• Nenhum resultado encontrado

5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

5.1 Contribuições das disciplinas optativas para a prática docente

5.1.2 Diálogo entre teoria e prática

Nesta segunda microcategoria, percebo que a articulação teoria-prática, como proposta por Lucarelli (2002, 2007), ainda se encontra distante da concepção que permeou os bancos escolares e permanece, ainda hoje, no contexto universitário, e me incluo em algumas dessas situações. Parece, para muitos, que a

teoria é vista na sala de aula universitária, e a prática se dá somente na realização da prática docente em terreno, isto é, na sala de aula da escola. Lucarelli (2007) afirma que a articulação teoria-prática apresenta duas principais vias principais, uma delas como “princípio geral metodológico” no qual

la articulación de lo teórico y lo práctico se presenta en el aula de clase por lo menos en tres vertientes: como proceso dialéctico de apropiación del conocimiento en el que a través del método didáctico se trasladan al contexto del aula las notas propias del método dialéctico, afirmando el carácter activo del sujeto para aprehender su realidad; como construcción del conocimiento, y como aprendizaje significativo, (en la adquisición de nuevos materiales por parte del alumno mediante su vinculación a algún aspecto de la estructura cognitiva existente. Esta comprensión del aprendizaje en su carácter de proceso general y genuino, supone la alternancia, sucesión y predominio de momentos teóricos y prácticos en las actividades previstas en la propuesta de enseñanza (LUCARELLI, 2007, p.16).

Lucarelli mostra que, mesmo sendo uma proposta de trabalho a partir de leitura e discussão de materiais teóricos, é impossível menosprezar o caráter articulatório entre o teórico e o prático, já que no processo de compreensão da teoria e articulação desses conhecimentos com outros previamente assimilados está presente o caráter prático do processo.

Ainda assim, parece que, apesar dessa consciência, a concepção que se mantém é que teórico é a partir do que está escrito, e prático, o que é “realizado”, “a ação”, como uma consecução de atividades e/ou de tarefas.

Para sustentar essa ideia, apresento a seguir fragmentos das conversas organizadas que demonstram essa dicotomia, ainda que se possa compreendê-la apenas a nível lexical. Eu pergunto: aprofundar conhecimentos teóricos faltou? Te faltou alguma coisa de teoria? Ao que Luiza responde: “Olha, eu acho que não, né Cristina (risos) aquele monte de textos (risos) Não, não faltou teoria não! (risos) faltou é prática!”. Luiza faz referência à prática, como a prática docente, na sala de aula com as crianças, adotando, então, o que Lucarelli define como “espacio de formación en la práctica profesional, es decir, es el momento en que las alumnas-profesoras van a terreno a hacer una práctica de entrenamiento en el rol profesional”

(LUCARELLI, 2007, p.17).

Por um lado, a resposta de Luiza me faz perceber que, mesmo não tendo sido mencionado anteriormente, as alunas-professoras reconhecem que houve uma preocupação com as teorias sobre ensino/aprendizagem/aquisição de línguas

estrangeiras para crianças e a proposição de muitas leituras a esse respeito. Mas segue mencionando:

O que eu achei que ia ser diferente, não é que eu não tenha gostado, que eu achei que ia assim... desde o começo eu achei que a gente já ia ir pra prática com eles, como a gente fez agora no final, só que foi só no final, eu achei que desde o começo ia ser. Até entendi a tua explicação aquele dia, que tu disseste que por terem entrado alunos que não tinham os pré-requisitos, deu pra entender bem aquilo mas eu achei, quando eu me inscrevi, achei que a gente ia ter mais prática com eles, ficar mais junto de alunos, fazendo isso na prática, achei que a gente ia ter mais isso (Luiza, conversas organizadas – dez. 2008).

