• Nenhum resultado encontrado

Expulsão, perseguição e estigma

Após a expulsão de 1492, milhares de judeus espanhóis foram obrigados a exilar-se de forma a manterem a sua religião. Viajando por terra e por mar, alguns deles encontraram refúgio temporário a norte em Navarra, a oeste em Portugal, nos territórios a Norte dos Pirenéus em França, em Itália e no Norte de África32. A maior parte dos exilados estabeleceu-se, porém, nos territórios a este do Mediterrâneo, em cidades como Salónica e Constantinopla, no que era então o Império Otomano33. A estas comunidades convencionou designar-se de judeus sefarditas ou levantinos. Num curto espaço de tempo, os exilados tiveram êxito em

estabelecer novas comunidades religiosas, onde o judaísmo normativo foi a regra e o costume sefardita voltou a florescer34.

Dos que emigraram para Portugal, muitos foram, após o édito de expulsão de 1496, baptizados colectivamente e sob coerção, juntamente com os judeus indígenas portugueses35. Este grupo, ao qual se passou a designar de cristãos-novos, juntou-se assim a muitos outros judeus em território espanhol que, de forma a permanecerem no seu país natal, teriam optado em 1492 por converter-se ao cristianismo, tornando-se conversos ou marranos. De forma paradoxal, os motivos que teriam levado os reinos ibéricos a expulsar os judeus da península contribuiriam decidivamente para reforçar o estigma e a obsessão em torno dos que teriam optado por ficar e que nominalmente se entendiam agora como cristãos, indistintos da sociedade envolvente36. O estabelecimento da inquisição espanhola em 1478, e anos depois em Portugal, em 1536, geraria um complexo mecanismo estatal que teria como principal objectivo a investigação de conversos suspeitos de judaizarem37. A atitude de suspeição generalizada promovida pela

32 Sobre a presença cristã-nova no Norte de África ver o estudo de TAVIM, José Alberto Rodrigues da

Silva, Os Judeus na Expansão Portuguesa em Marrocos durante o Século XVI. Origens e Actividades duma Comunidade, Edições APPACDM Distrital de Braga, Braga, 1997; e também de LÉVY, Lionel, La Nation Juive Portugaise: Livourne, Amsterdam, Tunis, 1591-1951, Montreal L’Harmattan, Paris, 1999.

33 HACKER, Joseph, “The Sephardim of the Ottoman Empire in the Sixteenth Century”, Moreshet

Sefarad: The Sephardi Legacy, BEINART, Haim (Ed.), Magnes Press, Jerusalem, 1992, Vol. 2, pp. 109-33.

34

BENBASSA, Esther, RODRIGUE Aron, História dos sefarditas: de Toledo a Salónica, Instituto Piaget, Lisboa, 2000, caps. 1 e 2.

35 AZEVEDO, João Lúcio de, História dos Cristãos-Novos Portugueses, 3ª Edição, Clássica Editora, Lisboa,

1989, pp. 23-26.

36 A mais clara manifestação do agravamento das tensões étnicas e sociais após o fenómeno das

conversões colectivas seria, inquestionavelmente, o massacre de Lisboa de 1506. YERUSHALMI, Yosef Hayim, The Lisbon Massacre of 1506 and the Royal Image in the Shebet Yehudah, Hebrew Union College Anual Supplements, Vol. 1, Hebrew Union College Press, Cincinnati, 1976.

37 BETHENCOURT, Francisco, História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália (Séculos XV-XIX),

Companhia das Letras, São Paulo, 2000; PAIVA, José, Pedro, MARCOCCI, Giuseppe, História da Inquisição Portuguesa: 1536-1821, Esfera dos Livros, Lisboa, 2016; HERCULANO, Alexandre, História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal, Livraria Bertrand, 1976.

37

inquisição estendia-se a toda a comunidade de cristãos-novos, falhando em fazer a distinção entre cristãos leais e judaizantes que continuavam a observar cerimónias judaicas, os chamados criptojudeus38. Dentro deste novo contexto, a perseguição religiosa foi um factor inegável de estigmatização da recém convertida comunidade cristã-nova, a qual passou a herdar os estereótipos e preconceitos normalmente associados aos judeus39. Para todos os efeitos, estes continuavam a ser vistos pelos seus detratores como uma casta à parte, sendo rotulados de marranos ou tornadizos.

