• Nenhum resultado encontrado

2.2 Justiça (Fairness)

2.2.1 A Quem Deve Ser Atribuído o Ágio Pago pelo Controle?

2.2.1.1 O Sobrevalor do Controle Deve Pertencer a Todos os Acionistas da

A posição que defende a divisão do prêmio entre todos os acionistas pode ser subdividida em três teorias70 no plano internacional, sendo a primeira delas adotada por

70 JENNINGS, R.W.; MARSH, H.; COFFE, J. C. Securities regulation. Cases and materials. 5. ed. New

65 Berle e Means71. De acordo com essa teoria, o controle constitui um ativo empresarial, cujo valor pertence, via de consequência, à própria companhia e não a seus acionistas individualmente considerados; assim, a sua apropriação pelo controlador constituiria um ato ilícito, pois privaria os demais acionistas de receber a parte que lhes cabe relativamente a esse sobrevalor.

A segunda, defendida por Bayne72, em muito se assemelha ao que apregoam Berle e Means, isto é, acreditam os autores que o prêmio de controle pertença à companhia, no entanto, a ilicitude de sua apropriação pelo controlador estaria na violação do dever de fidúcia que possui para como os demais participantes da companhia, sobretudo os acionistas minoritários.

A toda evidência, as teorias defensoras da reversão do sobrevalor do controle para a companhia mostraram-se falhas ao longo dos anos em que o tema tem sido objeto de estudo, seja porque atribuem à pessoa diversa do titular do controle o prêmio que lhe seria correspondente, seja pelo ilogismo de se destinar o valor desembolsado pelo adquirente do controle à companhia na qual passará a fazer parte. Caso assim se procedesse, o prêmio pago em razão do controle seria, em última instância, devolvido para o próprio adquirente do controle, que houvera desembolsado para adquirir o controle da companhia receptora de referido valor.

Diante das limitações das proposições de Berle e Means e de Bayne, os professores Willian Andrews73 e Richard Jennings74 apresentaram uma terceira teoria na subdivisão proposta inicialmente, argumentando que o sobrevalor do controle não deve pertencer à companhia, mas a todos os seus acionistas. Esse foi, aliás, o entendimento que prevaleceu no emblemático caso Perlman v. Feldman75, no qual se determinou que o

71 BERLE, Adolf. The price of power: sale of corporate control. Cornell Law Review, n. 50, 1965, p. 629 e

ss. “O poder que corresponde ao controle constitui um ativo que pertence apenas à companhia; e o pagamento por esse poder, se for a algum lugar, deve ir para os cofres da própria companhia”. Tradução livre do original: “The power going with ‘control’ is an asset which belongs only to the corporation; and to that payment for that power, if it goes anywhere, must go into the corporate treasury”.

72 BAYNE, D. Corporate control as a strict trustee. Georgia Law Review, n. 53, 1965, p. 543 e ss.; e The sale-

of-control premium: the definition. Minnesota Law Review, n. 53, 1969, p. 485 e ss.

73 ANDREWS, William D. The stockholder’s right to equal opportunity in the sale of shares. Harvard Law

Review, v. 78, p. 505-563, 1965.

74 JENNINGS, R. W. Trading in corporate control. California Law Review, v. 44, n. 1, p. 1-39, Mar. 1956 75 Perlman et al., Plaintiffs-Appellants, v. C. Russell Feldmann, Newport Steel Corporation, 219 F.2d 173; 50

66 prêmio recebido pelos controladores, quando da alienação da Newport Steel Corp. para a

Wilport Company, deveria ser estendido a todos os minoritários da Newport.

Com base nessa visão, ficou superado o paradoxo das teorias de Berle e Means e de Bayne, as quais permitiriam que o prêmio pago em função do controle retornasse justamente para quem o pagou. No entanto, a outra crítica feita a essas teorias – atribuição à pessoa diversa do titular do controle do prêmio que lhe seria correspondente – permanece na linha argumentativa introduzida por Andrews e Jennings.

Nesse contexto, propôs-se uma quarta alternativa com relação ao destinatário do preço de controle em caso de transferência. A ideia passou a ser atribuir aos acionistas da sociedade, cujo controle constitua o objeto da alienação, o valor do controle, mediante a repartição de seu valor pro rata entre todos os acionistas76. Ocorre que essa tese, da mesma forma que as demais, defendidas por Berle e Means, Bayne, Andrews e Jennings, não condiz com a realidade do controle na sociedade anônima. Na hipótese aqui prevista ainda há uma agravante: exigir a distribuição do valor correspondente ao controle em iguais condições a todos os acionistas, ainda que proporcionalmente à participação de cada um no capital social, pode conduzir à determinação de restrições às possibilidades de transferência, em face do desestímulo do controlador em abrir mão de parte do valor que poderia receber por inteiro, caso não tivesse que repartir com os demais membros da companhia.

No plano nacional, para o professor Calixto Salomão Filho77, o sobrevalor de controle deve ter como destino a totalidade dos acionistas, seja qual for a classe de ações por eles titularizadas, toda vez que o valor do controle tenha sido atribuído com base na perspectiva de rentabilidade da companhia.

Cândido Motta78 partilha dessa visão, no entanto, remete o seu entendimento à inexistência de diferenciação entre minoritários ordinários e preferenciais na lei societária de 1976 e ressalta que, se nem a lei era provida de referida distinção, não poderia a

76 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima, 5. ed., p. 301.

77 SALOMÃO FILHO, Calixto. Alienação de controle: o vaivém da disciplina e seus problemas. In:

________. O novo direito societário. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 131-136.

78 MOTA, Nelson Cândido. Alienação de controle de instituições financeiras. Acionistas minoritários. Notas

67 Resolução no 401/1976 fazê-lo; ainda segundo o autor, estabelecer diferenças entre esses dois grupos de acionistas significaria dizer que existe desigualdade patrimonial entre eles.

A ex-diretora da CVM, Norma Parente79, adepta dessa doutrina, sustenta o seu entendimento com base no fato de que todos os acionistas que colaboraram para a formação do capital da companhia devem ter os mesmos direitos patrimoniais.

Nessa mesma esteira, Waldirio Bulgarelli pondera:

[...] o não controlador, que não recebeu dividendos durante muito tempo, pela política imposta pelo controlado de fortalecer a empresa, tem direito a reclamar quando o controlador, aproveitando-se dos resultados dessa mesma política, vende com ágio astronômico as suas ações de controle. [...] Ao vender o controle [...] com grandes lucros, está-se vendendo, subjacentemente, os intangíveis e mais propriamente o aviamento da empresa. [...] o certo será a distribuição, ao menos do ágio, entre todos que contribuíram para o fortalecimento da empresa80.

Outro entendimento de relevo prende-se aos ensinamentos de Luiz Leonardo Cantidiano81, para quem o valor do controle deve ser dividido entre todos os acionistas da companhia, sejam eles preferenciais ou ordinários, apenas nas hipóteses em que haja ulterior incorporação da companhia, dado que em uma mera troca de posição no controle os intangíveis permanecem no patrimônio da companhia e, portanto, integrando o patrimônio de todos os acionistas.