A crítica apontada por Luiza quanto ao pouco número de aulas ministradas na escola vai ao encontro de minha percepção e serve de base para reflexões futuras sobre a disposição de tempo para leituras e para a prática em terreno, levando-me a refletir e a querer reestruturar minha postura futuramente. Mas ao disponibilizar muitas leituras, embaso-me em Pimenta (2002), para quem é de fundamental importância a teoria na formação docente. Segundo ela, a teoria dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, e que oferecem diferentes perspectivas de análise para a compreensão dos diferentes contextos. Talvez a aluna tenha razão, e eu tenha priorizado mais a teoria, ou a leitura de textos teóricos do que a prática em terreno. Meu objetivo estava em que ocorresse o que propõe Ferry (1997) – para que tenha um valor formativo, a prática em terreno, depois de realizada, deve ser retomada no contexto universitário, descrita e analisada, possibilitando, então, a retroalimentação entre o ocorrido em terreno e a sala de aula universitária, portanto, para que seja analisada e refletida, deve ter um consistente suporte teórico. Admito que faltou maior número de práticas em terreno. Apesar de reivindicar a falta de prática com as crianças, a aluna-professora não minimiza a importância da teoria.

Deu bastante embasamento pra gente pensar, claro, a gente não fazia especificamente para crianças, né? A gente fazia pensando, de quinta a oitava série, né? [referindo-se a disciplina de canções] Mas já deu embasamento pra essa com crianças, que a gente trabalhou (Luiza, conversas organizadas – dez. 2008).

Na fala de Luiza, observo que a aluna-professora tem consciência de como se deu a construção de suas aprendizagens, pois ela refere que a primeira disciplina embasou o trabalho realizado com as crianças.

Também Iracema, como Luiza, aponta, em sua fala, a percepção da importância do fazer na construção de seus saberes.

Eu acho que, pra mim tava bom, pois quem vai precisar usar somos nós, quem tem que fazer a experiência, se dá certo, se não dá certo, se quebrou a cara, ir pra outro lado, procurar outro caminho, é a gente, eu acredito que a gente não recebe fórmulas prontas, e a gente aprende é fazendo, então pra mim [...] (Iracema, conversas organizadas – dez. 2008).

Na mesma perspectiva da fala de Iracema, vejo que Lucarelli (2007, p.17) apresenta, apoiada em Donald Schön, a segunda via principal da articulação teoria-prática que se dá como processo de formação na profissão:

La nueva epistemología de la práctica (Donald Schön) supone que la articulación de la teoría y la práctica se desarrolla a través de una estrategia metodológica en la que se propicia la reflexión en la acción. Se alude la posibilidad de pensar en lo que se hace mientras se está haciendo, tal como realiza el profesional en la resolución de situaciones cotidianas en las que deben encarar la incertidumbre y el conflicto sin pretender aislarse de esa situación o detener el proceso tal cual se produce. El conocimiento en la acción incluye tipos de conocimiento que se revelan en las acciones inteligentes ya sean observables o no, ejecutadas en forma espontánea y hábil y generalmente no explicitadas en forma verbal, si no media una reflexión intencional. Esta forma de reflexión se diferencia de la reflexión sobre la acción, en la que la “reflexión carece de una conexión directa con la acción presente” (Schön, 1992: 37). Cuando se reflexiona en la acción, por el contrario, se puede reorganizar lo que se está haciendo simultáneamente a la acción.

En otro orden, la nueva epistemología de la práctica implica la acción de investigadores que desarrollan la reflexión sobre la reflexión en la acción.

Buscando propiciar as duas vias principias de articulação teoria-prática é que se deu a proposta, tanto das disciplinas optativas como da prática em terreno. E, do meu ponto de vista, a prática em terreno propicia que se reflita enquanto se está realizando a ação, o que pôde ser comprovado na fala de Iracema, anteriormente citada.

Apesar de dificuldades no uso dos termos teoria e prática, acredito que sua articulação, efetivamente, ocorra. Quando mencionei para Iracema que talvez a disciplina de Espanhol para as séries iniciais fosse incluída como disciplina obrigatória e lhe perguntei como ela acreditava que devesse ser trabalhada, principalmente por alunos que já tivessem realizado dois créditos da disciplina optativa e que deveriam cursar mais dois, Iracema se expressa:

Eu acho que a disciplina poderia continuar somente prática de sala de aula, teoria, nós já fizemos a teoria. Só prática, prática, prática e prática, estamos na metade do curso, só juntando material pras aulas (risos) (Iracema, conversas organizadas – dez. 2008).

