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2.5 Fundamentos da Proteção aos Direitos dos Minoritários

2.5.4 Proteção Individual e da Minoria

O direito societário deve ser enfrentado por meio de princípios estruturais, consubstanciados no ordenamento societário e patrimonial da empresa, bem como nos

128 princípios valorativos, que consistem nos direitos individuais, direitos de minoria e direitos dos investidores, bem como nos interesses dos credores e dos trabalhadores.

O desenvolvimento do presente tópico deter-se-á na análise dos direitos individuais e de minoria, sobretudo da marcante diferenciação que os acompanha e que não permite que sejam utilizados como expressões sinônimas213.

Como consequência lógica das significativas diferenças existentes entre os direitos de minoria e os direitos individuais, a matéria pertinente à proteção de cada qual também deve ser examinada sob essa ótica.

Conforme explica Herbert Wiedemann, citado por Marcelo Vieira von Adamek214, os direitos individuais orientam-se em uma coletividade atomizada, em que o agente seja ouvido e possa influir na decisão social. Isso ocorre porque nesse modelo novas maiorias podem ser formadas de modo reiterado.

De modo diverso, perante uma maioria estável, os minoritários são meros acompanhantes, assistentes, uma vez que dificilmente poderão contar com a efetiva possibilidade de influenciar a política societária, fator esse que justificaria se estipularem regras próprias de proteção para aqueles nessa situação.

Uma das funções da proteção à minoria é evitar os riscos de desigualdade de tratamento quando a relação de supremacia e subordinação se torna uma relação estável de domínio.

A proteção individual, por sua vez, garante proteção mínima, mediante a defesa dos interesses dos sócios, consubstanciada na concessão de direitos subjetivos, instrumentalizados por meio de direitos irrenunciáveis e intangíveis. Essa proteção se dá independentemente da relação de maioria e minoria. Pode-se dizer que esses direitos vão além dos direitos de minoria, que, ao invocá-los, não se subjugam a essa qualidade, mas

213 Rubens Requião sintetiza as principais diferenças de acordo com o seguinte: “Sustentamos que os direitos

essenciais são imanentes à situação do acionista, independentemente de seus interesses personalistas. Constituem normas a, de ordem pública, visceral no sistema das sociedades por ações. Independente dos interesses da maioria ou da minoria, esses direitos essenciais são assegurados pelo Estado, na ordenação legal. Mas os direitos da minoria, estabelecidos na lei, constituem tutela específica de que pode valer, ou não, o acionista, quando tiver seu direito individual violado. Se não promover sua proteção o Direito não o socorre” (REQUIÃO, Rubens. A oclusão da representação da minoria por manobra da maioria. In: ________.

Aspectos modernos de direito comercial, p. 80).

214 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Abuso de minoria em direito societário: abuso das posições subjetivas

129 sim, o fazem por estarem imbuídos de prerrogativa outorgada por lei, que não pode ser suprimida.

Por sua vez, a proteção à minoria tem como escopo a busca pela defesa da proteção do agente em uma relação que envolva maioria e minoria, dando-se essa proteção precipuamente mediante a imputação de deveres à maioria (e.g., dever de investigar o potencial adquirente do controle, dever de lealdade, dever de consideração, deveres fiduciários etc.) –, podendo, no entanto, dar-se complementarmente via direitos subjetivos (e.g., direito de preferência, direito de venda conjunta, direito de opção de compra ou de venda de ações, ações de reponsabilidade etc.) –, de modo que se restrinja o poder da maioria215.

Nessa perspectiva, diversos são os deveres e princípios que relativizam o exercício do poder da maioria e coíbem os seus desvios. Cada um desses deveres e princípios serão analisados ao longo deste estudo, pois, conforme aventado por António Menezes Cordeiro,

A descoberta de princípios exige um acentuado grau de abstração, mas a utilidade desta empreitada é notável: os princípios asseguram a intercomunicação entre os tipos societários e assumem um papel de ordenador, que facilita a confecção implicada de um sistema de exposição capaz216.

Mais ainda, o direito individual é concedido em razão do sujeito, ao passo que o direito de minoria é concebido tendo em vista o dever de consideração da maioria para com a minoria.