Removido o obstáculo religioso, muitos dos cristãos-novos que eram maioritariamente da classe média urbana teriam, num primeiro momento, a possibilidade de ascender

economicamente na pirâmide social. Tal era conseguido nomeadamente através da criação vínculos familiares com famílias da alta aristocracia ibérica ou mesmo por via da nomeação em alto cargos da administração pública e eclesiástica40. Por outro lado, e tal como refere Caro Baroja, o vácuo social deixado com o desenraizamento do judaísmo era agora preenchido pelos cristãos-novos que continuariam a desempenhar as tarefas anteriormente associadas aos judeus, tais como a tributação, o comércio, o artesanato e as actividades financeiras41. A rápida mobilidade social demonstrada pelos cristãos-novos atraiu porém a atenção de muitos, gerando ressentimentos particularmente entre o clero e a classe média cristã-velha. Com o intuito de conter a mobilidade social ascendente dos cristãos-novos, foram criados os

regulamentos de pureza de sangue, os quais estipularam a sua exclusão das ordens religiosas e militares, dos orgãos públicos e educativos, assim como das corporações e irmandades42. Tais estatutos vigoraram em Portugal, até às reformas pombalinas da segunda metade do século XVIII.

As atitudes e práticas religiosas dos cristãos-novos tanto em Espanha como Portugal foram diversas e nem sempre evidentes43. Alguns rejeitaram o seu passado de judeus, aderindo fielmente ao cristianismo. Outros mantiveram secretamente uma afiliação à fé judaica, exibindo-se publicamente como cristãos. Em todo o caso, o anseio pelo judaísmo dos seus

38 Para uma visão global sobre a perseguição inquisitorial aos cristãos-novos em Portugal ver PAIVA, José

Pedro, MARCOCCI, Giuseppe, História da Inquisição Portuguesa: 1536-1821, Esfera dos Livros, Lisboa, 2016, caps. 2 e 6; COELHO, António Borges, Inquisição de Évora, dos primórdios a 1668, 2 Vols.,

Caminho, Lisboa, 1987; MEA, Elvira Cunha de Azevedo, A Inquisição de Coimbra no século XVI, Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1997; e por fim, o polémico mas não menos relevante estudo de SARAIVA, António José, Inquisição e Cristãos-novos, Inova, Porto, 1969.

39

RUIZ, Teofilo F., Spanish Society: 1400-1600, Pearson Education, Harlow, 2001, p. 103.

40 RÉVAH, I. S., “Les Marranes”, Des Marranes à Spinoza, Vrin, Paris, 1995, pp. 36-37. 41

CARO BAROJA, Julio, Los Judios en la España Moderna y Contemporanea, tomo II, Ediciones Arion, Madrid, 1961, p. 9. Sobre os cristãos-novos na administração financeira da coroa portuguesa, ver CRUZ, Maria Leonor García da, “A ‘sisa’, primeiro imposto geral e permanente em Portugal e as tensões de uma sociedade pouco conhecida”, Vozes dos Vales, n.6, ano III, 10, UFVJM – MG – Brasil, 2014.

42

DOMÍNGUEZ ORTIZ, Antonio, La clase Social de los Conversos en Castillo en la edad Moderna, Universidade de Granada, Granada, 1991, pp. 53-80.

43 O tema em torno da fluidez religiosa e identitária dos cristãos-novos, tanto dentro como fora da

Península Ibérica, já foi alvo de um sem número de artigos e monografias das quais se destacam em particular os estudos de GRAIZBORD, David L., Souls in Dispute: Converso Identities in Iberia and the Jewish Diaspora, 1580-1700, University of Pennsylvania Press, Philadelphia, 2004; MELAMMED, Renée Levine, A question of identity: Iberian conversos in historical perspective, Oxford University Press, New York, 2004; e o importante dossier inteiramente dedicado ao tema na revista Jewish Social Studies, Vol. 15, Nº 1, 2008.