A aluna-professora aponta a necessidade de estar mais no contexto escolar, de realizar maior quantidade de práticas docentes com o ensino de língua espanhola para as crianças. O vocábulo prática está, em verdade, sendo usado como oposto ao teórico, como se a prática fosse, então, a aplicação do teórico. Da mesma forma que a aluna-professora, e mesmo ciente de que teoria e prática são indissociáveis, muitas vezes incorro no mesmo equívoco, de nomear as práticas e as teorias como se elas fossem dicotômicas. Essa é uma questão que requer reflexões mais sistemáticas para que se tenha clareza de como se dão os processos de articulação e que então passemos a não separar tanto os conceitos.

Quando se refere à prática em terreno, isto é, na sala de aula escolar, Iracema demonstra que, de certa forma, consegue articular os dois conceitos: “ah, é eu acho que ali tem tudo, tem a teoria, tem a prática...”. Iracema demonstra que consegue, como propõe Lucarelli, refletir, também, na ação, articular a teoria com a ação, mas aponta certas dificuldades entre o saber e o fazer:

é fácil da gente falar, é mais difícil de colocar na prática. Tanto que eu fui chamada atenção: ah, mas tu escreveste no teu artigo, mas na prática tu não fizeste... na última aula eu consegui fazer na prática... (Iracema, conversas organizadas – dez. 2008).

Essa fala demonstra também que nem sempre é fácil fazer aquilo em que acreditamos, que a dicotomia entre a teoria e prática se revela mais uma vez.

Também Iracema insiste na importância da prática em terreno dizendo que “Eu penso que a prática, que na prática a gente aprende mais [...]”. E reitera em outra fala: “pena que nem todos puderam ter a mesma experiência de ir pra dentro de uma sala de aula de praticar, porque eu acredito que a gente aprende é praticando, pena que nem todos foram [...]” (Iracema, conversas organizadas – dez. 2008).

Nessa mesma perspectiva Viviane assinala que “se aprende ensinando, isso eu sei por mim [...]”. Esses fragmentos explicitam a importância da formação que a universidade deve oportunizar, propiciando que os futuros docentes realizem a prática da profissão docente nos espaços onde se dará essa prática. Nesse sentido, o desafio posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar para que o discente passe a ver-se como professor e não mais apenas como aluno, e não apenas no estágio ao final do curso e sim em toda a trajetória de formação. Da mesma forma com que Ferry (1997) enfatiza que não é possível a formação do indivíduo na prática profissional, que essa formação somente é possível se houver, em algum momento,

uma reflexão sobre o que se fez, se se pode voltar, rever o que se fez, buscar outras maneiras de fazer, saber por que se fez dessa forma e não de outra, enfim, fazer um balanço reflexivo, como ocorreu com a oportunidade de realização dessa prática em terreno a que refere Iracema. A mesma que refere Porto (2003) quando propõe uma ação colaborativa entre universidade e escola pública. E, ainda, refletindo sobre as proposições de Lucarelli e Schön, a oportunidade de que o aluno, futuro docente, realize as práticas em terreno possibilita sua formação na profissão, isto é, acontecendo, então, a segunda via principal da articulação teoria-prática que se dá, segundo os autores, como processo de formação na profissão.

Iracema, referindo-se a essa articulação entre o que foi discutido na aula universitária e a prática em terreno, explicita:

Eu acho que, pra mim tava bom, pois quem vai precisar usar somos nós, quem tem que fazer a experiência, se dá certo, se não certo, se quebrou a cara, ir pra outro lado, procurar outro caminho, é a gente, eu acredito que a gente não recebe fórmulas prontas, e a gente aprende é fazendo, então pra mim... tu nos orientaste, nós fomos, fizemos, vimos o que deu certo um dia, no outro dia não deu, mas a gente viu o que deu certo e o que não deu e pode retomar, nas duas primeiras aulas eu tive dificuldade de retomar o conteúdo anterior, na última eu consegui retomar [...] (Iracema, conversas organizadas – dez. 2008).

