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2. Suécia: história e as transformações no habitus sueco.

3.12. Dez: Crepúsculo.

Ouve-se quatro badaladas do relógio e Henrik acorda com o que parece ser um ataque de ansiedade. Ele hesita em entrar no quarto de Marianne mas acaba entrando.

Johan: Marianne. Marianne! Desculpe acordá-la.

Marianne: Tudo bem. Eu volto a dormir. Qual é o problema? Johan? J: Eu não sei. Acho que é um tipo de ansiedade.

M: Ansiedade? Como assim? Agora entendo. Você está triste.

J: Não estou triste, eu... É pior. É uma ansiedade infernal. É maior do que eu. Está tentando sair de mim através de todos os orifícios: meus olhos, meu ânus. É como uma diarreia mental gigante. Sou pequeno demais para a minha ansiedade.

M: Tem medo da morte, Johan?

J: Acima de tudo, eu só gostaria de gritar. O que você faz com um bebê chorão que não aceita o seu conforto?

M: Venha deitar-se comigo. J: Não há espaço.

M: Dormimos em camas mais estreitas. J: Não vamos conseguir dormir.

M: Como se fizesse alguma diferença nos últimos dias.

J: Tenho que tirar minha camiseta. Está molhada da minha indisposição. M: Vá em frente.

J: Você também tem que tirar a sua.

M: Tenho? Está bem. Agora venha, Johan. Venha cá. Pronto deite-se. J: Boa noite, Marianne.

M: Boa noite.

J: Pode finalmente explicar porque subitamente você apareceu aqui? M: Achei que estivesse me chamando.

J: Nunca chamei ninguém. M: Entrou na minha cabeça. J: Que estranho.

M: Eu entendo que você não entenda. J: Quanto tempo você vai ficar? M: Tenho um caso no dia 27. J: De novembro?

M: Outubro.

J: Boa noite outra vez.

Imagem 31: Fotografia de Johan e Marianne.

Fonte: Print Screen do filme “Saraband” (2003).

Mesmo mostrando desprezo pelo que o filho passou Johan foi afetado. Ele finalmente deixa transparecer a fragilidade que Marianne tinha mencionado na conversa com Karin. Afinal, sem Henrik e Karin, Johan estaria só. Os dois tiram suas roupas como uma metáfora, de que Johan, mesmo que por um breve momento, estava também se despindo da sua máscara. Ele não consegue falar diretamente dos seus sentimentos, mas expressa seu medo através do corpo. A tentativa de suicídio de Henrik o leva a perceber que ele está velho e sozinho, sua vida havia sido sem sentido, a morte se aproxima. Sua reação se assemelha a de uma criança querendo a segurança dos braços da mãe onde ele possa mais uma vez esquecer da sua própria finitude.

A imagem dos dois na cama acaba virando mais uma fotografia em preto e branco da mesa de Marianne.

3.13. Epílogo.

Marianne está novamente sentada em frente à mesa cheia de fotografias. Ela fala que algumas semanas depois voltou para casa e que apesar de ter tentado manter contato com Johan a comunicação acabou silenciando.

Marianne: As coisas sempre ficam comigo. Em ordem. Tudo no seu lugar. Talvez eu seja um pouco solitária, não sei. Às vezes penso na Anna. Eu me pergunto como ela lidou com sua vida. Como falava..., como se movia..., seu olhar..., o sorriso quase invisível. Os sentimentos de Anna. O amor de Anna. Bem. Aconteceu algo comigo que pode estar relacionado com isso. Quando eu voltei visitei minha filha Martha no hospício (SARABAND, 2003).

Imagem 32: Marta olha para a mãe.

Fonte: Print Screen do filme “Saraband” (2003).

Imagem 33: Marianne olha para a filha.

Marianne: Mas pensei no fato enigmático de que..., pela primeira vez em nossa vida juntas..., eu percebi..., senti..., que estava tocando na minha filha. Minha criança (SARABAND, 2003).

O amor de Anna que havia comovido tanto a Johan, Karin e Henrik, acaba por tocar Marianne. Ela sente que pela primeira vez está realmente tentando se comunicar com sua filha sem máscaras e, finalmente, é capaz de experimentar algo de genuíno junto com sua filha que parecia perdida para a doença.

Durante todo o filme é possível perceber como os personagens separavam o que eles pensavam e sentiam das suas palavras e ações. Apenas Henrik parecia disposto a expressar espontaneamente o amor e o ódio, mas essa falta de autocontrole culminou na sua tentativa de suicídio. Marianne, como ela mesma se descreve, não é dada a atos impulsivos. Bergman (2006) afirma que não consegue trabalhar com a improvisação, tudo precisa ser minimamente planejado e controlado, assim como as emoções. Esse autocontrole do indivíduo acaba por gerar um sentimento de distanciamento dele com o “mundo exterior”. Elias (1994) ao pensar nos problemas da autoconsciência gerados no processo de individualização na sociedade moderna afirma que

Quando esses impulsos só podem expressar-se na ação de maneira silenciosa, postergada e indireta, com um intenso autocontrole habitual, o indivíduo frequentemente se vê tomado pela sensação de estar isolado de todas as outras pessoas e do mundo inteiro por uma barreira invisível (ELIAS, 1994, p. 99).

Marianne consegue tocar sua filha por que consegue estabelecer uma ligação com ela. E essa comunicação entre as duas é sem palavras, elas apenas de olham. Em “Persona” (1966), Elisabet decide parar de falar, como uma mentira de parar de atuar, de ser verdadeira. Essa percepção de que as palavras são enganosas é gerada também pelo próprio aprendizado do autocontrole. Se o indivíduo se percebe como um ser enclausurado em si mesmo e que deve estar sempre se privando dos seus desejos e impulsos para conseguir se adequar ao que os outros esperam dele, seus sentimentos que não podem ser expressos acabam sendo percebidos como o que há de mais verdadeiro e natural. O indivíduo depende dos outros, mas sente que por causa desse “outro” não pode expressar com liberdade seus sentimentos mais íntimos. O “outro” é a sociedade moderna que regula todos os aspectos da vida. A natureza se torna o símbolo do que não foi controlado ou regulado pelo homem, ela é verdadeira e genuína assim como o “eu interior”. As palavras são usadas na comunicação durante a interação social, elas são tão reguladas pelas normas quanto o tempo é regulado pelo relógio. Elas se tornam assim distantes do que é verdadeiro e natural. Elas são usadas no “mundo exterior” no qual o indivíduo se sente separado e ao mesmo tempo aprisionado.