38

antepassados podia tomar muitas formas e ser expressado de várias maneiras. Parece certo no entanto que, com o passar do tempo a ligação ao judaísmo destes conversos declinou

consideravelmente, à medida que tanto o seu conhecimento como a disponibilidade de fontes religiosas e literárias começou a escassear44. De forma a contornar a censura, tradições orais passadas de geração em geração possibilitaram aos criptojudeus manter um vínculo, ainda que ténue, com a religião dos seus antepassados45.

A Diáspora dos Homens da Nação

No seguimento da anexação de Portugal à coroa Ibérica em 1580, um grande número de cristãos-novos emigraram de Portugal em direcção a Espanha, de forma a fugir à perseguição inquisitorial. Sob o renovado ímpeto reformista que marcou a liderança dos inquisidores-gerais D. Jorge de Almeida e o cardeal-arquiduque Alberto da Austria, os três tribunais portugueses de Lisboa, Coimbra e Évora, organizaram entre 1581 e 1600, um total de cinquenta autos-de- fé, dos quais cerca de três mil indivíduos foram acusados de judaizar e 162 foram queimados na fogueira46. Por contraposição, num momento em que a perseguição atingia um novo ímpeto em Portugal, a inquisição espanhola abrandara quase totalmente, providenciando aos cristãos-novos recém-chegados um certo grau de segurança até então inexistente. A

negociação com o rei espanhol Filipe III, iniciada por algumas famílias cristão-novas abastadas tais como os Ximenes de Aragão, os Gomes de Elvas, os Rodrigues de Évora e os Mendes de Brito, resultaria num melhoramento considerável da sua condição tanto em Portugal como em Espanha47. Em 1602, e em retorno pela exorbitante quantia de 1 860 000 ducados pagos pelos últimos, Filipe III induziria o Papa a conceder um perdão geral a todos os cristãos-novos portugueses, os quais seriam, a partir de 16 de Agosto de 1605, imediatamente libertos dos cárceres e poupados temporariamente à perseguição, através da suspensão da actividade inquisitorial48. Com efeito, as esperanças depositadas inicialmente em Filipe III seriam

confirmadas através quer do levantamento das restrições ao seu movimento, em 1606, como mais progressivamente, no êxito da integração da comunidade cristã-nova em Madrid, enquantos financeiros e banqueiros da coroa espanhola ao longo das profícuas décadas de 1620-3049.

44

RÉVAH, I. S., La Censure Inquisitoriale Portugaise au XVIe siècle: etude acompagnée de la reproduction en fac-similé des index, Instituto de Alta Cultura, Lisboa, 1960.

45 Sobre o protagonismo assumido pelas mulheres na transmissão das práticas criptojudaicas ver

MELAMMED, Renée Levine, Heretics or Daughters of Israel: The Crypto-Jewish Women of Castile, Oxford University Press, New York, 1999; e de FRADE, Florbela Veiga, “Portuguese 'Conversas' Home Circle: The Women’s role in ther diffusion of Jewish Customs and Traditions (16th and 17th centuries)”, El Prezente. Studies in Sephardic Culture, 3, 2009, pp. 63-81.

46

KAMEN, Henry, The Spanish Inquisition, Weidenfeld and Nicolson, London, 1965, p. 216.

47 Sobre estas importantes famílias ver BOYAJIAN, James C., “The New Christians Reconsidered:

Evidence from Lisbon’s Portuguese Bankers, 1497-1647”, Studia Rosenthaliana, Vol. 13, No. 2, 1979, pp. 129-156.

48 KAMEN, Henry, The Spanish Inquisition..., p. 217.

49 SCHREIBER, Markus, Marranen in Madrid 1660-1670, Franz Steiner Verlag, Stuttgart, 1994; BOYAJIAN,

James C., Portuguese Bankers at the Court of Spain (1626-1650), Rutgers University Press, New Brunswick, 1983; LÓPEZ BELINCHÓN, Bernardo, Honra Libertad y Hacienda: Hombres de Negocios y Judios Sefardies, Universidad de Alvalá, Alcalá de Henares, 2001.