A fala de Iracema aponta para a reflexão e retomada, a reflexão na ação, sobre a ação e, ainda, a reflexão sobre a reflexão da ação, como propõe Lucarelli, embasada em Schön. Reflete uma prática docente reflexiva que está articulada com a teoria.

Seguindo na mesma linha de análise e reflexão, reiterando a dificuldade de articulação entre os dois conceitos, Simone menciona que

a segunda disciplina “Espanhol para as séries iniciais” foi a que eu mais gostei porque teve a parte prática. A primeira foi, obviamente que fundamental porque deu a base teórica, nos deu um caminho. Eu acho que a primeira, eu não tinha entendido bem a proposta, tanto é que eu trouxe uma aula que seria aplicada pro médio [...] (Simone, conversas organizadas – dez. 2008).

A aluna-professora não considera a atividade realizada tanto por ela, como pelos colegas, na primeira disciplina, como uma atividade de prática docente, apesar de ter sido essa a proposta, como ela mesma refere ao final de sua fala. Simone entende a prática docente somente a que foi realizada com as crianças. Também avalia que a primeira foi de embasamento teórico para a segunda, o que não deixa

de ‘também’ ter sido, mas não foi especificamente, pois a teoria, isto é, a leitura dos textos teóricos era consubstanciada pelas atividades práticas e também porque a segunda disciplina oportunizou leituras mais específicas sobre língua estrangeira para crianças. Mas Simone insiste:

Mas acho que foi muito bom porque teve essa base teórica que antecipou...

O último eu gostei muito [disciplina das séries iniciais] foi o que eu mais gostei, porque teve parte prática, teve teoria, a gente pode conhecer os PCNs de Língua Estrangeira que foi muito interessante e a gente pode ver como se dá na prática (Simone, conversas organizadas – dez. 2008).

Novamente os discursos apontam para a fragmentação, para a distância entre um conceito e outro.

Refletindo sobre as duas disciplinas, Simone reitera sua percepção de que a primeira disciplina foi teórica e a segunda prática quando diz: “hoje em dia, claro, com o distanciamento, me dou conta que se não tivesse a base teórica daquela não teria me saído tão bem nessa”. E critica a forma com que foi conduzida a primeira disciplina [sobre a disciplina de canções]

É, eu acho que de repente se tivesse sido uma coisa mais... vamos dizer assim, uma coisa mais encaminhada... um pouco mais de prática desde o início..., que tivesse uma teoria e uma prática, uma teoria e uma prática, eu acho que seria uma coisa que seria um pouco mais, acho que as práticas ficaram muito no final e de repente a coisa ficou um pouco perdida [...]

(Simone, conversas organizadas – dez. 2008).

E reitera a importância da prática em terreno, dizendo que

quando tu tens que ensinar tu aprendes muito mais do que quando tu estás sentada ouvindo, então, por isso que eu acho que de repente na outra em que pessoal se tivesse apresentado o trabalho e tivesse sido um pouco teoria, um pouco prática, acho que teria sido mais, de repente a proposta teria chegado mais ao que tu querias (Simone, conversas organizadas – dez. 2008).

A primeira disciplina atingiu plenamente os objetivos propostos, muitas leituras e sugestões de uso de canções no trabalho com a língua estrangeira, realizadas pelos próprios alunos. Acredito que Simone imaginou que eu esperava mais, mas foi, de minha perspectiva, bastante produtiva. As falas de Simone me levam a refletir se realmente não está faltando maior oportunidade de realização de atividades docentes. Estamos, nós, professores universitários, possibilitando aos alunos a participação em atividades em ensino, pesquisa e extensão? Essas são, segundo os paradigmas atuais, as bases que sustentam a universidade (não

entrarei, aqui, na questão da gestão), e de que maneira, nós, docentes, estamos oportunizando a participação discente nessas áreas? Ficam, aqui, esses questionamentos.

A segunda dimensão de análise ou macrocategoria é referente à Prática Docente.