• Nenhum resultado encontrado

4 Cultura, Identidade e Reconhecimento

4.4 Processo de Reconhecimento

4.4.3 Dia do recebimento do Processo

Nossas entrevistas foram realizadas entre os meses de agosto e setembro de 2008 e durante este tempo que permanecemos em campo, sempre perguntávamos a Marcos sobre a obtenção de novas informações acerca do processo de reconhecimento da comunidade. A resposta era sempre negativa. Em outubro, fomos informados pelo técnico de que, segundo a Fundação Cultural Palmares, o certificado seria entregue à comunidade de Santo Antônio. Marcos solicitou aos professores, Lado e Mirinha, e à supervisora, Nelma, que organizassem uma cerimônia para o recebimento do certificado. O técnico sugeriu que fosse uma cerimônia simples, mas que alcançasse o objetivo de divulgar à toda a população o certificado recebido pela comunidade de Santo Antônio de Pinheiros Altos como pleiteante ao reconhecimento como remanescente de quilombos.

O certificado é uma placa que reconhece uma ancestralidade negra e solicita o reconhecimento oficial da comunidade como remanescente de quilombos. O documento, em forma de uma placa de 60 cm por 40 cm, foi afixado em uma das paredes laterais da Igreja Católica, naquela comunidade.

Foto da placa referente à certificação quilombola. Autor: Ícaro Trindade Carvalho. Pesquisa de campo. 20 de novembro de 2008.

O documento chegou à comunidade na primeira semana de novembro. Entretanto, a festa estava marcada para o dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Eles135 pretendiam festejar o certificado nesta data, a fim de que ela pudesse ser posteriormente lembrada e comemorada.

Fomos convidados, com antecedência, para a cerimônia de entrega do certificado para a comunidade. O convite foi feito por Marcos e por Nelma.

Chegamos à comunidade e fomos direto para o adro da igreja, onde seria realizada a fixação do certificado e algumas homenagens.

135

Eles aos quais me refiro são: Marcos da EMATER, Mirinha e Lado. Algumas pessoas da comunidade propuseram esta data, mas todos delegaram a função desta comemoração para as pessoas acima citadas.

Discurso do secretário de educação representando o prefeito, no dia da entrega da placa de autorreconhecimento. Autor: Ícaro Trindade Carvalho. Pesquisa de campo. 20 de Novembro de 2008.

Dança do Balaio, realizada pelas moradoras da comunidade. Autor: Ícaro Trindade Carvalho. Pesquisa de campo. 20 de Novembro de 2008.

Na lateral da igreja foram dispostas algumas mesas que seriam ocupadas por membros representantes da comunidade. O prefeito foi representado na pessoa do secretário de educação, Luís Helvécio Silva Araújo, vulgo Luisinho.

A mesa foi composta também por Marcos, representante da EMATER, Nelma, supervisora da escola, personalidade diretamente envolvida em todas as atividades relacionadas ao processo de reconhecimento, Dona Inês, representante da comunidade, uma das moradoras mais antigas de Santo Antônio, diretoras de duas escolas de comunidades vizinhas e eu, segundo eles, minha participação justificava-se pelos trabalhos de incentivo e divulgação da comunidade

Após a formação da mesa, entoou-se o Hino Nacional e, em seguida, a professora Mirinha apresentou à comunidade a bandeira da escola criada por um aluno. A primeira personalidade a falar foi o representante do prefeito, o Secretário Municipal de Educação, Luís, o qual fez um discurso breve, agradecendo o empenho de todos os envolvidos no processo que propiciou aquele certificado, principalmente, a participação de toda a comunidade.

Na sequência, o secretário foi convidado, juntamente com Dona Inês, a apresentar para o público a certidão. Outros discursos ainda foram proferidos na sequência.

Dentre os discursos, destacamos o de Marcos da EMATER que elogiou a capacidade de cooperação e empenho dos integrantes da comunidade de Santo Antônio na busca pelo “ideal de reconhecimento quilombola”.

Algumas apresentações foram preparadas por professores e alunos da escola local e de escolas localizadas em comunidades vizinhas. A primeira apresentação, organizada pela comunidade de Pinheiros Altos, era uma peça teatral que visava provocar uma reflexão acerca de situações de preconceito e marginalização sofridas pela população negra.

A segunda apresentação contou com os integrantes da escola de Vinte Alqueires, comunidade vizinha a Santo Antônio. Também através de uma encenação teatral, os alunos representaram a personagem histórica princesa Izabel e o modo como ela proporcionou as mudanças sociais sofridas pelos negros na época da abolição.

As duas apresentações finais foram preparadas por alunos e professores da própria comunidade de Santo Antônio - um desfile e uma dança do balaio. Segundo Carminha e o apresentador Geraldo, da Secretaria de Cultura, o desfile tinha como objetivo destacar e “valorizar a beleza negra” sempre ignorada pelos grandes meios de comunicação. Do desfile, participaram meninas entre 13 e 16 anos, um rapaz e algumas senhoras sempre atuantes em todos os eventos ocorridos na comunidade, quais sejam D. Lourdes, Tia Zinha, e Magá. Antes de desfilar, cada participante tinha um espaço para falar sobre seus próprios sonhos e perspectivas de futuro, os quais, na maioria dos casos, relacionavam-se ao interesse de obter uma formação profissional.

Já segunda atividade preparada pela escola local, uma dança do balaio, foi apresentada pelas três senhoras que participaram do desfile, além de duas outras moradoras da comunidade. Elas trajavam vestidos rodados feitos de chita, e seguravam, junto à cintura, uma peneira ou um balaio. Todas dançavam de forma circular, encostando-se uma nas outras, o que lembrava a umbigada. As senhoras cantaram uma única música cujos refrões traziam nomes de alimentos típicos da região rimados com nomes de pessoas importantes da comunidade.

A seguir, destacamos um trecho da música apresentada:

Eu queria ter um balaio na coleta do feijão, moça que não tem balaio põe a cintura no chão. Eu queria ser balaio, na coleta de feijão (os alimentos variam de acordo com a rima com o nome das pessoas) para viver dependurada na cacunda do João136.

Segundo os professores da comunidade esta música não tem relação com a ancestralidade africana, mas relaciona-se com o plantio, com a natureza e com as formas de trabalho e remetem a uma identificação com a esfera do trabalho rural brasileiro.

136

Por fim, contemplamos aqui nossa primeira parte metodológica, cujo trabalho foi o de descrever o campo empírico de pesquisa, mostrando seus elementos culturais, seu cotidiano e como os mediadores sociais se interagiram com todo o processo de reconhecimento, feito pela comunidade de Santo Antônio de Pinheiros Altos.