39

Entretanto, paralelamente à diáspora dos exilados sefarditas que tivera lugar desde 1492 e que se concentrara principalente nos centros urbanos do Império Otomano e do Levante, uma outra começava a tomar forma protagonizada pelos cristãos-novos portugueses e espanhóis. Lançando as bases da que viria a ser conhecida como a diáspora sefardita ocidental, alguns conversos fundaram a partir da década de 1530 algumas comunidades judaicas na península italiana. Atraídos pelas políticas mercantilistas de alguns soberanos locais, os cristãos-novos puderam retomar desimpedidos as rotas comerciais com o Levante e através dos seus

estreitos laços comerciais penetrar os balcãs em zonas inacessíveis aos mercadores genoveses e venezianos50. Uma das primeiras concessões veio da mão do Duque Ercole II de Este, que em 1538 autorizou os cristãos-novos a estabelecerem-se nos seus territórios, vindo aí a fundar a comunidade judaica de Ferrara, famosa principalmente pela publicação de uma Bíblia homónima em espanhol e pelas tipografias de Yom Tob Atias e Abraham Usque51. Seguiu-se Ancona, onde sob os auspícios do Papa, foi concedida a uma comunidade de conversos portugueses a liberdade para praticar livremente o judaísmo. As protecções em questão conferidas em 1544, 1547 e 1552, pelos líderes da Igreja Católica, eram motivadas pelos mesmos argumentos económicos que motivariam, por volta da mesma altura, cidades como Nápoles, Florença e Roma a assumirem uma política mais tolerante face aos mercadores da nação portuguesa52. A juntar a estes desenvolvimento, em 1548, o Duque Cosimo I de Medici convidaria os mercadores judeus a fixarem-se nos seus domínios, em Pisa53. Embora desta feita, os cristãos-novos fossem explicitamente proibidos de se converter ao judaísmo, vários desafiaram as restrições locais, misturando-se convenientemente com os judeus levantinos e ocultando as suas origens ibéricas.

Já quase no final do século XVI, duas importantes comunidades de conversos portugueses e espanhóis foram fundadas em Itália. A primeira, Livorno, constituiu-se após 1591, quando o Grão-Duque da Toscana, Fernando I, assinou a que viria a ser conhecida por Livornina: a carta de privilégios que concedia aos mercadores cristãos-novos a liberdade para se fixarem nas cidades portuárias de Pisa e Livorno54. Embora Pisa tivesse sido incialmente favorecida pelos colonos portugueses, foi Livorno que se veio a revelar o principal entreposto cristão-novo na Toscânia, chegando a a atingir os 1500 membros em meados do século XVII55. A segunda, Veneza, existia pelo menos desde 1541, embora só em 1589 viria definitivamente a receber a

50

ISRAEL, Jonathan I., Diasporas within a Diaspora, Brill, Leiden, 2002, pp. 9-13, 41-65.

51 LEONE LEONI, Aron di, La Nazione Ebraica Spagnola e Portoghese di Ferrara (1492-1559): i suoi

rapporti col Governo Ducale e la popolazione locale ed i suoi legami com le Nazioni Portoghesi di Ancona, Pesaro e Venezia, Leo S. Olschki Editore, Firenze, 2011, p. 75.

52 RAVID, Benjamin, “A Tale of Three Cities and their Raison d’Etat: Ancona, Venice, Livorno, and the

Competition for Jewish Merchants in the Sixteenth Century”, Jews, Christians, and Muslims in the Mediterranean World after 1492, MEYUHAS GINIO, Alisa (Ed.), Taylor & Francis, London, 1992, p. 143; COOPERMAN, Bernard, “Venetian Policy Towards Levantine Jews and its broader Italian context”, Gli Ebrei e Venezia, COZZI, Gaetano (Ed.), Edizione Comunità, Milano, 1987, pp. 65-77.

53

TOAFF, Renzo, La Nazione Ebrea a Livorno e a Pisa (1591-1700), Leo S. Olschki, Firenze, 1990, p. 34.

