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Segundo Bohm (1996, p. 6), a palavra diálogo resulta da junção das palavras gregas

dia e logos. Dia significa por meio de ou através e logos pode ser traduzida como significado ou sentido da palavra. Ao recorrer à etimologia da palavra diálogo, David Bohn contribui para esclarecer o mal entendido semântico do termo, que no senso comum é tido apenas como contrário de monólogo ou conversação entre duas pessoas. Para Bohm (1996), o diálogo pode acontecer entre duas ou mais pessoas e até mesmo com uma pessoa consigo mesma. A etimologia da palavra dá a ideia de diálogo como significados que fluem por meio das pessoas e entre elas. Mas apenas a etimologia da palavra não nos dá o seu real significado e muito menos os diversos sentidos presentes nas variadas concepções acerca do diálogo.

Ainda que o termo seja polissêmico e que não haja concordância sobre seus significados e sentidos, parece haver consenso de que o diálogo é, por si só, bom e desejável nas relações sociais. Parece não haver dúvidas de que o diálogo deve ser garantido em todos os meios sociais inclusive o pedagógico. É bastante comum se ouvir que a sala de aula deve se converter em espaço de diálogo e que as relações entre professores e estudantes devem ser

mais dialógicas. Isso ocorre porque se acredita que a educação é um processo fundamentalmente dialógico. Nesse sentido, Freire (2011c, p. 26) contribui ao afirmar que “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” É ainda Freire (2011c) que nos leva a compreender que o pensamento do professor só adquire autenticidade na inter-relação com o estudante, ou na autenticidade do pensamento do estudante e, portanto, na intercomunicação.

Mas essa valorização do diálogo na relação pedagógica é relativamente recente. Para Brayner (2009), entre as décadas de 1930 e 1960, quando a concepção tradicional começa a perder força no ensino e um novo ideário pedagógico começa a surgir a partir das ideias pragmáticas introduzidas no Brasil por Anísio Teixeira, é que a noção de diálogo entre professor e estudantes entra em pauta, sobretudo porque saímos de uma concepção em que o centro do trabalho pedagógico era o professor e passamos para uma em que o estudante ganha centralidade e com isso se discute a democratização da palavra, o que implica na busca do diálogo. Para Brayner (2009, p. 208), “o diálogo aparecia, assim, no horizonte educativo, como prática dotada de certas virtudes altamente desejáveis, sendo a maior delas a possibilidade de um encontro intersubjetivo carregado de potencial ‘emancipatório.”

Nesse trabalho, busca-se compreender o diálogo no ambiente educativo, sobretudo o seu potencial emancipatório no processo de aprendizagem e ensino da Matemática. Em última instância, procura-se compreender de que maneira os diálogos entre estudantes e os diálogos entre estudantes e professores podem contribuir para a aprendizagem significativa da Matemática de todos os envolvidos.

Para Freire (1986, p. 123), por meio do diálogo nós refletimos juntos sobre o que sabemos e o que não sabemos, para podermos, em seguida, agir criticamente para transformar a realidade. Nesta perspectiva, o diálogo tem a ver com certa postura democrática de refletirmos sobre o que fazemos e como fazemos, para agirmos. Não é o diálogo vazio de ação, de conteúdos e de valores, mas repleto de significados e, portanto, histórico e ideológico. Mas não é apenas ação, é também reflexão. Na mesma direção, Alrø e Skovsmose (2006, p. 133) afirmam que “dialogar significa agir em cooperação”. Assim, o diálogo pressupõe ação e reflexão, pressupõe uma ação intencional não individual, pressupõe a existência de sujeitos ativos.

González Rey (2006, p. 30) contribui com essa concepção ao afirmar que “o trabalho pedagógico tem muito a ver com a organização da sala de aula como espaço de diálogo, reflexão e construção”. Do mesmo modo, para Tacca (2006, p. 50) “o diálogo é o cerne da relação na aprendizagem, em que as partes envolvidas fazem trocas e negociam os diferentes

significados do objeto do conhecimento, o que dá relevância ao papel ativo e altamente reflexivo, emocional e criativo do estudante e do professor.”

Esses autores nos conduziram a pensar na relação entre diálogo e aprendizagem matemática e a questionar: o que é mesmo diálogo? O que é o diálogo dentro do processo de comunicação? Que padrões de comunicação estão presentes na sala de aula? A sala de aula é mesmo um lugar de diálogo? O trabalho pedagógico pressupõe mesmo o diálogo? As relações entre estudantes e entre estes e o professor podem ser mais dialógicas? A atividade matemática na escola favorece a emergência do diálogo? Quais são os elementos constitutivos do diálogo na aprendizagem da Matemática?

Esses questionamentos nos levaram a refletir que o mundo de relações do estudante na escola, sobretudo a relação jovem-adulto, é marcado por relações de poder, o que nem sempre possibilita uma comunicação mais horizontal baseada no diálogo.

A escola como está hoje organizada nem sempre é objetivada por meio do diálogo ou por outra natureza de relação entre saber e poder. A organização do trabalho pedagógico em Matemática, sobretudo os processos avaliativos, perpetuam relações de poder com base na meritocracia, em que aqueles que estão em situação de fracasso ou de dificuldade na aprendizagem são silenciados, não apenas nas suas vozes, mas nas suas produções matemáticas.

Por fim, o grande desafio da escola na construção de saberes necessários à vida em sociedade e ao exercício da cidadania exige a prática democrática do diálogo, sem a qual a função social da escola não ultrapassa da reprodução das relações sociais.

Para responder aos questionamentos e aprofundar as reflexões acima, poderíamos utilizar várias concepções de diálogo, mas estamos fazendo a opção pelas ideias de dois autores. O primeiro deles, Mikhail Bakhtin, tem sido considerado o teórico do diálogo, o segundo, Paulo Freire, tem sido o teórico que aposta na emancipação por meio do diálogo. Além desses dois, outros autores serão convidados a entrar na conversa.

Muito embora Bakhtin tenha construído suas ideias no âmbito da teoria literária e da filosofia da linguagem, há nelas uma concepção de diálogo que tem fortes implicações pedagógicas, o que nos interessa para compreender o diálogo no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Sua concepção de diálogo tem um caráter interativo, social e histórico-cultural que possibilita empregá-la no campo da Pedagogia. Sua teoria nos possibilita compreender o diálogo como construção humana. Diferentemente de Bakhtin, Paulo Freire construiu suas ideias no âmbito da Pedagogia. Sua concepção de diálogo é

profundamente pedagógica ao propor uma epistemologia que funda novas relações entre professor, estudantes e objetos do conhecimento.