De todo modo, é necessário reconhecer que a minoria é protegida tanto por normas endereçadas especificamente a elas, como por dispositivos destinados à proteção dos chamados direitos individuais dos acionistas. Não por outro motivo, a construção dos direitos essenciais dos acionistas resultou da necessidade premente de se determinarem limites aos poderes quase absolutos da Assembleia Geral, compreendendo-se que muito

215 “Na Alemanha, procurou-se inicialmente atingir tal desiderato – a imposição de deveres à maioria par aa

proteção à minoria – através de cláusulas gerais; em um segundo momento, chegou-se ao desenvolvimento do dever de lealdade” (cf. ADAMEK, Marcelo Vieira von. Abuso de minoria em direito societário: abuso das posições subjetivas minoritárias, p. 39). Conforme será possível verificar no item 3.3.1.3 deste estudo, os deveres de lealdade e de investigação do potencial adquirente do controle constituem alguns dos principais mecanismos de limitação do poder do controlador em operações de transferência de controle de companhias fechadas.

216 MENEZES CORDEIRO, António. Manual de direito das sociedades. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2007. v.

130 embora fosse indispensável o princípio da maioria para a formação da vontade social, não poderia chegar ao cume de frustrar a posição do acionista.

Ao estudar o tema, Waldirio Bulgarelli217 assinala que a instituição dos direitos essenciais “impregnada de forte cunho individualista, visou preservar uma certa liberdade à minoria e, conquanto esteja em geral sujeita às decisões da maioria, subtraiu-se uma parcela do seu poder, compreendendo certos direitos, por isso, ditos intangíveis”.

A noção dos chamados direitos próprios foi concebida pela doutrina e jurisprudência alemãs, tendo por base os direitos individuais ou especiais (sonderrechte), os quais não podem ser modificados por decisão da assembleia, sem o consentimento da unanimidade de sócios, ou seja, trata-se de direitos que não podem ser retirados ou diminuídos pela vontade coletiva, como, e.g., a manutenção da condição de sócio, direito de informação, de igualdade etc.. Em outros termos, os direitos especiais são todos aqueles que para o sócio médio têm tal importância, que sem eles não teria ingressado na sociedade.

Entretanto, o que se pretendia era criar um conceito menos vago e mais concreto, pois apenas com a tipificação correta dos direitos tidos indiscutivelmente como essenciais poderiam emergir as consequências jurídicas esperadas para fins da proteção individual. Dessa forma foi que o conceito de sonderrechte passou a se limitar a direitos que conferissem algum privilégio – e.g., ações preferenciais, direito de indicação de membros da administração, direito a dividendos privilegiados etc. – e não mais direitos gerais, conforme os exemplificados aqui.

A teoria alemã influenciou sobremaneira outros países, como a França, cuja jurisprudência fez introduzir no mundo jurídico a teoria das bases essenciais, a qual procurou flexibilizar o critério da unanimidade exigido no ordenamento alemão, permitindo que a maioria pudesse alterar o estatuto da companhia apenas nas cláusulas tidas como acessórias, sendo a unanimidade exigida tão somente para aquelas consideradas essenciais. No entanto, tal como ocorreu na Alemanha, dadas as dificuldades de se delimitar o conceito de bases essenciais, passou-se a invocar os direitos fundamentais, os quais mantiveram as mesmas dificuldades anteriores.

217 BULGARELLI, Waldirio. Regime jurídico da proteção às minorias nas S/A: de acordo com a reforma Lei

131 No Brasil, esses direitos são tratados como essenciais e podem ser encontrados de maneira esparsa na LSA, em especial, no art. 109. Nesse ponto, insta salientar que em decorrência da grande variedade de classificações dos direitos individuais, há uma gama de terminologias que buscam tratar desses direitos com roupagens distintas – direitos individuais, direitos próprios, direitos essenciais, direitos intangíveis, direitos adquiridos etc..

A par disso, quando determinado indivíduo ingressa em uma organização societária, limita imediatamente sua liberdade de ação, em face do fim social, isto é, tanto a pessoa quanto parte de seu patrimônio ficam submetidas a uma organização alheia, surgindo, assim, uma relação de supremacia e de sujeição, que é legitimada pela declaração de vontade do ingressante na sociedade, seja no momento da sua constituição, seja no ingresso posterior, observado o fim que deve ser atingido pela organização societária.

Dessa perspectiva, os direitos essenciais emergem no contexto do questionamento acerca de onde deve terminar o poder da coletividade e em que medida deve ser concedido ao acionista pleno direito de ação.

O direito das minorias, por sua vez, surge em um quadro em que se busca assegurar o equilíbrio do poder concorrente travado com os controladores, de modo que os pratos da balança possam alcançar o máximo de seu alinhamento no curso do desenvolvimento das atividades sociais.