54 Idem, Ibidem, pp. 419-35; TRIVELLATO, Francesca, The Familiarity of Strangers: The Sephardic

Diaspora, Livorno, and Cross-Cultural Trade in the Early Modern Period, Yale University Press, New Haven, 2009.

55 O florescimento prematuro da vida judaica em Livorno proporcionou a criação de uma sinagoga ainda

40

tolerância oficial através de uma carta de privilégios (condotta)56. Desde 1573 que a política mercantilista da cidade atraía um número crescente de cristãos-novos, os quais, apesar da perseguição inquisitorial, viriam a estabelecer aí o principal elo de ligação entre os cristãos- novos da Península Ibérica e as comunidades sefarditas do Império Otomano57. Em termos religiosos, a interacção cultural proporcionada pela coexistência entre as comunidades levantina e ponentina em Veneza representaria um dos marcos mais significativos do reencontro sefardita pós a expulsão, criando as bases da que viria a tornar-se a principal comunidade da diáspora sefardita até meados de 163058.

A união Ibérica de 1580 resultara, por outro lado, num aumento considerável da imigração cristã-nova da península para os territórios da América espanhola e portuguesa. Ainda que no presente caso considerações económicas se sobrepusessem a sensibilidades religiosas, muitos dos que escolheram estas rotas fizeram-no como forma de escapar à persequição inquisitorial. A criação de dois tribunais da inquisição em Lima e no México, em 1570 e 1571, e mais tarde em Cartagena de Índias, em 1610, significava antes de tudo que nem no novo mundo os cristãos-novos seriam poupados às acusações de práticas judaizantes59. Na América portuguesa o processo era directamente controlado pelo Santo Ofício de Lisboa, o qual enviaria entre 1591 e 1618, três visitações inquisitoriais à colónia brasileira, desestabilizando profundamente a comunidade cristã-nova aí residente60. Mais tarde, e com a ascenção dos Impérios coloniais protestantes em meados do século XVII, os cristãos-novos desempenhariam um papel vital nas economias florescentes das Caraíbas e da América central, depois de uma curta mas lucrativa experiência no Recife holandês61. Tirando partido do seu conhecimento na cultura, refinação e comercialização de produtos agrícolas tais como o açúcar, o tabaco e o cacau, a sua presença foi promovida como parte de um projecto de povoamento e de estímulo à economia local62. Como consequência, foram fundadas em poucos anos, várias comunidades

56 RAVID, Benjamin, “The Venetian Government and the Jews”, The Jews of Early Modern Venice, DAVIS,

Robert C., RAVID, Benjamin (Eds.), John Hopkins University Press, Baltimore, 2001, pp. 15-19.

57

PULLAN, Brian, The Jews of Europe and the Inquisition of Venice 1550-1670, Barnes & Noble, Oxford, 1983; IOLY ZORATTINI, Pier Cesare, Processi del S. Uffizio di Venezia contro Ebrei e Giudaizzanti (1548- 1560), 14 Vols., Olschki, Florença, 1980-99.

58

Sobre os cristãos-novos em Veneza e a comunidade judaica da mesma cidade ver FEDERICA, Ruspio, La Nazione Portoghese: Ebrei Ponentini e Nuovi Cristiani a Venezia, Silvio Zamorani Editore, Torino, 2007; ROTH, Cecil, “Les Marranes à Venise”, Revue des Études Juives, Tomo LXXXIX, Nº 177-178, 1930, pp. 201-23; RAVID, Benjamin C., DAVIS, Robert C., The Jews of Early Modern Venice, John Hopkins University Press, Baltimore, 2001. Sobre a interacção religiosa e espiritual proporcionada pelo contacto entre os cristãos-novos e os sefarditas levantinos, ver o caso de Isaac Cardoso em YERUSHALMI, Yosef Hayim, From Spanish Court to Italian Ghetto: Isaac Cardoso, a Study in Seventeenth-Century Marranism and Jewish Apologetics, University of Washington Press, Seattle, 1981.

59 SCHAPOSCHNIK, Ana E., The Lima Inquisition: the Plight of Crypto-Jews in Seventeenth-Century Peru,

University of Wisconsin Press, Madison, 2015, pp. 36-45.

