras comparações poderiam ser feitas entre os contratos associativos e os contratos relacionais com base na doutrina dos contratos plurilaterais de Ascarelli, no entanto, das características aqui apresentadas já é possível extrair a ilação de aproximação entre um e outro, sobretudo dos preceitos que gravitam em torno das relações entre seus participantes, como a confiança, a colaboração e a solidariedade.

Em princípio, evidencia ser possível afirmar que em todo contrato existe alguma forma de cooperação, seja em maior ou menor grau, no entanto, é na relação societária que esse dever ganha particular relevo, assumindo-se o conceito mais estrito de que cooperar “é associar-se com outro para benefício mútuo”261. Interessante notar a complementação feita por Ronaldo Porto Macedo Junior a essa definição, ao dizer que cooperar “é associar-se com outro para benefício mútuo ou para divisão mútua dos ônus”262. Isso porque nos contratos relacionais há uma divisão de ônus e benefícios entre as partes contratantes. O caráter instrumental da cooperação foi bem assimilado na teoria de Ascarelli, para quem:

Com efeito, podem, as normas jurídicas, visar quer uma “repartição” de bens, quer, porém, ao contrário, uma “cooperação” na utilização deles. Na primeira hipótese o aproveitamento, sucessivo, do bem por parte do sujeito fica, em princípio, no âmbito geral do lícito jurídico; na segunda hipótese, ao contrário, é ele, objeto de disciplina jurídica, e, portanto, o contrato assume um cunho “instrumental” quanto à disciplina das sucessivas relações jurídicas das partes263.

Nesse sentido é que se pode afirmar que o contrato de cooperação cria vínculos mais estreitos do que uma mera relação descontínua e, nesse ensejo, se discute a importância do dever de colaboração das partes, sobretudo do acionista controlador, no tocante à negociação de proteções a serem inseridas no estatuto social ou em acordo de

260 ASCARELLI, Tullio. O contrato plurilateral. In: ________. Problemas das sociedades anônimas e direito

comparado, p. 411.

261 WEBSTER’S Ninth New Collegiate Dictionary. Massachusetts: Merriam-Websters Inc., 1991. p. 228. 262 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 140.

156 acionistas, de modo a acomodar as expectativas e os interesses daqueles que investem na companhia.

Impende salientar que a cooperação não deve ser vista como um sinônimo de solidariedade, uma vez que esta se conjuga por um múltiplo de regras mais amplo e complexo, aptas a impor um grau mais elevado de vinculação entre as partes que integrem a relação. Esse fenômeno pode ser observado especialmente no âmbito das sociedades anônimas, em que se vislumbra a presença marcante da teoria institucionalista, conforme consolidada na teoria de Walter Rathenau264.

Nesses termos é que o art. 116 da LSA adota um viés predominantemente institucionalista à legislação pátria, ao determinar que o acionista controlador deve

[...] usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Infere-se, assim, que a vertente da solidariedade se prende à ideia de que não se pode descurar da comunidade externa à relação contratual. Isso não impede que se reconheça a existência de solidariedade interna, em que os próprios participantes considerem a composição de interesses de seus pares – o e.g., o dever de consideração do acionista controlador para com os não controladores. Trata-se, por assim dizer, da responsabilidade não apenas no sentido jurídico, mas também sob o senso moral de um agente ou de um grupo para com pessoas unidas por um interesse comum. A temática está bem esboçada nas ponderações de Clóvis V. do Couto e Silva265, que ao tratar das relações jurídicas em que a cooperação se manifesta em sua mais ampla plenitude “(nostra res

agitur), como nas de sociedade [...], cuida-se algo a mais do que a mera consideração, pois existe dever de aplicação à tarefa suprapessoal, e exige-se disposição ao trabalho conjunto e a sacrifícios relacionados com o fim comum”.

Percebe-se, da profusão de conceitos ora esboçados, que é possível vislumbrar os deveres laterais ou de conduta sob diversas ordens e que os fenômenos da cooperação e da solidariedade podem assumir um caráter central no contrato, constituindo o seu objeto principal, e, nesse caso, não devem ser postos na posição de deveres acessórios, mas sim,

264 Estudos publicados em 1917, sob o título Vom Aktienwesen – Ein geschaftliche Betrachtung.

157 como deveres principais da relação. De outro modo, esses mesmos deveres podem ser vistos sob o enfoque do preenchimento de lacunas, como princípios subsidiários de interpretação dos contratos. Ainda, especialmente no que toca ao dever de solidariedade,