60

WIZNITZER, Arnold, Jews in Colonial Brazil, Morningside Heights, N.Y., 1960, pp. 12-42; NOVINSKY, Anita, Cristãos Novos na Bahia, Editora Perspectiva, São Paulo, 1972; FEITLER, Bruno, Inquisition, Juifs et nouveaux-chrétiens au Brésil: le Nordeste, XVIIe et XVIIIe siècles, Leuven University Press, Leuven, 2003; VAINFAS, Ronaldo, Confissões da Bahia, São Paulo, Companhia das Letras, 1997.

61 A presença dos judeus portugueses na América espanhola, francesa e holandesa ao longo dos séculos

XVI e XVII é tema de um volume colectivo publicado por BERNARDINI, Paulo, FIERING, Norman (eds.), The Jews and the expansion of Europe to the west, 1450-1800, Berghahn Books, New York, 2001.

62 ARBELL, Mordechai, The Jewish Nation of the Caribbean: the Spanish-Portuguese Jewish Settlements in

41

judaicas constituídas por cristãos-novos portugueses e espanhóis, das quais se destacam especialmente as de Curação, Suriname, Cayenne, Jamaica e Barbados63.

Em França, igualmente, novas comunidades foram estabelecidas por grupos de cristãos-novos a norte dos Pirenéus, perto da fronteira com a Espanha. Vindos maioritariamente da Península Ibérica, após a instituição da inquisição portuguesa em 1536, estes fundariam aquelas que viriam a ser as únicas comunidades cristãs-novas em território francês: Peyrehorade, Bordéus, Baiona, St. João de Luz, Biarritz, Dax, Bidache e Labastide-Clairence64. As Lettres Patentes conferidas pelos reis franceses partir da década de 1550, reconheceriam os mercadores destas localidades como “membros da Nação Portuguesa”, conferindo-lhes considerável autonomia para administrarem os assuntos comunitários65. Embora exteriormente estes fossem vistos como católicos e participassem, em muitos casos, na vida religiosa das comunidades hospedeiras, secretamente mantinham ritos e cerimónias judaicas praticando o seu culto longe do olhar público66. Com efeito, esta situação era conhecida pelas autoridades locais e inclusive pelos próprios reis, os quais preferiam fechar os olhos contanto que tais

irregularidades fossem escondidas do público mais vasto. Embora somente em 1723 a sua situação fosse finalmente regularizada, os cristãos-novos de França, que ascenderiam a algumas centenas de indivíduos ao longo do século XVII, desempenharam um papel

importante na revitalização das economias locais e como intermediários entre as comunidades portuguesas estabelecidas a norte da Europa e os mercadores cristãos-novos da Península Ibérica.

A norte da Europa, a primeira comunidade de cristãos-novos surgiria como o resultado da expansão das rotas comerciais portuguesas ligadas às especiarias, as quais passavam desde 1505 de Lisboa para Antuérpia. A municipalidade desta cidade concederia em 1511 uma carta de privilégios aos portugueses cristãos-novos, os quais representavam a maioria dos agentes deste tráfico altamente rentável67. Em 1540 a nação portuguesa residente na cidade contava já com cerca de 20 famílias, as quais se destacavam em termos culturais por uma profusão de lealdades e práticas religiosas. Enquanto que a maior parte ostentava uma forte inclinação católica, tal como foi o caso dos Ximenes, dos Rodrigues d’Évora e dos Gomes d’Elvas, outros, ditos “marans”, continuavam a observar secretamente o culto judaico, longe do olhar

público68. Apesar das restrições impostas pelo imperador Carlos V ao movimento dos cristãos- novos e da intensificação das perseguições a partir de 1530, a comunidade cristã-nova de

63

GERBER, Jane S., The Jews of Spain: a History of the Sephardic Experience, Free Press, New York, 1994, p. 206.

64 BLUMENKRANZ, Bernhard, Histoire des Juifs en France, Toulouse, 1972, pp. 225-230.

65 NAHON, Gérard, “From New Christians to the Portuguese Jewish Nation in France”, Moreshet

Documentos relacionados